Pacientes vão, pacientes vem, pacientes ficam (dentro da gente)
Até o mais cético dos psicólogos aprende, em certo ponto da carreira, que existe alguma força bizarra que mantém e ordena o número dos pacientes.
Sim, a clínica cresce aos poucos, mas o mecanismo parece exato.
Um paciente vai embora? Entra outro.
Vão dois? Entram dois.
Isso quando não acontecem fases grandes de renovação da carteira de pacientes, e aí vão-se dez e... entram dez.
Como se alguma coisa coordenasse pra ninguém ir embora antes de outro paciente entrar, e ninguém entrar antes que outro tivesse seu processo concluído.
No começo a gente até dá uma surtadinha, achando que vai morrer de fome quando vão embora quatro pacientes de uma vez, mas no mês seguinte, pode garantir! Entram outros quatro.
Nisso, vários pacientes vão ficando para trás, procurando o próprio espaço na vida depois de terem passado um tempo conosco.
Esse não é um texto sobre a corda bamba financeira em que a gente anda quando os nossos pacientes pausam e retomam a terapia. Tem gente bem mais inteligente que eu falando sobre isso aqui na Academia do Psicólogo.
Quero falar sobre o apego
Não a teoria do apego do Bowlby, por mais que ela seja útil nos nossos trabalhos.
Quero falar sobre o apego que a gente cria com as pessoas que nos procuram, melhoram (ou não) e vão embora.
Nunca me esqueço da vez que recebi uma mensagem de texto da minha antiga analista - lacaniana, sisuda, já falei dela aqui antes - uns dois anos depois de ter interrompido a terapia com ela, em que ela dizia que sempre pensava em mim e queria saber como estava.
Achei esse um gesto tão bonito, e vindo de uma terapeuta de uma linha teórica que eu não esperava, que curou a minha culpa de fazer o mesmo.
Sim, porque eu também mando mensagens para ex-pacientes.
Coisa boba, tipo:
"E aí, como você está? Desculpe a intromissão, é que lembrei bastante de você essa semana e quis mandar um alô. Um beijo pra você e para a filhinha!"
A resposta em geral é muito positiva. As pessoas gostam de saber que o vínculo que tinham com a gente era genuíno e que continuam vivas no nosso coração mesmo quando a conexão profissional acaba.
Não adianta para todos os casos
Às vezes alguém interrompe a terapia por tocar em algum ponto muito específico ou dolorido, e é importante respeitar o espaço.
Ou a pessoa criou um vínculo de dependência, e você sabe que precisa deixar a pessoa respirar sozinha (ainda que o coração sinta falta de poder dar carinho a ela).
O que mais pesa é que nunca podemos adivinhar exatamente o que a pessoa levou consigo da interação que tivemos com ela.
Nesse caso, um alô carinhoso com o sinal de que as portas estão abertas pode ser justo o ingrediente que falta para que ela retome a terapia ou tente aparar as arestas que ela sinta que tenham ficado do processo que compartilhamos.
Ainda assim, estamos numa posição muito específica de ter muita intimidade com as pessoas, dividir emoções intensas, e deixá-las ir sem permitir que as nossas emoções atrapalhem o processo.
Ficam as memórias do carinho compartilhado.
Pacientes vão, pacientes vem, mas principalmente, pacientes ficam - nem que só dentro da gente.
E nós ficamos aqui, olhando de longe, com um carinho imenso, um pouquinho de curiosidade, e a gigantesca honra de ter podido participar de suas histórias.
Flávio Voight
@flaviovoight
Flávio Voight é psicólogo e escritor. Sócio-fundador da Oriente Psicólogos Associados, em Curitiba, atua com atendimento clínico e mentoria para profissionais que queiram ampliar sua presença nas redes sociais. Acredita que sensibilidade, leveza e bom humor são sempre o melhor caminho para tratar do ser humano - e para ser um também.
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