Mindfulness: origem e atualidade

O “boom” do Mindfulness já aconteceu há algum tempo nos EUA e, especialmente em alguns países da Europa. Muito se fala sobre o tema, seja no mundo corporativo, acadêmico ou mesmo no ponto de ônibus - pessoas leigas preocupadas ou necessitadas em melhorar seu bem-estar psicológico.

Isso, em grande parte, acontece por um motivo bem específico: o número de pesquisas científicas e de comprovações sobre os benefícios da prática de Mindfulness simplesmente multiplicaram nos últimos anos!

O sucesso tem sido tão absoluto, que a Revista Time considera uma “Mindful Revolution” e não é para menos, já que sua metodologia pode ser aplicada em empresas, escolas e, olha só, até mesmo no Parlamento Britânico - onde as mudanças têm sido ainda mais fantásticas!

Como deu para perceber um pouquinho, neste artigo que inaugura meu canal aqui na Academia do Psicólogo, vamos fazer uma viagem pelo mundo, para saber um pouquinho como anda o desenvolvimento do aclamado tema mundo afora.

A Origem e os Programas


Mindfulness está longe de ser algo recente, pelo contrário, sua origem encontra-se nos cânones budistas datados de, pelo menos, 2.500 anos. Sob o nome de SATI, na língua pali (uma prima do sânscrito), foi traduzido como Mindfulness onde encontra sua melhor tradução (e ainda há controvérsias).

A discussão sobre a tradução correta de sati é mundial e mesmo nos cânones budistas a coisa é meio confusa, pois a palavra muda um pouco seu sentido de acordo com o contexto em que é inserida.

No seio budista, mindfulness (ou sati) configura um passo fundamental para a libertação do sofrimento humano, razão da existência do budismo. Ao alcançar a iluminação, o então Buda retorna pregando um caminho de 8 passos para conseguir tal façanha, sendo o cultivo de um tipo de consciência específico (de atenção plena), o sétimo passo. Muitas práticas se desenvolveram no budismo para este fim.

Em meados dos anos 70, Jon Kabat-Zinn, então professor emérito da Universidade de Massachusetts, resolveu tirar o conceito da atenção plena de dentro do budismo e trazê-lo para dentro das universidades.

Foi aperfeiçoando até ter retirado todo e qualquer aspecto religioso da prática e assim fundamentou o primeiro programa baseado em Mindfulness (MBSR), para redução de estresse, atendendo casos clínicos onde a medicina já não mais podia contribuir. O marco se deu no ano de 1979, com a fundação da Clínica de Estresse dentro do renomado MIT, por Jon Kabat-Zinn, onde o carro chefe dos tratamentos empregados era Mindfulness.

Os primeiros estudos científicos vieram do MBSR, desde o ano de 1979, onde Mindfulness mostrou-se eficiente não só na redução e um melhor gerenciamento de estresse, mas também na melhora da qualidade de vida de pacientes com dor crônica.

Estes estudos preliminares abriram portas para milhares de outros mais.

Especialmente o programa MBSR foi um marco para a importância hoje concedida, não só da prática de meditações para cultivo da atenção plena, mas também o desenvolvimento das habilidades de mindfulness, para a psicologia contemporânea.

Alguns autores (Chiesa e Malinowski, 2011) consideram que somente após a existência do MBSR passou-se a considerar a possibilidade de Intervenções Baseadas em Mindfulness (conhecidas sob a sigla MIB) e que hoje fundamentam práticas, estratégias e abordagens altamente eficazes e responsivas, direcionadas para os mais diferentes males.

Um dos programas mais conhecidos dentro da Psicologia é o MBCT, a Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness, formatado por Zingel Segal, Mark Williams e John Teasdale, baseado e inspirado no programa de Jon Kabat-Zinn, mas com um objetivo específico: a prevenção de recaídas na depressão, considerado um dos maiores problemas da doença.

O estudo foi publicado no renomado jornal médico The Lancet, que afirmou que Mindfulness pode ser tão eficaz como a medicação antidepressiva para evitar recaídas na depressão.

Abaixo, segue a tabela publicada no estudo em questão, sendo a linha azul correspondente aos pacientes que fizeram o tratamento apenas farmacológico e a linha vermelha representa os pacientes que apenas praticaram mindfulness. Apesar de você ver aí uma diferença, ela não é tão representativa ao ponto de se considerar clinicamente atestada como superior, mas já é bastante animador, não acha?


Diante desta e de tantas outras evidências, o Nice (National Institute for Health and Care Excellence, uma instituição não governamental inglesa, uma referência europeia) passou a recomendar Mindfulness como intervenção de tratamento para adultos acometidos com depressão recorrente.

Existem muitos outros programas que foram sendo desenvolvidos posteriormente. Há uma prática específica em todos os programas baseados em mindfulness, conhecido como “alimentação consciente” e que consiste em empregar algumas habilidades mindful enquanto nos alimentamos.

Desta prática, surgiram dois programas: o Mindful Eating e o MB-Eat, ambos com 8 semanas e 100% focados em melhorar a relação da pessoa com a alimentação, sendo bastante úteis em alguns casos de distúrbios alimentares, especialmente a TCAP (transtorno de compulsão alimentar periódica).

Das evidências positivas de Mindfulness, surge um novo campo de estudo: o impacto do desenvolvimento da compaixão, elemento que passou a fazer parte de mindfulness um tempo depois da formatação do MBSR. Hoje também há programas baseados na compaixão, mas quero deixar este assunto para desenvolvermos bem em um próximo artigo (saiba que ele pode ser divisor de águas para nós, psicólogos).

A Psicologia e o Psicólogo


Diante de alguns estudos, como estes que brevemente mencionei, como não brilhar nossos olhos? Como não se entusiasmar com a possibilidade de remissão de sintoma em casos de depressão recorrente com apenas 8 semanas de intervenção?

Sim, nós podemos tornar nosso trabalho muito efetivo através de mindfulness.

Tenho, agora, algumas coisas para te falar - coisas boas e coisas não tão legais assim.

Pois bem, quero começar te falando sobre as coisas não tão legais: qualquer pessoa, com qualquer formação, pode fazer um curso de formação em Mindfulness e sair por aí trabalhando com os protocolos para diminuição do estresse, para evitar recaídas na depressão ou mesmo para tratar a compulsão alimentar, através dos programas mencionados - este último, inclusive, já é uma realidade no Brasil, onde, basicamente, as nutricionistas têm se destacado na área.

Péssimo, não? Pra que estudar, por baixo, 5 anos para ser psicólogo, então?

Aí que está: estes programas, apesar de terem uma profundidade razoável, não tem cunho interventivo ou de tratamento, mas sim, um teor mais educativo.

E a hipótese que eu levanto aqui com você é: se em termos de “psicoeducação” a metodologia é tão eficiente, se for de teor interventivo, então…?! A grande questão, amigo psicólogo, é que logo teremos uma enxurrada de profissionais das mais diversas áreas atuando com Mindfulness - e a hora da gente se posicionar no mercado de trabalho é agora!

E não pense que a utilização de mindfulness na psicologia é algo novo, ou apenas pertecente aos terapeutas cognitivo-comportamentais. Uma série de terapias contextuais se desenvolveram utilizando mindfulness de alguma forma: a terapia de aceitação e compromisso e a terapia dialética comportamental são excelentes exemplos.

Mas também ouvimos falar sobre outros dois movimentos, as terapias baseadas em mindfulness, que engloba a utilização dos modelos já existentes e também de outros protocolos de atuação de cunho interventivo (para ser utilizado dentro da clínica) e também sobre um movimento que se chama ‘mindfulness psychology’, que presume a adaptação de mindfulness em diferentes abordagens - na psicanálise, na gestalt-terapia, e por aí vai.

É, sem dúvidas, o mercado é muito promissor!

E para trazer isso para o exercício profissional, como que faz?


Muita gente entra em contato comigo para fazer o programa de 8 semanas - este mesmo, de cunho vivêncial - e sai aplicando o programa por aí. Então vale a dica: NÃO FUNCIONA ASSIM! Não queime sua cara fazendo experiências absurdas com seus clientes, o tiro pode sair pela culatra!

Primeiro, o programa de 8 semanas tem cunho vivencial, é pra gente aprender e praticar!

Existe, nas Terapias Baseadas em Mindfulness, uma modulação de neurônios espelho, o que implica dizer que suas intervenções não serão eficientes caso você não pratique mindfulness. Então, o primeiro passo para trabalhar com mindfulness é a prática pessoal. Com isso você já estará trabalhando com mindfulness, através de um tipo de terapia específica, a Terapia Orientada em Mindfulness (onde não falamos a respeito nem da prática, nem das habilidades correspondentes, apenas praticamos).

Já costuma ser surpreendente!

Segundo, para trabalhar com as Intervenções Baseadas em Mindfulness você precisa entender como funciona a operacionalização de mindfulness, como a prática atua, para saber o que é mais eficiente em cada caso. Somente assim poderá realmente fazer um trabalho responsável, eficiente e responsivo.

Mas nada impede que você comece, desde já, treinando algumas habilidades mindful em consultório ou em seu trabalho (graças à Academia do Psicólogo). E é exatamente para isso que vou deixar uma prática hoje. Comece treinando-a com uma pessoa qualquer, fora do consultório (se esta for sua atuação) ou do seu trabalho.

É normal que, enquanto alguém nos fala algo, nós, psicólogos, estejamos construindo um quebra cabeça com as informações dadas, buscando em nossos “bancos de dados” conteúdos que se assemelham ou se associam ao tema, para poder, assim, dar uma resposta ou uma devolutiva mais adequada.

O exercício que quero te passar é que simplesmente deixe isso de lado e dedique-se a escutar a pessoa com o seu corpo todo, não só com os ouvidos. Fazemos isso percebendo nossa presença física, tomando consciência do nosso corpo e da nossa respiração no momento presente, enquanto nos dedicamos, exclusivamente à escuta consciente.

Este é apenas um exercício para cultivarmos habilidades de terapeuta através de mindfulness.

E se você se interessa pelo tema e quer saber um pouco mais sobre o impacto de mindfulness pelo mundo, me acompanha neste vídeo!

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Referências Bibliográficas:

Kuyken, W. (2015), Effectiveness and cost-effectiveness of mindfulness-based cognitive therapy compared with maintenance antidepressant treatment in the prevention of depressive relapse or recurrence (prevent): a randomised controlled trial. The Lancet : volume 386, N. 9988, p. 63-73, July 2015.

Chiesi, A., & Malinowski, P. (2011). Mindfulness-based approaches: are they all the same? Journal of Clinical Psychology, 67 (4), 404-424.

Autor Sheila Drumond

Sheila Drumond

@sheiladrumondpsicologa

Sheila Drumond é psicóloga clínica, fez suas formações em mindfulness e psicologia positiva em Buenos Aires, fundou no Paraná um Centro de referência em mindfulness, onde desenvolve programas, estudos, pesquisas e formação especialmente para psicólogos.

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