TCC x TAC: Que onda é essa?

As terapias ‘ditas’ comportamentais estão em evidência na atualidade. Estão “na boca” de educadores, médicos e demais profissionais das áreas da saúde. Percebemos esse movimento quando um possível cliente (paciente) entra em contato dizendo: “Preciso de fazer terapia e o Dr. Fulano disse que tinha que ser uma terapia comportamental ou TCC”.

Boa parte desses pacientes seguem a regra e prescrição do médico sem saber o que efetivamente se trata essa tal TCC ou ‘a comportamental’. Isso não se configura um problema pois quem nos procura não precisa ser um conhecedor (pelo menos não à princípio) da proposta psicoterápica para poder se beneficiar dela.

O problema está quando os próprios prestadores de serviços (no caso, os Psicólogos) não compreendem bem as congruências e divergências entre Terapia Analítico-Comportamental (TAC) e Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).

Aproximações e distanciamentos da TCC e da TAC


Irei apresentar de forma leve e fundamentada uma discussão acerca das aproximações e distanciamentos dessas propostas psicoterápicas (i.e.; TCC e TAC). Não pretendo aqui exaurir as argumentações e aprofundar demasiadamente nas proposições específicas da TCC ou TAC..

Geralmente brinco com meus alunos ao escrever no quadro as duas siglas para perguntar: “O que há de comum entre essas duas propostas?”

Mediante visualização “crua” de TCC e TAC escritas no quadro, os alunos facetos respondem prontamente: “as letras ‘T’ e ‘C’”, e a resposta é basicamente essa. Ambas são propostas psicoterápicas (T - Terapias) e ambas são comportamentais (C).

Portanto, para compreender melhor a semelhança entre elas, precisamos retomar o Behaviorismo (na tradução livre e literal: Comportamentalismo).

Um retorno ao Behaviorismo


Para Skinner “o comportamentalismo, com acentuação no ‘ismo’, não é o estudo científico, mas uma filosofia da ciência preocupada com o tema e métodos da psicologia” (1980, p. 339). Hazen e Miles (1978) defendem que a palavra behaviorismo tem um conjunto de significados, não havendo um verdadeiro. Nesta seara, Chiesa (2006) afirma que a suposição de que o behaviorismo é (ou já foi algum dia) unificado em relação à definição de objeto de estudo, métodos e constructos é uma falácia.

Assim, é mais coerente falar de ‘behaviorismos’ identificando suas especificidades, mas ao mesmo tempo, considerando sua inquietação originária.

A literatura (e.g.; Baum, 2008; Chiesa, 2006; Costa, 2002; Todorov, 1982) aponta a origem do Behaviorismo ao trabalho de Watson (1913), “Psychology as the behaviorist view it”, que é considerado o ‘Manifesto Behaviorista’. De acordo com Matos (1997) o Behaviorismo nasce como uma proposta que se contrapõe à concepção tradicional de psicologia, predominante no início do século XX.

Essa concepção tradicional defendia que a psicologia fosse definida como uma área de estudo de aspectos mentais ou da consciência humana e, tal estudo deveria ser realizado por meio de métodos de introspecção.

Insatisfeito com esta definição tradicional, o Behaviorismo se posiciona como uma proposta mais próxima das ciências naturais defendendo que o objeto de estudo da Psicologia deveria ser o comportamento (em oposição à mente ou consciência) e que o método de investigação deveria ser experimental/observacional em detrimento da introspecção.

Grosso modo, os diferentes tipos de ‘comportamentalismos’ são unânimes nesta insatisfação e no desejo de estabelecer a psicologia como uma proposta científica na qual seus construtos tenham fundamentação empírica.

Apesar dessa congruência inicial, diferentes propostas foram apresentadas como alternativa à definição tradicional.

Os diversos behaviorismos


Fazendo uma divisão genérica, teríamos:

a) Behaviorismo Clássico, no qual podemos destacar as proposições watsonianas as quais defendem o comportamento observável como objeto de estudo da psicologia, o qual deveria ser investigado por meio de método experimental (procedimentos objetivos).

Para Watson (1970), os fenômenos mentais deveriam ser ignorados e todos os comportamentos deveriam ser explicados via paradigma mecanicista em que um estímulo (E) provoca uma resposta (R): E à R (ou, no inglês, S à R).

b) Behaviorismo Mediacional (ou Neobehaviorismo), destacando-se as hipóteses de Tolman e Hull. Esta perspectiva defende que a relação estímulo – resposta é mediada por um conjunto de eventos que ocorrem no organismo. Dessa maneira, para o neobehaviorismo os verdadeiros determinantes do comportamento seriam os fatores mediacionais e não o estímulo.

No que diz respeito à especificação desses fatores mediacionais, duas possibilidades gerais serão aqui apresentadas:

Tolman define os eventos mediacionais como variáveis intervenientes e as categoriza em três tipos de classificação: (1) sistema de necessidades (estado de privação, impulso); (2) matriz de crenças e valores (variável cognitiva, mapas cognitivos) e; (3) espaço comportamental (contexto em que o comportamento ocorre). (e.g., Tolman, 1922; Tolman, 1949)

Hull (1943) afirma que dentre as variáveis mediacionais determinantes do comportamento, destacam-se: drive, inibição condicionada, reação da fadiga, interação neural aferente e fator de oscilação. Observa-se que a concepção de variável mediacional, nesta proposta hulliana, é essencialmente intra-organísmica possuindo caráter neurofisiológico.

Dessa maneira, podemos concluir que o neobehaviorismo também apresenta uma visão mecanicista, porém, baseada no paradigma Estímulo – Organismo – Resposta (E-O-R, ou no inglês: S-O-R). Assim, o ambiente teria papel iniciador da cadeia S-O-R, cabendo aos mediadores (Cognitivos para Tolman, e neurofisiológicos para Hull) a função de causa real do comportamento.

c) Behaviorismo Radical (BR) proposto por Skinner. O BR nega a existência de fenômenos não-naturais (como os conceitos de mente e cognição) e busca explicações comportamentais sem recorrer a nenhum tipo de variável mediacional. O comportamento é definido como o resultado da interação organismo-ambiente.

O modelo explicativo adotado é o Modelo de Seleção pelas Consequências que busca identificar o contexto de seleção de respostas (contexto histórico) e o contexto de manutenção de tais respostas (contexto atual). Para além dessas características, destaca-se uma proposta explicativa mais interacionista e selecionista em detrimento de explicações causais mecanicistas.

Após esta apresentação geral[4] (a qual vale a pena se debruçar em detalhes mais específicos) já é possível identificar as diferenças entre as propostas comportamentalistas.

Assim, a meu ver, as aproximações entre TAC e TCC apresentam mais características históricas do que características procedimentais e fundamentais, sendo que estas últimas definem seus constructos.

Ao dar sequência à brincadeira que faço com meus alunos ao escrever as siglas TCC e TAC bem grande no quadro, continuo a investigação com a seguinte pergunta:

“E o que tem de diferente entre essas duas propostas? (TCC x TAC)”


E a reposta mais condizente com o tom da pergunta ecoa em sintonia: “A letra A e a letra C do meio”. Agora sabemos que essa resposta também está correta.

Pois o ‘A’ indica analítico e alude à referência ao embasamento filosófico respaldado nos pressupostos do Behaviorismo Radical.

Enquanto que o ‘C’ faz referência ao aspecto Cognitivo defendido pelos pressupostos do Behaviorismo Mediacional (mais especificamente as proposições de Tolman).

Em minha análise, enxergo que as colocações apresentadas neste texto são coerentes com uma perspectiva apresentada por Hayes (2004) quando o autor e seus colaboradores apresentam uma organização da Terapia Comportamental dividida em ‘três ondas’ (The waves of behavior therapy, tradução livre: As ondas da terapia comportamental). Para estes autores as terapias comportamentais são divididas em três ondas (alguns textos sugerem a expressão ‘geração’ em detrimento de ‘ondas’).

Eu, particularmente, não recomendo a utilização nem da expressão ‘onda’ (pois me gera uma sensação de ‘modinha’) e nem da expressão ‘geração’ (pois me remete a uma sucessão sequencial e organizada de fatos).

Mediante análise histórica “dos comportamentalismos” o que observo é uma insatisfação unânime original que resultou em proposições fundamentalmente distintas as quais não podem ser organizadas em uma curva linear de sucessão contínua de fatos e ideias.

No que diz respeito à Terapia Comportamental, observa-se um movimento similar à origem do Behaviorismo. Lucena-Santos e colaboradores (2015, p.29) defendem que: “É inegável que o movimento da Terapia Comportamental fundou uma nova fase na psicologia clínica, rompendo com a prática psicológica dominante da época e instaurando a utilização de uma terapia embasada cientificamente”.

Assim, análoga ao movimento behaviorista, as Terapias Comportamentais nascem da insatisfação e contraposição à subjetividade e ineficácia (demonstrada por meio de estudos, sobretudo aqueles conduzidos por Eysenck, 1952) das propostas psicoterápicas preponderantes no início do século XX.

As características centrais da TAC e da TCC


Em seu sentido mais amplo, as diferentes propostas em Terapia Comportamental guardam congruência em características centrais: embasamento científico; defesa de um posicionamento ativo do cliente; é focada no presente e na aprendizagem (agregando a psicoeducação como aspecto relevante); desenvolve análises individualizadas e idiossincráticas; é progressiva; e tende a ser mais breve (Lucena-Santos, et al., 2015).

E, como supramencionado, as diferentes propostas em Terapia Comportamental apresentam características específicas cruciais que podem até gerar desconforto ao posicioná-las lado-a-lado.

A TCC é embasada no cognitivismo e defende que a origem do sofrimento e queixa psicológica estão nos esquemas cognitivos. Portanto, o processo interventivo será extensivamente direcionado à melhora destes aspectos (e.g., Beck, 2005; Beck 2014; Dobson & Dobson, 2011; Rangé, 1995).

 A TAC, por sua vez, é embasada no Behaviorismo Radical (ou no Contextualismo Funcional) e defende que todo comportamento (apesar de poder gerar sofrimento) é resultado de um processo de seleção (nos três níveis: filogenético, ontogenético e cultural) e, portanto, é adaptativo e funcional para aquele que se comporta. A TAC não destaca uma origem causal por recorrer a interpretações interacionistas e não mecanicistas. Assim, o processo interventivo envolve o conhecimento (e autoconhecimento) das variáveis (históricas e atuais) de controle do comportamento, para então desenvolver alternativas de enfrentamento das situações relacionadas com as queixas dos clientes (e.g., Abreu & Guilhardi, 2004; Borges & Cassas, 2013; de Farias, 2010; Holman et al, 2017).

Por fim, almejo ter esclarecido as principais congruências e especificidades das Terapias Comportamentais incentivando fortemente a leitura mais aprofundada sobre o assunto!

REFERÊNCIAS

ABREU, C. N. de.; GUILHARDI, H. J. Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: Práticas clínicas. São Paulo: Rocca, 2004.

BAUM, W. M. Compreender o behaviorismo: Comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Beck, A. T. The current state of cognitive therapy: A 40 -year retrospective. Archives of General Psychiatry, 62, p. 953 –959, 2005.

BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BORGES, N. B.; CASSAS, F. A. (Orgs.). Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed, 2013.

CHIESA, M. Behaviorismo Radical: a filosofia e a ciência. Brasília: Ibac Editora, 2006.

COSTA, N. Terapia analítico-comportamental: dos fundamentos filosóficos à relação com o modelo cognitivista. Santo André – SP: Esetec, 2002.

De-Farias, A. K. C. R. (Org.). Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed, 2010.

DOBSON, D.; DOBSON, K. J. A terapia cognitivo-comportamental baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2011.

EYSENCK, H. The effects of psychotherapy: An evaluation. Journal of Consulting Psychology, 16, p. 319-324, 1952.

HARZEM, P.; MILES, T. R. Conceptual issues in operant psychology. Chicheste, Inglaterra: Wiley, 1978.

HAYES, S. C. Acceptance and commitment therapy, relational frame, and the third wave of behavioral and cognitive therapies. Behavior Therapy, 35, p. 639-664, 2004. 

HOLMAN, G.; KANTER, J.; TSAI, M.; KOHLENBERG, R. Functional analytic psychotherapy: made simple. Oakland: New Harbinger Publications, 2017.

HULL, C. L. Principles of behavior: an introduction to behavior theory. New York: Appleton-Century-Crofts, 1943.

LUCENA-SANTOS, P.; PINTO-GOUVEIA, J.; OLIVEIRA, M. da S. (Orgs.). Terapias comportamentais de terceira geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015.

Matos, M. A. (1997). O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical. In R. A. Banaco (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista, vol. 1, p.54-67. Santo André: ESETec, 1997.

RANGÉ, B. Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. São Paulo: Editorial Psi, 1995.

SKINNER, B. F. Contingências do reforço: uma análise teórica. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção "Os Pensadores").

TODOROV, J. C. Behaviorismo e Análise do Comportamento. Cadernos de Análise do Comportamento, 3, p. 10-23, 1982.

TOLMAN, E. C. A new formula for behaviorism. Psychological Review, 29, p. 44-53, 1922.

TOLMAN, E. C. Cognitive maps in rats and men. Psychological Review, 55, p. 189-208, 1948.

WATSON, J. B. Behaviorism. London: W.W. Norton & Company, 1970.

WATSON, J. B. Psychology as the behaviorist views. Psychological Review, 20, p. 158-177, 1913.

[1] A psicologia ainda não apresenta uma forma congruente de nomear as pessoas que buscam e fazem uso de seus serviços. O termo ‘paciente’ é rejeitado por alguns por fazer alusão à doença. Já o termo ‘cliente’ é rejeitado por outros por ser considerado “frio e calculista”. Sendo bem honestos, a pessoa que busca por um cuidado psicoterapêutico, na atualidade, geralmente apresenta algum nível de adoecimento (sofrimento) psicológico. E, não é uma heresia considerar que o profissional formado em Psicologia presta um serviço respaldado em seu conhecimento científico. Dessa maneira, os dois termos seriam igualmente aceitos. Contudo, pessoalmente prefiro me esquivar da associação com a ideia de ‘curadora de doenças’ e tendo a aderir ao termo ‘Cliente’ sem muitos conflitos pessoais.

[2] Percebam que não se defende a inexistência dos Fenômenos Mentais. Contudo, como são fenômenos que não poderiam ser investigados por procedimentos objetivos, decide-se pela exclusão da análise destes.

[3] A obra de Skinner revela sua inquietação constante. Assim, um leitor mais comprometido observa claramente as vicissitudes do Behaviorismo Radical. Aqui será salientado a postura Behaviorista Radical mais atual após transformações e reanálises desde sua origem.

[4] Apresentou-se aqui os autores levantados como patronais pela literatura. Contudo, obviamente, uma área científica não se desenvolve em torno dos constructos de um único estudioso ou seu grupo.

Autor Andréia Kroger

Andréia Kroger

@Andreiakc

Andréia Kroger é uma acadêmica, rato de laboratório, convertida. Com ampla experiência em pesquisa básica. Psicóloga, mestre em ciências do comportamento, docente no ensino superior. Já foi coordenadora do curso de psicologia da faculdade de Ilhéus. Hoje se aventura (e por isso a conversão) a falar de terapia analítico comportamental de forma leve, descontraída mas sem perder o rigor e fundamentação teórica e científica. Mãe de duas filhas lindas, casada com um questionador nato, se divide em seus diferentes contextos e agora também escreve para a Academia do Psicólogo.

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