Curso ou supervisão? Qual a sua necessidade nesse momento?

Sempre que iniciamos em alguma atividade, precisamos primeiro aprender o ofício, treinar, receber monitoria para fazer ajustes e treinar, treinar e treinar, para que possamos nos tornar experts em tais procedimentos, tarefas ou ofícios.

Já trabalhei em lojas com vendas e me lembro de uma em específico, que a primeira coisa que fiz ao ser contratada foi ler uma página de orientações e regras. Seria um período curto de final de ano e recebi a folha de papel e fui para um local em separado, a fim de me concentrar na leitura. Lembro que alguns vendedores reclamavam de tal leitura obrigatória mas eu gostei de fazê-lo. Após a leitura, recebi algumas instruções para executar todos os dias no início do meu trabalho e assim o fiz por 3 meses, período em que me propus a trabalhar nesse local pois eu tinha um objetivo específico com o dinheiro que receberia. As regras eram claras e a proprietária estava sempre de olho e orientando caso fosse necessário. Em 3 meses fui a segunda colocada nas vendas e convidada a integrar no quadro de funcionários.

Penso que quando sabemos as regras, podemos criar estratégias para melhor desempenho sem medo de esbarrar no limite ou ultrapassá-los. Me sinto mais tranquila nessa posição, pois quando bem orientada me sinto segura.

O que eu gostaria de enfatizar nesse primeiro momento é que não basta só ter conhecimento do seu produto. Claro que ele é extremamente necessário para que possamos ter segurança em oferecê-lo, seja nas vendas, seja na engenharia ou na psicologia. Precisamos, além de saber qual é o nosso produto (no nosso caso a Psicologia), entender (e fazer com que nosso potencial cliente entenda) o que fazer dele, quais os limites e abrangências e, principalmente, qual é a origem, o conteúdo, a teoria e fundamentação. Um ótimo vendedor talvez não precise saber quem foi o primeiro vendedor do mundo, mas dominar esse conhecimento poderia ampliar sua abrangência, pois alguns clientes gostam de ouvir uma boa história e a origem é sempre uma boa história.

Existe um “Kit Bom Psicólogo”?


Então, para ser psicólogo basta fazer a formação em psicologia? E para ser um bom psicólogo, atuante? Alguns orientam uma "boa" pós graduação. Após concluída a "boa" pós graduação, serei um expert em psicologia, com boa atuação clínica? Vamos concordar que, mesmo que eu tenha uma boa bagagem teórica, me faltaria a prática?

Recebo solicitações para supervisionar, seja na psicologia clínica ou na neuropsicologia e me deparo, muitas vezes, com recém formados que, na verdade, precisam (ou têm a expectativa) de curso disso ou daquilo e não da supervisão propriamente.

Lembra da folha de instruções que recebi na loja, das orientações sobre o que fazer ao iniciar minhas tarefas todos os dias que mencionei no início desse artigo? Muitos psicólogos precisam disto, desta folha de instruções! Fico pensando que não seriam só os psis mas que, em toda atividade ou profissão, essas instruções, dicas iniciais, o passo-a-passo são de extrema importância, até mesmo os pais deveriam ensinar as crianças o como fazer, para só depois cobrar que faça certo. Já trabalhei em vários lugares mas o único onde precisei ler a tal folha antes de iniciar na minha função foi na tal loja. E qual a importância disto? Quem de nós não deparou com situações nas quais se sentia perdido e se perguntava: "será que posso fazer isto"?

Claro que hoje em dia encontramos manuais para quase tudo e a literatura está muito mais acessível, mas ainda assim percebo a falta de “procedimentos” mais claros. Mas sobre isso, conversaremos numa outra ocasião.

Supervisão – modo de usar


Na minha trajetória profissional encontro profissionais que me solicitam supervisão, mas quando pergunto que materiais usam, sejam livros, testes, impressos e peço que me enviem, alguns recuam e somem. Nessas situações me ocorrem alguns pensamentos distorcidos quer sejam: "Estaria com medo de me enviar e eu me apropriar de suas criações?" “Estariam com medo ou vergonha de dizer que não têm nada disso ou que não sabem do que estou falando?” Por ser situações que se repetem, me veio o incômodo e a vontade de refletir sobre o assunto e diferenciar esses conceitos, propostas tão recorrentes em nosso meio e que deve ocorrer em outras profissões, penso, já que orientações e treinos são necessários para que se faça um bom trabalho e, ao início da atuação é preciso monitoramento para ajustes.

Na psicologia isso se torna bastante complicado diria eu, já que é recorrente o fato de que um profissional iniciante muitas vezes não tem dinheiro para pagar uma pós graduação e supervisão, ou, algumas vezes sente vergonha de dizer o que tem feito (ou não feito, caso não tenha nenhum cliente) na prática. É frequente colocar um preço menor que um colega que já atue há mais tempo, não só para atrair clientes/pacientes como também por não se considerar merecedor de valor maior e pergunto: como pagar curso e supervisão recebendo 50% do valor estabelecido pelo conselho, por exemplo? Como comprar e ler os livros recomendados pelo supervisor e nos cursos? Como saber se está no caminho certo, se as intervenções estão corretas, se não tiver coragem de dizer a outro profissional? Claro que não se trata de achismo do tipo “acho que você está certo” mas ter embasamento teórico suficiente para validar a prática já que os casos que nos aparecem não se parecem com os descritos nos livros. Após 30 anos de profissão ainda deparo com relato de situações que não havia ouvido antes! Por isso, saliento que é preciso, após a graduação, fazer outros cursos e supervisão, buscando para tanto, profissionais que tenham conhecimento, prática e que o iniciante confie o suficiente para falar de seus erros e acertos.

Agora, penso ser o momento para falar um pouco da diferença de curso e supervisão: no curso, o conteúdo será repassado pelo professor, pessoa que a priori possui mais conhecimento sobre o assunto proposto. Esse fornece materiais, sejam slides, planilhas, tabelas, referência bibliográfica, etc, ou seja, é quem entrega material. Já na supervisão, o supervisionado precisa já ter conhecimento fazer uso de materiais suficientes para sua prática; informando ao supervisor sobre esses temas. Por sua vez, o supervisor ajudará no ajuste dessa prática, orientar sobre a melhor forma de fazer e o ferramental que está sendo utilizado.


No caso da psicologia clínica, por exemplo, um profissional que atue na Terapia Cognitiva Comportamental, que é a abordagem que fundamenta o meu trabalho, precisaria dizer em quais livros ele se baseia, que protocolos usa e a forma que trabalha para que o supervisor ajude a ajustar, alinhar seu trabalho. No caso da neuropsicologia, outro campo em que atuo, o profissional vai dizer quais os testes, tabelas, planilhas usa, mostrar o material aplicado e corrigido, além do relatório e o supervisor vai revisar as correções, sugerir outros testes, recorrigir se necessário, revisar o relatório e sugerir alterações.

Para deixar bem claro: se um psi ou neuropsi não sabe aplicar e corrigir um determinado teste ou protocolo, então ele precisa de um curso focado nesse “ponto cego”, não de supervisão. Na supervisão quem fornece conteúdo e materiais é o supervisionado enquanto que, no curso, quem fornece conteúdo e material é o professor. O supervisor pode e deve sugerir outros materiais além dos que o supervisionado use, entretanto, não é esse o objetivo central. O supervisionado apresentará o que tem feito, como tem feito, com quais recursos tem trabalhado e quais os resultados são obtidos com o que tem feito, então o supervisor fará com ele uma avaliação conjunta, sugerindo um ou outro ajuste, caso necessário, reforçando alguma estratégia exitosa e apontando possíveis caminhos.

Finalizo com um verso dos Titãs, que é uma pergunta que você deve se responder ao procurar auxílio: “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?”.

Creuza Salvaterra

Autor Creuza Salvaterra

Creuza Salvaterra

@Salvaterra56

Creuza Salvaterra, Psicóloga graduada no Unicentro Newton Paiva, Belo Horizonte/MG, pós graduada em educação com especializações Neuropsicologia, Reabilitação Neuropsicológica; Formação em Terapia Cognitiva Comportamental e em Terapia dos Esquemas.

Tem quase trinta anos de experiência, tendo atuado com psicologia empresarial, educacional e hospitalar e, atualmente se dedica à psicologia clínica e neuropsicologia.

Publicou o livro Psicontos em 2012, e os livros Memória Boa 1 e 2 em 2016.

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