Terapeuta equilibrista

Ou como o terapeuta cognitivo-comportamental faz para manter todos os elementos da sessão em movimento.

Uma das características da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é a estrutura de sessão. Além disso, ela é educativa e orientada para a resolução de problemas atuais. Por isso, seu foco no presente. E tem como grande objetivo que o paciente seja seu próprio terapeuta. Deseja assim, desenvolver habilidades para que o paciente possa, ao longo do tempo, se autorregular.

 Por isso, o paciente deve saber como o processo terapêutico funciona, qual o papel do terapeuta, o que é o modelo cognitivo, o que ele tem e quais as etapas da estrutura de sessão.

Geralmente, uma sessão de TCC dura cerca de 50 minutos. Nesse período, o terapeuta deve desenvolver vários elementos contidos na estrutura de sessão, além de manejar conteúdos mencionados pelo paciente e seus próprios conteúdos.

Gosto de utilizar a metáfora do equilibrista de circo para ilustrar o equilíbrio que o terapeuta da TCC deve ter para harmonizar uma sessão de terapia.

Bolinhas ao ar


Como um malabarista de circo, o terapeuta deve manter as bolinhas no ar. Nesse caso, as bolinhas são os elementos da estrutura de sessão:

  1. Avaliação de humor;
  2. Breve atualização (medicamento, uso de drogas e sintomas do transtorno);
  3. Ponte com a sessão anterior;
  4. Estabelecer agenda;
  5. Revisar tarefa de casa, discutir os tópicos da agenda e utilizar ferramentas terapêuticas;
  6. Estabelecer nova tarefa de casa;
  7. Resumir a sessão e dar e solicitar feedback.

Observa-se em supervisões que uma das principais queixas dos terapeutas, principalmente iniciantes, é sobre a necessidade da estrutura de sessão. Muitos dos terapeutas migraram para a TCC e têm sua formação teórica em abordagens psicodinâmicas. Acostumados a ver a psicoterapia na forma em que quem determina a fala é o próprio paciente, e não o terapeuta, concluem que a estruturação pode tornar as sessões mecânicas, rígidas, “frias” e sem emoções.

Sempre brinco com a ideia de que devemos respeitar os cabelos brancos e a experiência em TCC do simpático senhor de gravata borboleta, e seguir a estrutura de sessão. Refiro-me a Aaron Beck, precursor da Terapia Cognitiva. Mas, além desse argumento, sempre utilizo outras justificativas. São elas:

  1. Tornar o processo terapêutico compreensível é fundamental para que o paciente saiba o que está acontecendo com ele, por que está acontecendo e como melhorar;
  2. A estruturação facilita a psicoeducação;
  3. Ela torna a terapia mais eficiente, tanto em tempo quanto em remissão de sintomas e resolução de problemas;
  4. Ao aprender os passos da sessão, o paciente, quando em alta, saberá utilizar as técnicas e teorias com si mesmo;
  5. Com a estrutura de sessão, o paciente consegue ver os progressos do seu processo terapêutico, tornando-se mais participativo.

Ainda usando “The Becks” para justificar a importância da estrutura de sessão, Ana Maria Serra, importante psicóloga brasileira, traduziu, com autorização de Judith Beck, uma palestra em que a mesma fala sobre a sua preocupação com os rumos que a TCC tem tomado. Ela percebeu um número crescente de profissionais que se consideravam terapeutas cognitivo-comportamentais. Fato que poderia a ter deixado muito satisfeita, pelo contrário, acendeu um alerta. Quem é o terapeuta cognitivo?

“Ao longo de cada workshop, eu periodicamente e casualmente peço aos participantes que levantem sua mão caso eles façam o seguinte:

* Checar o humor do paciente de alguma forma, no início de cada sessão.

* Estabelecer uma agenda próximo ao início de cada sessão.

* Colaborativamente determinar lições de casa em cada sessão.

* Pedir um feedback.

Esses elementos da sessão de terapia meramente refletem, obviamente, o mínimo em termos de fundamentos estruturais de tratamento. No entanto, apenas cerca de 10% dos terapeutas presentes em meus workshops, que se identificaram como terapeutas cognitivos, seguem esses itens tão básicos. Sua definição de um terapeuta cognitivo tende a ser aquele terapeuta que questiona o pensamento dos pacientes.

(Trecho Traduzido por Carla Andréa Serra. Transcrito, com permissão da autora, do boletim “Advances in Cognitive Therapy”, julho de 2006, publicação conjunta da ACT – Academy of Cognitive Therapy e da IACP – International Association of Cognitive Psychotherapy.)

Judith considera que um terapeuta cognitivo-comportamental, além das características descritas, possui as demais abaixo:

  1. Continuamente, conceituam o paciente e suas dificuldades de acordo com o modelo cognitivo e usam essa conceituação para planejar o tratamento ao longo das sessões e durante cada sessão em particular;
  2. Continuamente, trabalham em prol do desenvolvimento e manutenção de uma forte aliança terapêutica;
  3. Coletam dados no início das sessões e conceituam os problemas dos pacientes a fim de, colaborativamente, estabelecer e priorizar uma agenda com o paciente;
  4. Ativamente promovem a resolução de problemas e o acompanhamento do processo por meio de tarefas de casa estabelecidas colaborativamente (as quais frequentemente são de natureza cognitiva ou comportamental);
  5. Utilizam uma grande variedade de estratégias para ajudar os pacientes a identificar, avaliar e responder a disfunções cognitivas chaves, a fim de promover uma melhora duradoura nas emoções, comportamento e (frequentemente) respostas fisiológicas;
  6. Continuamente, trabalham em direção à prevenção de recaídas;
  7. Variam a implementação dos itens acima a fim de atender às necessidades individuais de cada paciente.

Judith acrescenta que, se o terapeuta não utiliza esses elementos, não deve considera-se um terapeuta da TCC.

Pois bem, viram quantos elementos o terapeuta equilibrista deve manejar?

Como já foi dito, as bolinhas representam a estrutura de sessão. Vamos supor que, ao checar o humor do meu paciente, lanço a primeira bolinha ao ar. Em seguida, breve atualização e ponte, mais duas bolinhas ao ar. Agora, já temos três elementos equilibrados pelo terapeuta. Eu gosto de checar a tarefa de casa antes de construir a agenda. É necessário que o terapeuta compreenda que os tópicos da estrutura de sessão não são imutáveis. Há terapeutas que modificam a ordem de alguns pontos. Mesmo mudando, não deixam de abordar todos os tópicos.

Antes de lançar a próxima bolinha ao ar, acho fundamental abordar esse importante elemento da estrutura de sessão, a agenda.

Como equilibrar a agenda de sessão?


Muitos terapeutas resistem em estabelecer a agenda. Queixam-se que ela limita o que o paciente falará e que têm a impressão que estão em uma reunião de negócios, em vez de uma sessão de terapia.

Justifico a utilização da agenda da seguinte forma:

  1. Ela oportuniza que o paciente fale daquilo que é importante;
  2. É possível abordar o problema que de fato tem o incomodado e o cumprimento de metas terapêuticas;
  3. Ao organizar os tópicos da agenda, não é deixado nada de importante para a próxima sessão;
  4. Ela otimiza o tempo e, de forma alguma, é rígida e imutável.

Pronto, mais uma bolinha ao ar. Agora, temos quatro bolinhas que devem ser cuidadosamente manejadas, por um terapeuta habilidoso para que permaneçam ao ar. Porém, surge um problema. O paciente não está seguindo a agenda. O que fazer?

Vamos pensar que a dificuldade está em cumprir o tempo preestabelecido para cada assunto da agenda. Você pode se perguntar: “Terei que interromper o paciente?”.

- Terapeuta: M, percebi que esse assunto causou a você uma mudança significativa no humor. Havíamos combinado anteriormente que abordaríamos três temas hoje, mas o tempo preestabelecido para o próximo assunto terminou. Você gostaria de ficar nesse tema ou podemos passar para o segundo tópico?

O terapeuta pode sugerir que eles permaneçam no assunto, caso perceba que trará mais benefícios ao paciente. Mas a decisão é do paciente. Exceto em casos em que aparece ideação suicida. Nesse caso, o terapeuta deve esquecer a agenda e focar na situação apresentada, independente de tomar tempo de sessão.

Ao negociar a mudança ou não de tópicos da agenda, o terapeuta teve que ser assertivo e interromper o paciente, outra característica importante que deve possuir. Nesse momento, nosso terapeuta equilibrista, além das bolinhas, lançou outro elemento ao ar, as argolas, nesse caso, características comportamentais. E precisará equilibrar esses diferentes elementos, para manter o sucesso do espetáculo.

Surge um problema e algo tira o foco da atenção do terapeuta equilibrista.

Monstrinhos internos atrapalham o equilíbrio da sessão


Esse terapeuta equilibrista possui um monstrinho interno que fica a todo momento falando em seu ouvido: “Seus pacientes irão abandonar você”; “Você ficará sem nenhum paciente no consultório”; “Não terá dinheiro para pagar as contas”. Ao acreditar no monstrinho interno, o terapeuta tem alterações em suas emoções e em seus comportamentos. Fica triste e deixa as bolinhas e argolas caírem. Ele se perde dentro do processo terapêutico e não conclui as próximas etapas. Outros elementos precisariam fazer companhia para as bolinhas e argolas. São os bastões, chapéus etc., que representam os outros elementos da estrutura da sessão. O terapeuta não fará:

  1. Resumo período – solicitado antes de iniciar outro tópico da agenda;
  2. Não abordará outros tópicos da agenda;
  3. Não solicitará uma tarefa de casa, construída colaborativamente;
  4. Não pedirá um resumo final;
  5. Não dará e nem solicitará feedback.

O espetáculo perdeu a graça.

Pode ser que a plateia nem perceba. Têm clientes que não sabem que existe uma estrutura de sessão, não foram informados. Mas, se pensarmos no todo do processo, pode ser que a longo prazo ele perca o interesse no espetáculo. Talvez deixe de ir ao circo. Talvez se pergunte: “Por que estou aqui mesmo?”.

É nesse momento do processo terapêutico que muitos clientes de supervisão relatam que estão “patinando”, que não saem do lugar. Isso por que essa situação mencionada se repete sessão a sessão, com diferentes elementos, sejam eles técnicos ou comportamentais.

O fato é que um terapeuta equilibrista eficiente possui características técnicas e comportamentais e consegue equilibrá-las com muita habilidade.

Treinamento do terapeuta equilibrista


Trabalho com supervisão clínica há 10 anos. Como supervisora, meu objetivo sempre foi auxiliar no desenvolvimento de competências essenciais para um bom desempenho da função de terapeuta, a conhecida sigla CHA – Conhecimento, Habilidade e Atitude.

A maioria dos autores considera que o tripé para ser um bom terapeuta seja fazer supervisão, psicoterapia e formação continuada.

Pois bem, muitos psicólogos não fazem psicoterapia. Dessa forma, o CHA fica incompleto.

No formato em que oferecia as supervisões, o foco se restringia ao Conhecimento e à Habilidade. Percebi, então, que a maioria dos meus clientes tinha muitas dificuldades em conquistar seus objetivos, em função da forma como eles interpretavam as situações.

Eles as encaravam com pessimismo, diminuíam suas competências e colocavam empecilhos no seu crescimento. E esse fato não tinha relação com conhecer a teoria e saber aplicá-la, mas com a atitude. Às vezes, tinha relação com conhecimentos e habilidades superficiais da teoria, e a supervisão supria esse gap. Às vezes, nós nos dedicamos demasiadamente a um componente e nos esquecemos de outro.

Mas o que é atitude? Atitude é um substantivo feminino que vem da palavra em italiano attitudine, com o significado de “postura, disposição”, que vem do latim aptitudo, com o significado de “adequação”, de aptus, que é “certo, adequado”. O significado de atitude é descrito como uma norma de procedimento que tem como objetivo determinar um comportamento, isto é, uma forma de se comportar ou agir que tenha intenção ou propósito.

Aí está o desafio a ser vencido. Se conhecimento é o que é adquirido em determinado assunto, habilidade é o saber fazer, e atitude é o agir de fato.

Como o psicoterapeuta que possui crenças limitantes irá agir, já que não se considera preparado suficientemente, não se conhece profundamente e tem esquemas emocionais em relação ao paciente?

Por utilizar a TCC – Terapia Cognitivo-Comportamental como referencial teórico, ficou muito mais fácil de visualizar que os principais bloqueadores dos objetivos dos meus clientes estavam em suas cabeças. A TCC constitui-se como uma abordagem mais específica, breve e focada no problema atual do paciente. Ela explica que o que nos afeta não são os acontecimentos e sim a forma como os interpretamos. E que, se não trabalhadas essas crenças limitantes, de nada adiantariam conhecimentos e habilidades.

Dessa forma, comecei a trabalhar o CHA de maneira integral com meus clientes, o que permitiu identificar e lidar com seus “monstrinhos internos” que os impediam de obter sucesso profissional. Os resultados foram surpreendentes!

A partir dessa visão, resolvi criar um programa baseado nas experiências com supervisão e psicoterapia para psicólogos. Trata-se de um método, desenvolvido por mim, chamado RIC (reconhecer, identificar e corrigir). Você pode saber mais sobre o RIC neste link.

Por hora, espero que você tenha refletido um pouco mais sobre como equilibrar melhor sua tarefa tão bonita de ser um terapeuta. Se tiver alguma dúvida específica deixe aqui nos comentários. Terei prazer em responder e produzir novos conteúdos sobre as dúvidas que chegarem! :-)

Autor Mariana Crepaldi de Oliveira Barretos

Mariana Crepaldi de Oliveira Barretos

@mcopsicologa

Mariana Crepaldi é Psicóloga Coach, empreendedora, fundadora da Facilitah – desenvolvimento continuado para psicólogos, Projeto SIM, Projeto RIC – reconhecer, identificar e corrigir, Club da Psi e “Desculpe eu não sou daqui”.

Oops... Faça login para continuar lendo



Interações
Comentários 0 0