Intervenções Baseadas em Mindfulness - Relato de Caso em um TOC

Vale lembrar, antes de tudo, que este relato está sendo aqui descrito de uma maneira informal. O artigo técnico e científico deste caso está em fase de produção e será enviado para o V Meeting on Mindfulness, que acontecerá em 2018 na Espanha. Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos envolvidos.

Bom, há um ano e meio atrás a Marcela (nome fictício) me procurou, sob indicação de uma prima psicóloga, para fazer acompanhamento do filho dela, então com 13 anos, o Ricardo.

A queixa era TOC.

O Ricardo apresentou sintomas desde muito criança, por volta dos 7 anos. A mãe percebeu um certo comportamento ritual que ele fazia com as mãos quando estava em estado de tensão, especialmente antes dos jogos de futebol.

Ele tinha entrado em terapia por diversas vezes, na abordagem cognitiva comportamental, mas tempos depois mudava a compulsão e as obsessões, os sintomas sempre voltavam.

Pedi para a Marcela um prazo de 12 semanas, que seriam dedicados para construir um bom vínculo - já que o Ricardo era um menino bem introspectivo -, fazer uma avaliação e começar um planejamento de tratamento.

Ela me questionou se seria interessante procurar um psiquiatra, mas como eu não sabia como estava a situação, pedi para que esperasse por minha orientação e encaminhamento.

Nesta primeira sessão comigo, Ricardo e sua mãe, fizemos uma anamnese para entender todo o contexto, e não tive a chance de aprofundar com o Ricardo como ele percebia e sentia os sintomas. Na segunda sessão, agora só nós dois, fui aprofundando a sintomatologia dele, que me deixou bastante apreensiva.

Gosto de dizer que o Ricardo era um menino que transformava palavras em números. E era exatamente o que ele fazia. Em fração de segundos, ele pegava cada uma das palavras que uma pessoa dizia, comparava-a com o alfabeto, fazia uma conta da distância entre uma letra e outra e calculava uma média para a palavra. Tudo isso em questão de segundos. Uma das principais queixas era que ele estava indo muito mal na escola, pois não conseguia prestar atenção nas aulas - sua mente estava trabalhando duro para transformar palavras em números.

Importante frisar que isto acontecia independente da sua vontade e configurava em uma compulsão mental, que era combinada, então, pelas compulsões físicas ou comportamentais, que eram as mais variadas, mas consistia, basicamente, em manter movimentos rituais com as mãos.

Como o trabalho com mindfulness aconteceu:


Já tinha comentado com a mãe Marcela que trabalharia com o Ricardo através de técnicas de mindfulness.

Inclusive, nem consegui explicar direito pra ela como seria este trabalho - como eu poderia convencê-la de que um treinamento baseado em meditação poderia ajudar o filho dela? Falei por cima sobre este treinamento mental de atenção e sobre as inúmeras comprovações científicas acerca de algo que para o Ricardo seria fundamental: a neuroplasticidade.

Tive um enorme cuidado ao apresentar mindfulness para o Ricardo. A princípio, não poderia colocar as práticas formais, que são as práticas de cunho meditativo mesmo, sob o risco dele ritualizá-las. Nos casos de TOC, o caminho é inverso: começamos com práticas de compaixão, especialmente para com os pensamentos intrusivos.

O desenvolvimento da compaixão, acredito, foi a chave de sucesso para este caso. Através da compaixão, trocamos o desejo excessivo por controle para um self talk (diálogo mental) compassivo e amoroso, que explicava o tempo todo que as coisas não precisavam ser como a mente ditava e que “está tudo bem com isso”.

Abrir mão do controle de forma radical foi processo fundamental neste caso - mas serve bem à todas as ocasiões, uma vez que é ponto chave da prática de mindfulness.

Num segundo momento, tratamos de deixar a ansiedade em níveis menores e mais funcionais, com técnicas de ancoragem nos sons, de olhos abertos, sem a necessidade de uma postura física para isso.

Também trabalhamos muito as práticas informais, desautomatizando os comportamentos e hábitos do Ricardo. Aos poucos ele foi percebendo que poderia lidar com todas as coisas que sentia, mas não da forma que ele pensava que seria ideal, mas sim estabelecendo uma outra relação com seus sentimentos, pensamentos e sensações físicas.

Somente a partir de um mês, com a ansiedade estável e, portanto, já com a baixa dos sintomas, inserimos as práticas formais e outras ancoragens foram ensinadas. Ricardo ia respondendo muito bem ao tratamento proposto, já conseguia expressar melhor suas emoções e mostrava, nitidamente, a diferença na relação que ele tinha com as coisas que aconteciam dentro dele.

Uma das técnicas que passei pra ele já falei aqui no canal, mas vou repetir no próximo vídeo! ;)

E ao final...


Em 10 semanas, chamei a mãe do Ricardo para conversar. Tínhamos combinado 12 semanas para esta conversa, na qual eu daria para ela uma previsão do tratamento (já tinha antecipado, dizendo que seria mais ou menos uns 6 meses, lá na nossa primeira conversa e fiquei de confirmar depois de uma avaliação mais profunda sobre o caso).

Impressionantemente, Ricardo já estava estável e sem os sintomas característicos do TOC há 2 semanas.

Os sintomas não desapareceram do nada, foram diminuindo aos poucos. Os rituais já não faziam mais sentido e já não haviam mais pensamentos intrusivos.

Continuei - e continuo - acompanhando o Ricardo, agora uma vez por mês, de forma gratuita, para que eu possa monitorar seu desenvolvimento e a remissão dos sintomas. Consideramos o caso dele um caso de muito sucesso e, por isso, estamos produzindo um estudo científico sobre este acompanhamento, que terá descrito todo o protocolo que foi trabalhado, afinal não é todo dia que alcançamos a remissão completa de sintomas de TOC em apenas 10 sessões!

Um dos elementos básicos do treinamento de mindfulness é a mudança estrutural do cérebro ocasionada pelo desenvolvimento desta qualidade da mente a qual chamamos consciência plena, que permite, inclusive, um aumento de massa cinzenta em regiões específicas do cérebro, ligadas à atenção e à regulação emocional.

Graças à esta neuroplasticidade podemos encontrar resultados tão fantásticos como o do Ricardo.

E você, acreditava que isso era possível?

Autor Sheila Drumond

Sheila Drumond

@sheiladrumondpsicologa

Sheila Drumond é psicóloga clínica, fez suas formações em mindfulness e psicologia positiva em Buenos Aires, fundou no Paraná um Centro de referência em mindfulness, onde desenvolve programas, estudos, pesquisas e formação especialmente para psicólogos.

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