Como o psicólogo pode começar a identificar que na fala do cliente tem uma distorção cognitiva?

Geralmente, quando um cliente chega ao consultório traz uma demanda mais parecida com um desabafo e quer falar daquilo que o incomoda, que o faz sair do seu conforto e vir falar de seus anseios para uma pessoa estranha que, na maioria das vezes, nunca viu. Precisa confiar e se abrir diante deste estranho. Ele “vomita” quase tudo. Nesse primeiro encontro, é importante acolher esse paciente pois há um sofrimento e a demanda maior é de ser ouvido, de ser entendido, sem julgamento. Precisa ser validado. Alguns dizem: “é bobagem, mas...” ou “eu sei que é bobagem, mas não consigo...” e a última coisa que ele precisa é de uma voz ou olhar que diz “É bobagem mesmo!”. Ao contrário, dizemos “não é bobagem, é algo importante, isto que você traz”, validando assim, suas questões. Acolhemos, estabelecemos uma aliança empática pois entendemos que toda dor tem sua importância, tudo o que nos move, nos faz buscar ajuda, é importante e relevante.

Algumas vezes ficamos ansiosos pensando o que fazer com essas informações, como trabalhar, o que dizer para que esse paciente volte para a segunda sessão? O que esse paciente precisa ouvir de mim, nesse primeiro momento?

Ao longo da minha experiência de 29 anos de profissão, muitas vezes, fiz um primeiro atendimento e a pessoa não voltou. Confesso que diversas vezes, me passou pela cabeça se eu teria feito algo errado para mais ou para menos e acredito que sim, fiz algumas coisas erradas e ainda faço. Mas, aconteceu de, algumas vezes, anos depois, uma pessoa retornar e dizer: “fiz uma sessão com a senhora há muitos anos e só aquela sessão já me ajudou tanto, que não precisei voltar. Agora, estou com um problema “X” e resolvi procurar a senhora de novo”.

Retomando, a primeira sessão, é de acolhimento. Se tiver oportunidade, posso expor minha forma de trabalhar. Alguns poderiam discordar da minha expressão “se tiver oportunidade”, mas já atendi pessoas que estavam tão envolvidas no problema e em relatá-lo, que gastamos toda a sessão só no desabafo e, algumas precisam disso, desabafar, aliviar, para, posteriormente, organizar seus relatos e estruturar sua fala. Ok, vou acolher mas posso apontar as distorções que eu perceber? E como começar a percebê-las?

AS DISTORÇÕES COGNITIVAS:


Para identificar as distorções é preciso conhecê-las e vale lembrar o conceito de distorções Cognitivas (são interpretações tendenciosas sobre determinadas experiências, processando de forma distorcida, muitas vezes negativa). As que mais comumente encontramos são: LEITURA DE MENTE (presume-se saber o que as pessoas pensam sem ter evidência suficiente de seus pensamentos, como por exemplo, “Ela acha que sou um perdedor”) ou ADIVINHAÇÃO ou CONCLUSÕES PRECIPITADAS (previsão do futuro, exemplo, “as coisas vão ficar piores!”).

Podemos listar ainda:

Personalização: Nessa distorção, a pessoa tende a atribuir culpa a si mesma das mais diversas situações que vive;

Filtro Mental: Nessa outra distorção cognitiva, há uma visão predominantemente negativa sobre a vida. A pessoa foca nos acontecimentos ruins e ignora o que existe de positivo;

Generalização: Esse tipo trata de um estereótipo de pensamento que transforma um caso específico em uma regra para a vida;

Maximização e minimização: Nesses casos, acontece de alguém minimizar suas conquistas ou aspectos positivos e maximizar os erros e as coisas negativas que acontecem;

Pensamento dicotômico ou polarizado: Nesse caso, a pessoa enxerga a vida somente a partir de duas ideias polarizadas — tudo ou nada, “oito ou oitenta” — ou seja, é um padrão de pensamento inflexível;

Raciocínio emocional: Quem sofre com essa distorção do pensamento transforma suas emoções em fatos sobre a vida.

Catastrofização: Esse é um dos tipos de distorções cognitivas que mais causam sofrimento emocional, porque as pessoas com esse padrão estão frequentemente esperando o pior de cada situação que vivem.

Afirmações do tipo “deveria” e “tenho que”: Nesse tipo de distorção cognitiva, a pessoa tem uma forte autocobrança e não consegue aceitar as coisas simplesmente como são;

Rotulação: Com o pensamento da rotulação, o foco não está na atitude isolada e sim no papel assumido. Dessa forma, em vez de avaliar um erro — próprio ou dos outros — como algo eventual e aceitável, o cliente parte para a definição de rótulos pejorativos, como “Ele é um inútil, incompetente”; “Ela é falsa e mentirosa”; “Eu sou um fracassado”;

Atribuição de culpa: Nesse caso, a tendência é procurar por culpados externos e considerar as próprias falhas como responsabilidade dos outros;

Comparações injustas: Essa distorção cognitiva faz com que a pessoa faça comparações irreais entre sua vida e as conquistas sem avaliar os caminhos que foram trilhados para chegar a tal ponto. Isso causa um sentimento de inferioridade e insatisfação com os próprios resultados.

DEVAGAR QUE O SANTO É DE BARRO!


Não é porque a TCC é uma psicoterapia breve e focal que devo, já na primeira sessão, começar a aponta-las, porém, lembrando o que ouvi nas minhas aulas há tantos anos, “cada cliente é um” ou seja, pode ser que aquele paciente, naquele momento, permita que eu faça isto, psicoeduque sobre a abordagem, sobre minha forma de trabalhar, etc, pode ser que não.

De acordo com Judith Beck, o desenvolvimento de um terapeuta cognitivo comportamental terá crescimento se ele aplicar em si mesmo as ferramentas da terapia, como por exemplo, fazer a conceituação de seus pensamentos e crenças, prestando atenção às alterações de seu afeto e fazendo a si mesmo a pergunta principal da TCC: “O que está passando pela minha mente”? Assim, aprendendo identificar seus pensamentos distorcidos disfuncionais, estará desenvolvendo as habilidades para identificar e ensinar essa habilidade ao paciente. É comum deparar com psicólogos que se dizem TCC* mas não sabem o que é pensamento distorcido, portanto, mais importante que se rotular é conhecer os fundamentos da teoria, entende-la e utiliza-la em si mesmo.

Uma boa forma de se tornar um TCC* é, como disse Judith, além de aplicar em si mesmo as ferramentas, é importante se submeter à psicoterapia de mesma abordagem, pois se quero ser psicanalista, devo fazer análise com um psicanalista e não terapia com um behaviorista, já que, com a terapia, aprendo a colocar em prática as ferramentas, além de trabalhar minhas questões. Então, ter um caderno terapêutico e usá-lo, fazer a conceituação de si mesmo e confrontar seus pensamentos distorcidos, auxiliará no seu desenvolvimento enquanto profissional. Caso não acredite que esses recursos funcionam, será que conseguirá convencer o paciente a acreditar? Se você se esquecer de checar a tarefa do paciente, conseguirá que ele a valorize? Então, não seria interessante checar suas crenças em relação a essa teoria e confrontá-las?

Não queremos com isto que você se torne um robô, mas queremos que identifique sua forma de trabalhar e evite fazer uma colcha de retalhes onde as peças não se encaixam. Nem sempre vamos encontrar pacientes como os descritos nos livros ou mostrados nos vídeos de treinamento, mas, se soubermos as premissas da teoria saberemos adaptar nosso trabalho de acordo com a problemática que nosso paciente traz.

Retomando a pergunta que nos trouxe à elaboração desse texto, quando o terapeuta conhece suas crenças, padrões de funcionamento e pensamentos distorcidos, sabendo identifica-los e confrontá-los, possivelmente conseguirá identifica-los na fala de seus pacientes. Além disso, ao reler suas anotações das sessões e fazer a conceituação cognitiva do caso, terá mais clareza das distorções e crenças do paciente. Colocamos abaixo alguns trechos que são frequentes de se ouvir em consultório:

“Eu não consigo”: quando pensa em dizer algo para alguém ou tem uma prova importante, vai tentar a carteira de habilitação, tem prova na escola, etc (distorção cognitiva por Adivinhação). É importante diferenciar a quando a pessoa se refere a um evento no futuro e quando se refere a uma inabilidade, como por exemplo, quando diz que não consegue resolver algo porque não aprendeu, portanto, não tem conhecimento.

“Ele pensa que sou boba”: interpretação de alguma fala de outra pessoa ou de algo que viu (distorção cognitiva por leitura de mente).

“Tudo o que faço dá errado”: uma característica específica é avaliada como acontecendo em todas as situações (distorção cognitiva por generalização ou hipergeneralização).

Uma pergunta muito utilizada, principalmente nas situações acima é “que evidências você tem que você não consegue?” ou “que ele pensa que você é boba?” enquanto no segundo exemplo, poderíamos questionar: “Tudo? Não há nada que você tenha feito que deu certo?” uma tarefa interessante seria listar as realizações e conquistas desse paciente. E, claro, lembrar de checar a tarefa no início da sessão.

Autor Creuza Salvaterra

Creuza Salvaterra

@Salvaterra56

Creuza Salvaterra, Psicóloga graduada no Unicentro Newton Paiva, Belo Horizonte/MG, pós graduada em educação com especializações Neuropsicologia, Reabilitação Neuropsicológica; Formação em Terapia Cognitiva Comportamental e em Terapia dos Esquemas.

Tem quase trinta anos de experiência, tendo atuado com psicologia empresarial, educacional e hospitalar e, atualmente se dedica à psicologia clínica e neuropsicologia.

Publicou o livro Psicontos em 2012, e os livros Memória Boa 1 e 2 em 2016.

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