A importância do desenvolvimento da atenção plena para psicólogos

Quero começar este artigo falando sobre uma história pessoal que me intrigou profundamente e que eu utilizo como exemplo nos cursos de formação.

Afinal, por que o psicólogo precisa desenvolver atenção plena?

Mindfulness para a rotina da clínica


Eu me formei numa faculdade que, na época, tinha uma base psicanalítica muito forte. Logo, meu sonho de garota universitária vindo do Acre para estudar psicologia numa capital da região Sul, era fazer análise. Era a cereja do bolo dos meus sonhos. Anos depois de formada (sabemos como difícil são os primeiros anos em termos de sobrevivência exclusiva da profissão), eis que minha hora chegou.

Por indicação de outra colega psicóloga, encontrei meu analista. 40 anos de profissão, professor numa renomada universidade da cidade, tudo isso mencionado com muito orgulho.

Mais um dia habitual de terapia, cheguei uns minutos antes, mas diferente do habitual, meu analista solicitou minha entrada logo após a saída do paciente anterior, assim, sem nem um segundo de descanso, sem uma água, sem um chá.

Sentei “no meu lugar” e esperei.

A cena vem na minha memória como se tivesse acontecido ontem: um homem grisalho, sentado de pernas cruzadas, com a cabeça baixa, segurada por uma das mãos, enquanto a outra me acenava numa espécie de “espere aí”. Quando eu estava pronta para assumir o outro lado e, de repente, ser terapeuta do meu analista, escuto as seguintes palavras: “estou trocando o hardware”.

Se você ainda não entendeu, ele estava resetando a mente analista do paciente anterior.

Anos depois, na minha prática profissional, quando (finalmente) tinha muitos pacientes, cheguei a atender 10 em um único dia. Naquele momento, eu entendi o que diabos era a necessidade de trocar o hardware.

Felizmente, mindfulness já fazia parte da minha vida, que foi uma alternativa muito mais coerente com essa necessidade. Mas não podia deixar de lado a experiência de 40 anos em clínica do meu antigo analista e levar isso em consideração.

Sem dúvida, trata de uma necessidade presente em nossa categoria, especialmente para os colegas que trabalham em clínica, como fui atestando ao longo do tempo. Mindfulness tem técnicas que se encaixam perfeitamente neste espaço entre um paciente e outro e são atestadas por mim e por vários outros colegas (logo, logo teremos um vídeo sobre isso aqui!).

Mas, os benefícios vão muito além disso.

Mindfulness para uma boa relação terapêutica


Inclusive, há um artigo publicado em 2015 no APA (American Psychology Association) que afirma que as pesquisas sugerem que as práticas de mindfulness oferecem aos psicoterapeutas uma maneira de afetar positivamente os aspectos da terapia, que podem influenciar diretamente para que o tratamento seja bem sucedido.

Isso não te parece incrível?

É sabido que, em nossa profissão, o aspecto mais importante da psicoterapia é o estabelecimento de uma boa relação terapêutica, a criação de um bom vínculo. Isso implica, necessariamente, na capacidade de empatia do psicoterapeuta - nada mais constrangedor do que revelar nosso mundo interno para alguém que parece não entender o que estamos tentando comunicar.

Acontece que grande parte dos nossos colegas tem MEDO de sentir empatia.

Eu mesma ouvi centenas de vezes que deveria treinar a famosa “cara de samambaia”, que não deveria “me envolver” com as emoções dos pacientes, entre outras do mesmo tipo. Só uma das minhas professoras falou: “todo paciente tem a necessidade primária de ser amado” e ela era considerada meio doida lá no meio acadêmico.

E aqui vale a pena, mesmo que seja de forma superficial, diferenciar alguns conceitos que estão presentes nas Terapias Baseadas em Mindfulness e que entendemos de forma errada, dado ao treinamento que tivemos na faculdade.

Faz parte do desenvolvimento da atenção plena um treinamento básico sobre compaixão e vou precisar contextualizar isso para que a empatia possa aqui fazer sentido.

Compaixão significa “sofrer com”, porém com a intenção inerente de ajudar a pessoa ou o ser que está em sofrimento. No entanto, a primeira fase da compaixão, digamos assim, é a empatia. Se a empatia não seguir para a fase seguinte, que é de oferecer ajuda, entramos em contágio emocional - uma espécie de fusão emocional com a outra pessoa, onde a dor do outro lembra alguma dor minha e, de forma instantânea, isso tudo se funde.

Acredito que meus professores me precaviam disso. Mas se há a intenção imediata de ajudar logo que a empatia é sentida, entramos em compaixão.

Tudo isso é um processo humano, não analítico - e aí está nosso maior problema!

Fomos treinados para analisar nossos pacientes, para podermos decidir rapidamente como melhor podemos ajudá-lo. Não sei para vocês, mas pra mim era como se cada paciente fosse dono de um mapa mental, com todos os seus dados. Conforme eles vão falando, novas abas vão se abrindo, combinando ou não com as hipóteses diagnósticas, o que me permite esclarecer melhor a sintomatologia, combinando ou não com as técnicas e ferramentas que tenho.

Mas isso não é mindfulness. Isso não tem nada a ver com a atenção plena, pois no momento em que estamos maquinando mentalmente, já não estamos mais presentes de verdade com nosso paciente.

Nós precisamos perder o medo latente de não conseguirmos efetuar nosso bom trabalho, a insegurança que nos diz que precisamos sempre de mais e mais ferramentas e começar a apostar mais em quem somos ao invés do que temos e a estarmos verdadeiramente presente no setting terapêutico.

Este é o princípio básico de mindfulness.

E não é à toa que os coachs estão investindo pesado em mindfulness: já entenderam que a qualidade de presença é fundamental em qualquer relação.

Estar presente de verdade na terapia


Sim, estou dizendo para deixarmos teorias e técnicas fora da mente enquanto o paciente fala. Todo o conhecimento que temos está dentro de nós, não se perde se o utilizamos sempre. Uma das características básicas de mindfulness é confiança - confiança no ser interno como agente e palco da mudança ao mesmo tempo, e isso implica tanto confiar no ser interno do nosso paciente como também no nosso. E, é claro, precisamos de treinamento para isso!

Assim, além de nos promover uma melhor qualidade de vida no trabalho, mindfulness desenvolve qualidades que são fundamentais em todo bom terapeuta. Isso tem sido tão importante, que já se abre como um campo de ciência a ser melhor estudado dentro desta nova geração de pesquisas a respeito de mindfulness.

Eu fico imaginando, hoje em dia, como seria maravilhoso ter tido um treinamento baseado em atenção plena antes do estágio em psicologia clínica e como isso seria coerente com as necessidades que temos.

Ah, lembra do meu analista do começo deste artigo né? Brigamos feio.

Alguns dizem que foi uma “briga terapêutica”, mas pra mim foi falta de empatia, definitivamente (quando o Bruno pedir, conto esta história que tem tudo a ver com o primeiro curso de Empreendedorismo para Psicólogos).

O artigo publicado na APA, que deixo aqui na íntegra para você ter acesso (Você encontra o artigo na íntegra aqui) ainda fala sobre outros benefícios para psicólogos advindos do desenvolvimento da atenção plena.

Dentre eles: menos estresse e ansiedade, melhor qualidade de vida, maior capacidade de empatia e compaixão, melhor qualidade de vida e melhor capacidade de “aconselhamento”.

Os estudos atestam que abrir mão do nosso treinamento analítico para simplesmente estar presente de verdade na terapia melhoram nossa capacidade de aconselhamento (que podemos ler também como as devolutivas).

Para concluir com chave de ouro este artigo, vale  corroborar Jung: “Ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

A gente só não contava com a possibilidade de ter um treinamento para isso, não é?

Autor Sheila Drumond

Sheila Drumond

@sheiladrumond

Sheila Drumond é psicóloga clínica, fez suas formações em mindfulness e psicologia positiva em Buenos Aires, fundou no Paraná um Centro de referência em mindfulness, onde desenvolve programas, estudos, pesquisas e formação especialmente para psicólogos.

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