Psicologia dos e-Sports

Você já ouviu falar em e-Sports?

Se você está neste planeta da década de 80 para cá, sabe da existência ou teve contatos com vídeo-games.

Dos mais simples aos mais complexos, os jogos eletrônicos invadiram casas, padarias, bares, lan-houses e tornaram-se uma febre mundial. De Pac-man ao Candy Crush, o mercado de games vêm crescendo exponencialmente e com certeza você conhece vários jogos, atuais ou tradicionais.

Mas você já ouviu falar em e-Sports?

Os Esportes Eletrônicos, ou e-Sports como são conhecidos, são jogos competitivos os quais a habilidade, capacidade estratégica, reflexos, controle emocional e organização de equipe acabam sendo os fatores determinantes de vitória.

Talvez você não saiba, mas o Brasil é representado em peso em jogos como o Counter-Strike Global Offensive, no qual a equipe brasileira “Sk Gaming” ocupa o lugar de um dos melhores time do mundo da categoria. Fonte.

Porém é o League of Legends que é o “futebol” dos brasileiros nos e-Sports, mais conhecido como LoL, é um dos e-Sport mais assistido do mundo.

Isso mesmo: assistido!

Os campeonatos contam com diversas pessoas que assistem os jogos em tempo real, seja comparecendo aos estádios, salas de cinemas ou assistindo pela internet (mais recentemente também pela televisão).

O campeonato mundial de 2017 chegou a 80 milhões de espectadores em uma única transmissão.

No Brasil, na etapa final do campeonato brasileiro de 2016 realizado no Ginásio do Ibirapuera compareceram 15 mil pessoas. Em 2017, 2,6 milhões de telespectadores foi a audiência do campeonato brasileiro. Fonte.

Tá bom, e onde a psicologia entra nisso?


Com o aumento do cenário e as premiações dos campeonatos chegando a valores equivalentes a mega da virada, cada vez mais psicólogos tem sido elegidos para acompanhar os jogadores, visando sua alta-performance.

Como não há pesquisas suficientes na área, não podemos afirmar com precisão científica a relação dos psicólogos com os resultados obtidos, porém de 2015 para cá apenas times com acompanhamento psicológico chegaram as etapas finais dos campeonatos.

A diferença de performance foi tão evidente que isso foi internalizado pelos clubes gerando um movimento de busca frequente por profissionais da área, pois entendem que o acompanhamento psicológico é de suma importância neste processo.

No entanto, com a escassez de profissionais da psicologia na área, muitos life coaches, mental coaches, emocional coaches e outros coaches surgiram para ocupar esse espaço.

O que quero dizer a vocês aqui é: “Hey Psicólogos que gostam de games, vocês tem um lugar importante no e-Sports!!! Vamos juntar sua habilidade profissional com sua paixão por games e agregar ao crescimento deste cenário?”

Se parar para pensar, os jogadores de futebol de grandes clubes foram preparados desde a infância para serem profissionais. Não se pode dizer o mesmo dos atuais jogadores profissionais de e-Sports. Os atuais jogadores profissionais de e-Sports se destacaram, a princípio, em algo que era um passatempo ou momento de lazer e tornou-se profissão.

A psicologia tem muito a contribuir na preparação e controle emocional desse jogador, permitindo um maior desenvolvimento profissional e possibilitando grandes resultados nos campeonatos, tendo como exemplo a equipe INTZ que em 2016 contou com acompanhamento psicológico e tiveram êxito nos dois semestres, mantendo-se invictos em território nacional durante toda temporada.

Mas e aquele negócio de vício em jogos online?


Sim, foi incluído recentemente no DSM V o Transtorno por jogos pela Internet. (p. 839 no pdf. 795 DSM V).

O principal critério para o diagnóstico é descrito como uso persistente e recorrente da internet e jogos online e que necessariamente esteja levando um prejuízo ou sofrimento significativo a vida do usuário, no decorrer de no mínimo 12 meses consecutivos.

Em minha experiência desde 2015 em contato direto com diversas equipes, não identifiquei nenhum jogador que tivesse prejuízo na sua vida pessoal por conta do trabalho com o e-Sports.

Inclusive cabe ao psicólogo verificar e adaptar uma rotina saudável ao jogador possibilitando uma vida mais saudável do ponto de vista biopsicossocial.

Além de promover hábitos saudáveis, uma rotina bem estruturada potencializa a capacidade de atenção, a resistência física e psicológica do atleta para longos confrontos, assim como auxiliam na regulação do sono.

Uma nova perspectiva:


Contando um pouco da minha trajetória, os jogos sempre me acompanharam e fizeram parte de toda minha adolescência, agregando amizades e conectando pessoas desde antes da internet.

Ao ingressar na faculdade de psicologia iniciei uma pesquisa sobre jogos online e o aspecto de dependência em jogadores regulares. Procurei por pessoas que passavam muitas horas de seu dia jogando para avaliar critérios de dependência.

Logo nos primeiros pilotos, foi possível identificar a presença de muitos aspectos positivos que eram propiciados pelos jogos. A partir desses pilotos em uma discussão com minha orientadora de pesquisa, ela me questionou: “Por que olhar para o aspecto de dependência se há tantos aspectos positivos surgindo?”

Desde então todo o projeto começou a desenrolar na “contramão”.

A partir dessa pesquisa foram identificados alguns aspectos que estavam presentes no relato de todos os jogadores entrevistados, são eles:

1 – Fortalecimento das relações sociais a partir dos jogos; as pessoas não jogam online sozinhas, muitos relatam que dessa forma “não tem graça”. Sempre há uma rede de amigos que é fortalecida por essa atividade em comum. Assim como a introdução das pessoas ao universo de games tende a ser também realizada por parentes ou amigos próximos, sempre através desse vínculo social/emocional.

2- O jogo como forma de buscar novos desafios; os jogos sempre possuem um grau de desafio a ser enfrentado que se baseiam em aspectos estruturais competitivos de possibilitar os jogadores sempre buscarem novos desafios e perceberem nessa curva de experiência sua evolução.

3- Uma via incrível para diferentes aprendizados; aposto que você conhece alguma pessoa que aprendeu a falar inglês com jogos eletrônicos. Um número surreal de pessoas não só aprendeu a falar, como também adquiriu a fluência na língua através dos jogos online. Quando aprender torna-se parte do processo e não o objetivo final, torna “o aprender” muito menos desgastante. Atualmente foi criado o conceito “Gamificação” para aplicar os modelos de funcionamentos utilizados nos jogos em outras áreas apropriando-se dessa via de aprendizado.

4- Trabalho em equipe como base fundamental do jogo; jogar online quer dizer jogar com outras pessoas. Dentro dessa perspectiva, a maioria dos jogos online, assim como os e-Sports, é preciso combinar recursos e habilidades com sua equipe para atingir o objetivo desejado.  Os jogadores não só são incentivados a funcionarem em equipe, como a equipe que melhor se organizar conquistará a vitória. Isso se torna um hábito aos jogadores.

Quando o jogo torna-se um trabalho remunerado


Muito se engana quem acha que ser um profissional de e-Sports é brincadeira.

O jogo é levado extremamente a sério, há 2 blocos de treinos por dia, períodos para discussão de parte técnica e estratégica do jogo, acompanhamento com nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, períodos de gravação de mídia com patrocinadores e, não menos importantes, os campeonatos.

Ser atleta de e-Sports também é uma nova profissão no mercado de trabalho, os jogadores possuem salário e também lucram com as premiações das competições que disputam. 

No Brasil, jogadores influentes possuem salários que chegam aos vinte mil reais, como o jogador “Kami” e o jogador “Fallen” e sua equipe de CS-GO que foi o time que mais faturou com premiações em todo mundo: aproximadamente US$ 1,8 milhão (R$ 6 milhões), de acordo com o "e-Sports Earnings” e a revista "Forbes".

É claro que os casos citados são de jogadores com sua carreia já estabelecida e que estão nos centro dos holofotes.

O salário de jogadores emergentes está na média de 3 mil reais. Fonte.

E como foi que ingressei nesse mundo?


Com a crise econômica e a política brasileira instável em 2015, diversas áreas do mercado de trabalho foram afetadas, entre elas a clínica psicológica.

Frente a qualquer ameaça de redução financeira, todos nós reavaliamos nossos gastos e entramos em períodos de retenção. A psicoterapia é uma das primeiras a ser cortadas nesse período. Os que se mantém são os clientes/pacientes estão em um momento realmente conturbado e que frente a ameaça financeira, solicitam a possibilidade de espaçar as sessões para cada 15 dias.

Isso é extremamente compreensível, porém afeta diretamente a nós psicólogos. Com uma redução de mais de 70% do meu quadro de clientes/pacientes comecei a avaliar novas maneiras de me reestabelecer financeiramente.

Foi então que assistindo a alguns jogos ao vivo de e-Sports e observando as reações dos jogadores que tive a ideia de elaborar um projeto psicológico de intervenção com atletas. Era possível observar jogadores impactados com a magnitude do evento, mais de 10 mil pessoas observando como será o seu desempenho, ganhar ou perder significa tudo ou nada e a necessidade de falar em público frente a todas essas pessoas.

Me lembro no início da faculdade que tremi de ansiedade em algumas apresentações de trabalhos para uma plateia de 45 a 50 alunos. Essa reação corporal era tão forte que as folhas impressas em A4 com os resumos do que falaria tremulavam tanto a ponto dos alunos do fundo conseguirem escutar mais o chacoalhar das folhas do que eu tinha a dizer.

Muito desses jogadores são mais novos do que eu era nessa época e, como eu, eles também tinham seu desempenho prejudicado por não saber lidar com seus pensamentos e reações corporais desencadeados por essas sensações, com a grande diferença, o número da plateia era mais do que 100x da que eu possuía.

Essa foi à abertura que me permitiu identificar uma possibilidade de atuação dentro de um mercado emergente e que tem muito a se beneficiar da atuação do psicólogo combinada com um vínculo a este universo gamer.

De forma prática, como o psicólogo contribui com os e-Sports


O principal objetivo do psicólogo na categoria profissional de e-Sports é acompanhar o desenvolvimento dos jogadores avaliando e intervindo em variáveis impactantes em sua performance tendo sempre em vista seus limites, metas e objetivos assim como sua saúde física e mental.

Como psicólogo é muito comum que você seja eleito para acompanhar a equipe em campeonatos e prestar suporte ao técnico em relação dificuldades na dinâmica de funcionamento da equipe, dentro e fora de jogo.

Grande parte das equipes possuem uma Gaming House que é conhecida como GH, Que é um centro de treinamento e alojamento. Então, mais do que dividir o espaço de trabalho, eles também dividem o banheiro, a cozinha e são colegas de quarto. E na convivência surgem conflitos que não apenas são levados para dentro do jogo, como também potencializam situações de frustração que podem causar o rompimento de uma equipe.

Cabe a nós, psicólogos, ficarmos atentos às nuances que podem surgir de pequenos desentendimentos do dia-a-dia.

A partir disso é necessário o uso de estratégias e ferramentas para poder conduzir as coisas por um caminho mais produtivo. Por mais simples que sejam, essas são algumas diretrizes de grande valia para o psicólogo que pretende trabalha com e-Sports:

  • Conhecer o jogo com que irá trabalhar

É fundamental que se conheça minimamente o e-Sport que é jogado pela equipe que você acompanhará para realizar um bom trabalho. Mais do que entender quais os processos físicos, cognitivos e psicológicos que serão constantemente ativados, que mudam de e-Sport para e-Sport, toda linguagem dos jogadores é moldada a partir das regras e dos conteúdos do jogo, portanto, até para entender o que lhe é falado, você precisa estar por dentro destes.

  • Biofeedback

O uso de biofeedback não é estritamente necessário, porém é muito bem vindo nesta modalidade. Ansiedade, concentração, controle de respiração auxiliam e impactam de maneira significativa no desempenho dos atletas. A ferramenta facilita com que o usuário identifique e aprenda a controlar melhor sensações que o atrapalham através de jogos, de maneira que o computador prontamente sinaliza os momentos em que se entra ou sai do estado de tensão desejado.

  • Dinâmicas em grupo

São importantes para a integração da equipe assim como ilustrar e apresentar processos e funcionamentos importantes de maneira descontraída que favoreçam o desenvolvimento individual e do grupo, melhorando a comunicação entre os membros e promovendo um ambiente saudável e produtivo.

  • Acompanhar os treinos e campeonatos

É nessa hora que a mágica acontece. Como dizem: “treino é treino, jogo é jogo”. No entanto é exatamente nestes momentos que a dinâmica profissional salta aos olhos. É extremamente importante identificar os padrões de comportamento, hábitos e o fluxo da comunicação dos treinos e campeonatos. A chave de um bom desempenho em uma competição está na aplicação com maestria do que foi aprendido em treino no momento decisivo da competição.

  • Conheça os adversários

Muitos jogadores nesse meio são famosos, e enfrentar algum desses adversários de peso pode trazer uma pressão extra para sua equipe. Para conseguir contornar essa situação é de suma importância, conhecer os jogadores mais influentes do cenário. Ter acesso a quem são eles, lhe fornecerá um leque de informações relevantes, não apenas para administrar a pressão em sua equipe, mas também em conseguir identificar certos padrões de hábitos e vícios do adversário que podem formar a base de uma estratégia valiosa para sua equipe.

E você? Já conhecia os e-Sports? Tem interesse pelo tema? Conte um pouco pra gente e fique por dentro dos próximos artigos.

Autor Claudio Alexandre Kovacs Pires de Godoi

Claudio Alexandre Kovacs Pires de Godoi

@claudiogodoi

Claudio Godoi é Psicólogo e Mindcoach das equipes INTZ e-Sports Club e Team Liquid. Especialista em Terapia Comportamental-Cognitiva e apaixonado por novos desdobramentos da psicologia, atua e realiza pesquisas nas áreas de Ansiedade e Psicologia voltada aos Jogos Online.

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