Masturbando mentes

Nós desejamos amor.

Em nossa carreira de psicólogos, dezenas e dezenas de pessoas sentam-se na cadeira em frente à do terapeuta e fazem um único pedido: mostre-me que eu posso ser amado.

E, se possível, me ame.

Pra piorar, como os seres humanos são umbigos ambulantes sem senso de empatia, não sabemos reconhecer nada a não ser pelo que é feito conosco. O ambiente é nossa única referência de avaliação e, como tal, nos indica se estamos agindo certo ou não. E como sentimos do ambiente que nós somos amados?

Quando alguém nos escuta.

Por isso, quando sentamos na cadeira de paciente e temos uma pessoa ali, inteira, à disposição e interessada em nos ouvir, nos sentimos amados. "Deixa a mamãe pra lá, meu terapeuta me adora", pensamos, enquanto contamos da briga que tivemos com o namorado no estacionamento do supermercado, olhando o brilho de interesse nos olhos do psicólogo à nossa frente, certos de que somos fascinantes.

Ah, sim. Desejamos amor. Mas somos vorazes e o amor pode ser pouco.

Nós desejamos gozar.

A questão é essa: falar é gostoso.


Falar de si mesmo, pra alguém interessado, que nos suporta incondicionalmente não importa o tamanho das nossas fantasias? Nesse mundo, em que é difícil fazer um amigo e todo mundo está interessado só em si mesmo?

Por favor, fale isso sussurrando no meu ouvido e me permita trocar de cueca.

Infelizmente, muita gente não sabe lidar com o prazer. E não, eu não estou falando dos pacientes dessa vez. Um grande sinal de amadorismo de um psicólogo é achar que não pode ser um instrumento de prazer, um momento de gostosura na semana da outra pessoa.

Aquela horinha na semana em que a pessoa vai pra um lugar sem contar pro marido, passa uma hora com um estranho e sai de pernas bambas e satisfeita consigo mesma.

Enquanto não conseguirmos superar a ideia de que a terapia é um lugar de falar sobre sofrimento e dor, não vamos conseguir ajudar nossos clientes a superar as suas próprias ideias de que a vida é um lugar de sofrimento e dor.

A terapia é um microcosmo, e todos precisam gozar.

Quando alguém de esquerda vai fazer uma crítica à psicoterapia, quase sempre vai ser algo como:

"A terapia é burguesa e elitista! Poucos tem acesso a ela, e é só um instrumento de individualização para racionalizar a culpa da classe média!"

Quando alguém de direita vai fazer uma crítica à psicoterapia, quase sempre vai ser algo como:

"Pra que diabos eu vou fazer terapia? Se é pra dar dinheiro pra alguém ficar me escutando, eu vou pro bar e gasto em cerveja com meus amigos. Que balela!"

Os dois lados estão afundados na mesma soberba: a psicoterapia é inútil porque falar de si mesmo não é tão importante assim. Claro que, ao falar disso, os dois lados estão falando sobre si mesmos.

Bobinhos.

Nós somos especialistas em masturbação linguística.

Aliás, mais do que masturbação. Nós sabemos exatamente como participar, palavra por palavra, para estimular um orgasmo verbal no paciente, para que no final da sessão, ele sinta-se tão transformado e conhecedor de si que aceite voltar na semana seguinte.

Às vezes, em uma sessão de uma hora, temos um ou dois momentos de verdadeira ação terapêutica que pode gerar alguma transformação na pessoa.

E como isso frustra um terapeuta despreparado! Como pode a pessoa passar horas falando de qualquer outra coisa, e pagando por isso, se o momento realmente importante está em outro lugar?  Custamos a admitir, mas para muitos de nossos pacientes, estar conosco é uma parafilia.

Quando somos bons profissionais, nosso paciente nos procura por prazer. Gosta da nossa companhia, e gosta principalmente de estar ali. Se não soubermos lidar com nossa própria frustração, vamos achar que não estamos fazendo um bom trabalho.

Aliás, gerar um ambiente de prazer pode ser justamente preparar o campo para que o trabalho sujo e pesado seja feito em um ou dois momentos da sessão.

Às vezes, é em um ou dois minutos de uma cirurgia de oito horas em que se faz algo que se salva uma vida. E pode apostar, você não vai encontrar um cirurgião se sentindo culpado por ter cobrado pelo tempo completo.

Aí é nossa vez de lidar com a culpa.


Como vamos nos sentir doutores da psiquê humana se estamos sendo pagos para escutar uma história autocentrada que se repete quase idêntica a cada semana?

Projetamos nosso próprio narcisismo na pessoa, achamos que o problema é do paciente, e dá-lhe castração e porrada. E dá-lhe comentar na supervisão "Nossa, eu passei semanas escutando a pessoa falar do assunto, aí no final da sessão, crau! Quebrei as pernas dela e falei tudo!"

Que tipo de prostituição sádica é essa, em que nós colocamos a nossa pretensão de causar impacto emocional no outro acima do desejo manifesto da pessoa?

Mas e aí, não vamos falar nada? Não vamos indicar onde a frustração está pedindo para acontecer? Vamos ficar em silêncio, enquanto uma pessoa fala e fala e fala por uma hora inteira? E aí, como vamos nos sentir no controle?

Hora de descer do salto. Precisamos confiar na inteligência de quem nos procura.

O inconsciente é sábio, o processo de individuação é sábio e a vida em si é terapêutica. Tenha paciência, a frustração e o sofrimento vão chegar. Nós, no máximo, temos alguns instrumentos para que a pessoa saiba que, quando precisar sofrer e se sentir frustrada, vai ter um espaço para que fale de si sem medo. Aí sim, entraremos em campo.

Além disso, precisamos confiar em nós mesmos, de que a nossa presença e escuta já pode ser terapêutica, ainda que aparecendo pouco. Precisamos confiar que, tratando a pessoa que está na nossa frente com paciência e delicadeza, ela vai se aprofundar no processo por si mesma.

Até lá... Deixe seu paciente falar até que relaxe e e goze.

Seu consultório pode ser o único lugar em que ele pode fazer isso.


Autor Flávio Voight

Flávio Voight

@flaviovoight

Flávio Voight é psicólogo e escritor. Sócio-fundador da Oriente Psicólogos Associados, em Curitiba, atua com atendimento clínico e mentoria para profissionais que queiram ampliar sua presença nas redes sociais. Acredita que sensibilidade, leveza e bom humor são sempre o melhor caminho para tratar do ser humano - e para ser um também.

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