A atitude fundamental mindful e práticas para alcançá-la

É impossível entender o funcionamento de mindfulness sem a compreensão correta das suas atitudes. Chamamos de “atitudes” os fundamentos básicos para que a prática, meditativa ou não, seja considerada como uma técnica que desenvolve a consciência plena. Anteriormente, as atitudes eram 7 e hoje se fala em 9.

São elas: não julgar, ser paciente, mente de principiante, aceitar, confiar, ceder, não forçar, ser grato e ser generoso.

Não é possível falarmos que uma ou outra atitude é mais importante para o desenvolvimento da atenção plena, pois todas se encontram, de alguma forma, interligadas. O que é importante saber: dentre essas 9 atitudes, duas se destacam sobremaneira: a aceitação e a qualidade afetiva, esta última presente nas atitudes de gratidão, confiança e gentileza.

Hoje vamos falar, especificamente, sobre a atitude central que permeia mindfulness, que é a aceitação - tão importante que há um tipo de terapia baseado nela: a terapia de aceitação e compromisso (ACT), que é também baseada em mindfulness.

Particularmente, considero a atitude afetiva de mindfulness tão importante quanto à atitude de aceitação, pois percebo, tanto na minha prática clínica como nos projetos que gerencio em escolas e empresas, que ao chegarmos no ponto de trabalharmos a forma como tratamos a nós mesmos, percebemos o quão violento e agressivos podemos ser. Este ponto costuma ser transformador na vida das pessoas, um verdadeiro divisor de águas.

Comento isso pois, mesmo em processos de aceitação podemos nos valer desta atitude afetiva, que poderá ser de grande ajuda. A aceitação não é uma atitude fácil, mas também não é uma das mais difíceis, por isso vamos começar com ela.

Lembre-se que falei aqui: todas as atitudes estão interconectadas, ao fortalecer uma, você estará fortalecendo outras também.

Entendendo a Aceitação


A aceitação é uma atitude mindful e também uma condição essencial para o desenvolvimento da atenção plena. A prática, entretanto, é cheia de enganos.

Não é incomum as pessoas saírem de um programa tradicional de 8 semanas sem entender muito bem as atitudes, especialmente a atitude de aceitação – mas também não se espera que uma pessoa saia “expert” de um programa vivencial e foi justamente por isso e para isso que eu produzi um CD de práticas para desenvolvimento das atitudes mindful, a qual utilizo amplamente em consultório e programas.

Mesmo depois de alguns anos de prática de mindfulness e mais de 10 anos de práticas meditativas, vira e mexe eu tenho que reforçar alguma atitude.

Falar sobre aceitação não é tarefa fácil, acredito que seja assim para todas as coisas que pertençam à categoria “simples, porém complexo”.

Mindfulness implica numa aceitação radical, numa renúncia ao controle direto.

Está longe de ser algo passivo, aliás, a atitude é muito confundida com resignação passiva, mas saiba que a primeira característica da aceitação é ser algo diretivo, pontual e determinado, ativo.

A resignação passiva está mais para “dar a outra face”, enquanto que a aceitação implica, simplesmente, em atestar que alguém lhe bateu e quais as reações que isso provocou em você - isso aconteceu e não há nada que você possa fazer para mudar. A aceitação radical significa, em outras palavras, que você pode lidar com o que a vida te traz, sem intenção ou desejo de que as coisas sejam diferentes.

Não quer dizer, entretanto, que você não possa pensar ou tentar mudar num segundo momento, mas sim que, num primeiro momento, você se conscientiza de que é exatamente isso que está acontecendo e… “é o que tem pra hoje”, uma conscientização de que as coisas são como são.

O “não aceitar” desenvolve em nós uma postura de resistência, que pode ser observada até em nossa respiração. O não aceitar faz com que a mente permaneça no “modo fazer” e, neste estado, ela se torna compulsiva, transformando tudo em metas e buscando soluções de forma desesperada - e ao não encontrar tais soluções… entra em processos ruminativos, desesperançosos, transformando uma dor inevitável (e passageira) em um estado de sofrimento crônico.

O princípio da aceitação é muito forte na religião e na psicoterapia. No Budismo, por exemplo, a primeira nobre verdade é que “a vida é sofrimento”. Não pretendemos entrar nos pormenores aqui sobre os preceitos dogmáticos que envolvem a aceitação, vamos passar para o campo da psicologia, que é o ponto que mais nos interessa.

A Aceitação para a Psicologia de Mindfulness


Existe uma diferença nada básica entre a psicologia de mindfulness e a terapia cognitivo comportamental que merece ser comentada aqui.

A grosso modo, a TCC implica no controle do sintoma, enquanto que em mindfulness falamos em enfrentamento ao sintoma. Então, se uma pessoa está sentindo ansiedade, não trabalhamos para aliviar a ansiedade, mas sim para enfrentá-la, o que só é possível através da aceitação.

Como é bom a gente ilustrar como isso acontece na prática, quero deixar aqui um exemplo clínico meu.

Trata-se de uma garota de 16 anos de idade, que apresentou crises de pânico. Estava estudando para passar em medicina e passava cerca de 10 a 12 horas por dia em cima dos livros. Abriu mão da vida de uma jovem comum para dedicar-se 100% ao seu objetivo.

A terapia com ela foi 100% baseada em mindfulness, ela conseguiu equilibrar-se consideravelmente em 8 sessões, quando, antes da 9ª teve uma crise inesperada, o que não acontecia desde o início da nossa terapia. A mãe ligou desesperada para o meu consultório, tentando marcar um encaixe, o que prontamente atendi. Ela sentou na minha frente e falou tudo o que estava sentindo: palpitações, aperto no peito, angústia, entre choros, soluços e tremedeira.

A minha intervenção naquele momento foi algo parecido com isso:

Ok, agora você está aqui na minha frente e você confia em mim. Quero que você abra espaço para sentir tudo isso que você está sentindo. Intensifique o máximo que puder todos esses sentimentos. Você sabe que não precisa ter medo, pois eu estou aqui com você. Abra-se para isso e sinta absolutamente tudo.

Em menos de 5 minutos todos os sintomas desapareceram e nós pudemos fechar a sessão retomando tudo o que aprendemos e trabalhamos nas sessões anteriores. Mais duas sessões e nosso trabalho finalizou e hoje, um ano depois, ela continua sem crises.

Este exemplo foi somente para te dar a noção de como fazemos uma intervenção baseada em mindfulness e em aceitação, mas, para chegarmos neste ponto é muito importante termos algumas coisas já bem estabelecidas com nosso paciente/cliente, como uma relação baseada em apego seguro e uma boa qualidade de atenção plena já desenvolvida – de forma nenhuma é uma intervenção para ser utilizada no início de uma terapia breve, por exemplo.

Existe, por si só, um poder terapêutico incrível dentro do processo de aceitação e isso já tem sido falado por grandes nomes dentro da psicologia. Carl Rogers, por exemplo disse que “curioso paradoxo, quando me aceito como sou, posso então mudar”. Gosto muito de utilizar essa frase quando as pessoas surpreendem-se com suas mudanças repentinas e fora do planejado.

Considero essa a genuína mudança, de dentro para fora, de forma não violenta, compassiva. É quando sentimos que algo que sufocava e segurava antes já não mantém as mesmas amarras… “O que você resiste, persiste”, como já dizia Jung, e aqui a aceitação entra como um processo de “soltar a corda”. Deixar ir. Com confiança no processo.

Perceba que aos poucos vão surgindo as outras atitudes, de forma natural. Percebemos, com nossa prática pessoal, que o melhor lugar para iniciar a transformação é a partir desta consciência clara da situação, que inclui um nível de aceitação e, consequentemente, “não resistência”.

E como desenvolvemos a Aceitação?


Existem várias técnicas, mas, mais do que técnica, é importante encarar como um exercício que precisa ser praticado com persistência, porque a tendência é realmente voltarmos ao padrão antigo de resistência e o desejo de mudar aquilo que não nos agrada.

Vou listar alguns exercícios abaixo, que tem o teor vivencial, ou seja, pratique MUITO antes de recomendar para seus pacientes ou clientes, ok?

  1. Encare as coisas no aqui e agora como são.

Isso inclui abrir mão das suas interpretações homéricas (sim, eu sei que você faz isso). Muitas vezes estabelecer um self talk (uma melhoria daquele diálogo mental) como “isso é só um pensamento” ou “isso é só uma interpretação” pode ajudar a ver com mais clareza o que acontece no aqui e agora, além do que passa na sua mente. Muitas vezes tendemos a encarar nossos pensamentos como algo real, quando, na verdade, são apenas eventos mentais.

  1. Abra mão de negar os fatos, ou de tentar que as coisas aconteçam do seu jeito, ou mesmo de achar que o seu jeito é o mais correto.

Sempre que nos deparamos com algo que consideramos “desagradável”, temos a tendência de tentar modificar o teor da experiência. Aqui, vale empregar algumas outras atitudes como a mente de principiante, que é um esforço que fazemos para ver a situação como se fosse a primeira vez, que pode nos ajudar a despertar uma terceira atitude, que é a curiosidade genuína... o que mais tem aí nesse fato além da minha clara resistência de lidar com isso?

  1. Estar no aqui e agora é um dos passos fundamentais para iniciar um processo de aceitação, mesmo que esta aceitação precise estar direcionada, digamos assim, para as lembranças do passado ou para os planejamentos e fantasias do futuro. Mindfulness requer sua atitude no aqui e agora, o único tempo que existe e onde podemos fazer algo, de fato.

Acredito que estes três exercícios já são um bom começo para que você possa começar a contemplar a aceitação na sua vida!

Mas, para reforçar ainda mais esta atitude, vou te convidar pra ver meu próximo vídeo que sairá em breve. Nele, correlaciono uma atitude afetiva dentro do processo de aceitação, o que torna absolutamente tudo mais fácil.

E pra você ir ainda além, vamos deixar aqui uma das faixas do CD de mindfulness - cultivando as atitudes mindful, produzido aqui no CPPMP, que é justamente sobre a aceitação!

Vou ficar bem feliz caso você puder compartilhar comigo suas experiências com a aceitação!

Autor Sheila Drumond

Sheila Drumond

@sheiladrumondpsicologa

Sheila Drumond é psicóloga clínica, fez suas formações em mindfulness e psicologia positiva em Buenos Aires, fundou no Paraná um Centro de referência em mindfulness, onde desenvolve programas, estudos, pesquisas e formação especialmente para psicólogos.

Oops... Faça login para continuar lendo



Interações
Comentários 5 0