Saúde mental também é dormir bem

“Eu só queria aquele silêncio para trazer de volta a noite calma. Aquela noite com um pouco de tranquilidade por fora, mas, ainda mais por dentro. Eu queria sentir que estava tudo bem e, ao amanhecer eu seria capaz de novamente sentir aquela sensação que a anos já não sentia mais... Descanso! Parece que as vezes eu queria só saber que o dia seria bom.” Nathália B Becker

Quem nunca desejou dormir um pouco mais? Dormir pouco pode refletir no corpo e também na mente. Pode piorar alguns sintomas psicológicos e agravar quadros de transtornos mentais mais graves. Eu diria que saúde do sono é garantir manutenção da saúde mental. Que tal entender um pouco mais sobre dormir bem para ter saúde mental?

Não adianta nada você fazer tudo que pode para ter saúde mental e física ao mesmo tempo que deixa de dormir adequadamente. Atualmente nós (eu me incluo nessa), estamos sempre correndo e desejando ter mais horas ao longo do dia para sermos capazes de executarmos mais tarefas. No entanto, só ficamos mais desgastados e menos produtivos a cada hora a menos de sono. Temos que entender de maneira definitiva que

SONO SEM QUALIDADE SÓ ATRAPALHA.

Se você já leu algum dos meus textos sabe bem o que eu quero dizer com esta frase. Dormir sem qualidade e, talvez sem quantidade te leva a um caminho de desequilíbrio emocional, cognição falha e saúde decadente. Pode ser assim no dia seguinte ou na sequência de meses de noites ruins. Mas como já sabemos que bom mesmo é estar descansados vamos pensar um pouco como que o sono funciona.

O sono é um processo fisiológico vital. Uma interação complexa entre fatores orgânicos e, fisiológicos – inerentes ao indivíduo – bem como entre os sociais, culturais e ambientais. O que é importante você compreender é que dormir não é uma função em si mesma, ela é muito complexa e está relacionada com fatores não só relativos a noite, mas principalmente, ao dia. Seria um grande erro pensar em sono sem considerar o macro do indivíduo e do que o cerca.

Um caso


Imagine uma pessoa que se queixa de sentir frequentemente irritação com coisas comuns do dia a dia. Existe sensações que estão em ebulição ao longo do dia e que a tornam extremamente reativa a qualquer coisa que aconteça. Talvez você poderia dizer que essa pessoa não sabe lidar adequadamente com os seus problemas. Na tentativa de se aproximar um pouco mais da situação você poderá começar a enxergar uma pessoa que tem dificuldades nos relacionamentos, já que não é capaz de tolerar quaisquer comportamentos “inadequados” do outro.

Poderíamos ter mais hipóteses para esta pessoa nesta situação:

- Indicativos de ansiedade

- Sintomas de depressão

- Dificuldade em relações interpessoais

- Incapacidade de autocontrole associada a dificuldade em resolução de problemas

- Alguma deficiência cognitiva a nível de memória ou, até nível intelectual reduzido

E eu diria que a melhor sacada de saúde pode trazer vários indicativos importantes de qualquer outro sintoma:

Problemas relacionados ao sono.

É claro que estamos aqui tentando estudar e entender melhor o porque o sono é tão importante, por isso é a razão principal de colocarmos ele dentre todas as outras hipóteses de ordem mental. O psicólogo é treinado a ir mais a fundo em sintomas psíquicos e, não estou dizendo que devemos abandonar esse hábito. Estou sugerindo que você amplie o olhar e direcione para uma das necessidades fisiológicas essenciais para a pessoa.

Assim, você terá pistas palpáveis para seu cliente sobre o que está acontecendo. Pode tornar o processo inicialmente mais claro e com menores resistências por parte da pessoa que busca auxílio.

Com os meus clientes funciona, e com os seus? Será que você não poderia tentar também?

Independente da sua abordagem teórico-científica inserir uma breve investigação sobre o funcionamento do sono é de grande importância. Ao retomar o nosso exemplo, perguntas diretivas descobriram que a pessoa NÃO descansava bem há mais de 5 anos. Mas, se eu olhar a situação de longe e não for capaz de refinar todo o contexto posso perder esse detalhe que pode auxiliar e muito quando se trata de controle emocional e adaptação.

Ok! Eu sei que você quer saber como fazer isso. Eu vou lhe dizer que você precisa entender um pouco melhor sobre o sono. Por isso vou te explicar o básico para que você consiga ter uma compreensão básica, pelo menos.

O que é o sono normal/esperado e o que acontece quando existem dificuldades


No sono normal o esperado é que a pessoa possa ter diversos ciclos (duração entre 90 e 120 minutos) que são compostos de fases: vigília, fases 1, 2, 3 do sono NREM e o sono REM.

  • A pessoa quando vai dormir está em vigília caracterizada por haver ou não movimentos oculares, rápidos ou lentos, existindo certa irregularidade na frequência respiratória.
  • No que se segue, as fases 1 e 2 do sono NREM são estágios superficiais (transição para o sono) em que os movimentos lentos dos olhos desaparecem e as frequências cardíaca e respiratória apresentam um valor médio menor do que na vigília.
  • A fase 3 (sono lento profundo) apresenta uma redução nas frequências respiratória e cardíaca e um certo relaxamento muscular, mas mantendo a tonicidade basal.
  • No sono REM (sono paradoxal) apesar de ser um estágio profundo no que diz respeito à dificuldade de despertar, a pessoa demonstra um padrão eletroencefalográfico que se assemelha a vigília, ou seja, funcionamento cerebral bastante ativo. Apesar dessa ativação, ocorre a diminuição significativa do tônus muscular que pode se sobrepor a breves ativações fásicas.

Isso é mais ou menos o que deveria acontecer. Mas nesse meio temos uma quantidade enorme de hormônios em ação e que são facilmente alterados a depender do que nos acontece internamente como reflexo do ambiente. Esse mecanismo é um pouco complexo de ser explicado, portanto vou dedicar um texto exclusivo para o assunto.

Entretanto, se estamos pensando em pessoas que tem alguma dificuldade com o sono e esse funcionamento está perturbado prejudicando a vigília da sequência dessa ou dessas noites difíceis.

Vou fazer um desenho para tentar te ajudar a compreender melhor. Não me julgue pela minha falta de habilidades gráficas. Se atenha a ilustração:


A primeira pessoa simboliza alguém que dormiu uma ótima noite e acordou bem. A linha que está acima da cabeça dessa pessoa vou chamar de pressão do sono. Quanto mais elevada a linha maior é a pressão do sono, o que significa que mais necessidade de dormir essa pessoa terá.

Portanto, ao longo do dia ocorreram várias situações e a pressão foi aumentando progressivamente, já que esta pessoa não tirou nenhum cochilo ao longo do dia. Quando chega o final do dia (boneco 2) você percebe que a pressão do sono é bastante grande indicando a necessidade de dormir.

Só que esta pessoa estava bastante preocupada e agitada fazendo com que a noite fosse com certas dificuldades. Demorou a dormir e acordou um pouco cansada. A pressão do sono não reduziu ao suficiente acumulando já no início do dia (boneco 3).

Assim o dia ocorreu como de costume, mas a pessoa estava mais cansada, menos atenta e com a produtividade reduzida. Chegou o final do dia e a pessoa foi dormir agitada e ansiosa pois já estava muito cansada, não conseguiu fazer as atividades pertinentes do dia e no dia seguinte precisaria estar bem pois terá uma reunião importante (boneco 4).

Aconteceu mais dificuldade para dormir, sonhos agitados e um despertar ao meio da noite. Ficou com a pressão mais acumulada no dia seguinte e assim a sequência de suas tarefas se tornou ainda mais complexa (boneco 5 e 6 - com maior pressão do sono).

Eu espero que tenha ficado claro o porquê se torna uma bola de neve o sono com baixa qualidade. A bola de neve é física e psíquica, já que o sono não se trata de inatividade mental. Muito pelo contrário se trata de momentos de recuperação e adequação de mecanismos para o novo dia.

Como ajustar a rotina do sono?


Pode dormir um dia inteiro para desfazer a bola de neve do sono?

Sinceramente eu não indico. Talvez a pessoa tenha esse sono todo acumulado e, sim é preciso descansar. No entanto, se o sono for excessivo ou em horários inadequados pode continuar prejudicando o sono da noite.

O ideal é que a pessoa possa identificar as razões de não estar conseguindo ficar tranquila para dormir e estabelecer estratégias (Por exemplo: relaxamento e higiene do sono) para conseguir adormecer melhor (nesse exemplo específico sobre insônia) e ter uma noite com mais qualidade.

Fazer o ajuste progressivamente de maneira que a pessoa sinta que tem autonomia no processo é bastante interessante para se obter resultados permanentes. Só dormir mais não ajuda se a pessoa não consegue durante 5 ou 6 dias da semana ter uma boa noite de sono.

Os impactos são permanentes. Uma noite perdida é uma noite perdida. Você não volta atrás, mesmo que durma muitas horas no dia seguinte. Os impactos já ocorreram para sua saúde do sono e saúde mental.

Não deixe para olhar depois como está o seu sono e dos seus pacientes.

Eu garanto que você vai se surpreender com o que irá encontrar de impactos na saúde mental. As mudanças precisam começar de algum lugar. Então que comece a partir de nós, profissionais da psicologia a valorização do sono!

Autor Nathália Brandolim Becker

Nathália Brandolim Becker

@nabecker

Psicóloga, Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP - Brasil) e Doutora em Psicologia (UAlg – Portugal). Realiza pesquisas na área da Psicologia da Saúde, especialmente o sono. Investigadora colaboradora do CIEO (Portugal) com diversos trabalhos científicos publicados em revistas internacionais. Atua como Psicóloga Clinica e Orientação para o Sono, além de realizar mentoria a Psicólogos.

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