Treinamento e Supervisão clínica como diferencial para o psicoterapeuta de sucesso

Como supervisora e psicóloga clínica, meu objetivo sempre foi auxiliar no desenvolvimento de competências essenciais para um bom desempenho da função de psicoterapeuta, a conhecida sigla CHA (conhecimento, habilidades e atitudes). Conhecimento é o que é adquirido sobre determinado assunto, habilidade é o saber fazer e atitude é o agir de fato.

Esse tripé tão conhecido na área da Psicologia Organizacional, área em que trabalhei no início da minha experiência como psicóloga, fez total sentido quando pensava em treinamento e supervisão clínica, isso porque ele encaixa em outro importante tripé, necessário para a prática de psicologia clínica, o tripé analítico.

A maioria dos autores, principalmente os de base psicodinâmica, consideram que o tripé para ser um bom psicoterapeuta seja fazer supervisão, psicoterapia (análise) e formação continuada.

Tenho uma hipótese de que psicoterapeutas buscam facilmente por formação continuada –  acredito que muitas vezes até como forma de compensar alguma questão interna (insegurança, medo de fracasso, etc), mas esse é assunto para outro artigo.

Pois bem, sobraram psicoterapia e supervisão.

Já recebi inúmeros clientes interessados em supervisão, que nunca haviam feito psicoterapia. O contrário também é verdadeiro. Esse fato tem impacto na qualidade dos serviços prestados, isso porque, falta manejo clínico adequado e diferenciação de demandas do cliente e do psicoterapeuta.

Temos como resultado, clientes frustrados e insatisfeitos com o processo, prejuízo para a “reputação” da psicologia clínica, isso porque muitos clientes migram de psicoterapeutas em psicoterapeutas, sem conseguir resultados satisfatórios para suas demandas e psicoterapeutas decepcionados com a sua atuação.

Gostaria de abrir um parêntese em relação a afirmação acima:

É claro que existem pacientes “resistentes” e que não aderem ao processo terapêutico. A ideia desse artigo não é culpabilizar a figura do psicoterapeuta, apenas levantar um questionamento de que, quando cumpridas as exigências para a formação do psicoterapeuta, o tripé que mencionei acima, acredita-se que questões relacionadas a clientes resistentes, narcisistas, e etc, sejam melhor manejadas pelo psicoterapeuta.

Dessa forma, o artigo de hoje, tem intenção de abordar como o processo de treinamento e supervisão clínica, com foco em demandas do psicoterapeuta, podem ser um diferencial para aqueles que pretendem ter sucesso nessa área de atuação.

Aprofundar-se e manter-se atualizado, dentro do referencial teórico-prático é de extrema relevância. É possível perceber quando o profissional continua estudando e se aprimorando. Esse profissional entende que conhecimento não é algo pontual, mas sim um processo. Dessa forma ele é capaz de desempenhar, com consistência, serviços de maior qualidade do que um profissional que tenha abandonado os estudos após obter seu diploma.

Características pessoais versus habilidades profissionais


Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. ”  - Carl Jung


Você sabia que características pessoais do psicoterapeuta influenciam no estabelecimento e manutenção da relação terapêutica?

A frase de Jung aplica-se perfeitamente quando se fala de características pessoais desejáveis para a prática clínica. O psicoterapeuta não é um tecnólogo aplicador de técnicas. Ele é, antes de mais nada, um modelo de identificação, razão pela qual seu caráter e características pessoais são importantes.

Existem características pessoais desejáveis para um bom andamento da psicoterapia. Não basta dominar todos os manuais e técnicas se o psicoterapeuta não possuir disponibilidade pessoal genuína para acolher a dor do seu cliente.

McLemore e Gorsuch (1985), citados por Meyer e Vermes (2001) afirmam que psicoterapeutas avaliados como amigáveis, comprometidos, tolerantes, calorosos e interessados, tendem a ter maior sucesso em seus tratamentos.

Viu só, características pessoais. E uma boa notícia: características pessoas também podem ser desenvolvidas.

E quais são as habilidades profissionais necessárias para um bom psicoterapeuta?

Bernard Rangé, no livro “Psicoterapia Comportamental e Cognitiva – Pesquisa, prática, aplicações e problemas”, elenca algumas habilidades importantes ao psicólogo clínico:

  • Saber fazer perguntas que facilitarão a descoberta;
  • Saber ouvir e observar, sendo ao mesmo tempo, objetivo e empático;
  • Saber dar feedback;
  • Escutar além da resposta para questões específicas e estar aberto para descobrir o inesperado;
  • Ajudar o paciente a tolerar ambiguidades;
  • Fornecer uma base segura para exploração;
  • Entre outras.

Resumindo, um bom psicoterapeuta deve ser curioso, capaz de se preocupar e cuidar dos outros, ser interessado em falar e ouvir pessoas, deve ter características pessoais que facilitem o vínculo e habilidade profissionais que deem segurança ao cliente.

A busca por autoconhecimento


“Conhecer-se auxilia no processo de aceitação do outro”. Kerbauy, 2001.


Quando falo de psicoterapia para psicólogos, tenho a sensação de “pisar em ovos”. Parece que preciso ter muita cautela ao abordar esse assunto, que na verdade deveria ser absolutamente comum para nós psicólogos, já que trata-se de um produto vendido por nós. Mas, não entrarei nesse mérito nesse artigo. Prometo abordar esse tema futuramente.

Devemos pensar na terapia pessoal como uma contribuição distinta e complementar: O psicoterapeuta precisa ter muito discernimento, ao discutir as questões de seus pacientes, e avaliar se está deixando alguma questão pessoal interferir no processo.

A terapia pessoal ajuda o psicoterapeuta a discriminar as dificuldades do paciente de suas próprias, além disso, observar outra pessoa conduzindo a terapia serve como um processo de modelagem, que nos torna cada vez mais atento à demanda do paciente.

E serve também para promover um momento em que se permite ser cuidado. A prática clínica envolve bastante carga emocional, ao se colocar no papel de paciente, o terapeuta tem a oportunidade de ser acolhido e fortalecido.

E quando as demandas do psicoterapeuta atrapalham o processo terapêutico?

Robert L. Leahy, Ph.D é psicólogo e autor de diversos livros na área da Terapia Cognitiva. Gostaria de falar em especial sobre o livro “Terapia do esquema emocional”.

Ele considera que estilos problemáticos do psicoterapeuta podem afetar a psicoterapia e reforça que, como psicoterapeutas, somos semelhantes aos nossos clientes por termos certos esquemas pessoais e interpessoais. E que esses esquemas devem ser trabalhados para que não haja prejuízo para o processo terapêutico.

Ao abordar esse tema não poderia deixar de falar de um importante conceito: a contratransferência.

Você que é terapeuta cognitivo pode não estar familiarizado com esse termo ou  considerar que apenas abordagens psicodinâmicas utilizam esse conceito. Pois é aí que você se engana.

Contratransferência para a Terapia Cognitiva são grupos de respostas emocionais específicas, despertadas no terapeuta pelas qualidades específicas de seu cliente (Cordioli, 1998).

É aconselhado então, que façamos algumas perguntas a nós mesmos, quando percebermos que certos pacientes nos despertam sentimentos conflitantes ou mistos:

  • Quais questões mais me preocupam quando atendo determinado cliente?
  • Existem certos clientes que me sinto mais confortável ao atender?
  • Existem clientes que me sinto desconfortável ao atender?
  • Como eu me sinto quando preciso dizer algo que possa perturbar meu cliente?
  • Quais pensamentos automáticos ou esquemas são ativados quando atendo determinado cliente?

Autores da Terapia Cognitiva orientam que a contratransferência não deve ser vista como uma barreira ao processo e sim como um instrumento para potencializar o trabalho terapêutico.

Eles consideram que o foco do psicoterapeuta não deve estar sempre no cliente, com certa frequência, é necessária atenção aos sentimentos que o cliente provoca no psicoterapeuta.

É através desse movimento de olhar para essa relação, que o psicoterapeuta pode perceber os impactos que comportamentos do cliente tem nos diferentes contextos no qual está inserido, ele poderá entender como são suas relações interpessoais.

Até agora abordamos características pessoais e habilidades profissionais desejadas para o psicoterapeuta, a importância da terapia pessoal e como demandas do terapeuta podem dificultar o processo terapêutico. A seguir, abordaremos como o treinamento e supervisão clínica, podem dar suporte para esses gaps (lacunas) dos psicoterapeutas, levantados até aqui.

Para entender mais sobre esses Esquemas, dá uma olhada nessa ferramenta que disponibilizamos para você AQUI

Treinamento e supervisão clínica


A prática de supervisão é um dos modelos mais antigos de ensinar e aprender um ofício, uma técnica ou uma profissão e, desde muito cedo, foi incorporado ao ensino da psicanálise, sendo, posteriormente, incorporado também ao ensino da psicoterapia nas demais abordagens teóricas.

A supervisão tem como objetivo desenvolver habilidades para que o psicoterapeuta consiga ajudar seus pacientes de forma integral, adquirindo competências que lhe deem segurança para desempenhar sua função de psicoterapeuta, formando no decorrer do processo sua identidade profissional.

Pensando em termos operacionais, a supervisão consiste em um processo de discussão de casos e avaliação de performance conduzido entre o psicoterapeuta e seu supervisor. Neste espaço, o terapeuta discute as dificuldades que enfrenta em sua prática, e recebe orientações do supervisor sobre como superá-las.

Além disso, recebe orientações cerca da conduta e os procedimentos que adota em sessão. Essas orientações também têm papel de aperfeiçoar o autoconhecimento do psicoterapeuta nas sessões de supervisão, para que possa trabalhar esquemas desadaptativos do psicoterapeuta.

Dessa forma, o processo de supervisão se torna mais amplo quando consegue abranger questões teórico-técnicas e de autoconhecimento do psicoterapeuta. Trabalhando o CHA (conhecimento, habilidade e atitude) integralmente.

E o Treinamento?

Como saber se você é uma psicoterapeuta competente?

Existem poucas referências a respeito do treinamento clínico na terapia cognitiva e cognitivo-comportamental, me basearei no meu repertório e experiência com supervisão até hoje e também nos métodos de avaliação da Psicologia Organizacional.

Utilizo o formato apresentado na figura 1, com meus clientes e os resultados tem se mostrado muito significativos.


Um caso de esquema de abandono:

“Tenho medo de lhe amar porque tenho medo de sofrer. Eu não sei lidar com a dor do abandono, mas se eu prometer lhe amar, você promete não me abandonar”. Madleine


Após aplicação de escalas e testes específicos para verificação de esquemas, foi possível perceber que a psicoterapeuta apresentava esquemas de abandono. Fato que dificultava a solicitação e fornecimento de feedback, cobrança de honorários e término das sessões.

Viu como funciona? Esquemas do psicoterapeuta (abandono) influenciam no manejo técnico (feedback, honorários e estrutura de sessão).

Medo de abandono é um esquema muito comum entre psicoterapeutas. Nessa situação, o psicólogo interpreta qualquer situação como indicativo de que o paciente abandonará a terapia. Como por exemplo: faltas, atrasos para sessões, atrasos nos pagamentos, etc.

Para lidar com essa situação, alguns psicoterapeutas, podem evitar entrar em uma relação terapêutica significativa, pode prolongar as sessões, etc. Como resultado, temos uma conduta não profissional para manter pacientes interessados e envolvidos na relação terapêutica.

Nesse caso, trabalhei questões específicas do esquema do psicoterapeuta, para depois trabalhar a técnica/habilidade que ele tem deixado de exercer para manter a relação. No caso do exemplo, trata-se de fornecimento de feedback, cobrança de honorários e término das sessões.

Ao término da etapa desse treinamento e supervisão clínica, foi possível perceber que a psicoterapeuta se tornou mais segura e confiante ao aplicar as técnicas, seu raciocínio clínico ficou mais claro, fato que facilitou a condução do processo terapêutico de forma profissional.

Esse resultado confirma a afirmação inicial de que desenvolver demandas do psicoterapeuta, podem ser um diferencial para aqueles que pretendem ter sucesso nessa área de atuação.

E você, já teve alguma experiência como essa?

Abraços e até a próxima.


Referências bibliográficas

Cordioli, Aristides V. (1998). “Como atuam as psicoterapias”. Em Cordioli, Aristides V. Psicoterapias – Abordagens atuais. Porto Alegre, RS: Artmed.

Leahy, Robert. L. (2016). Terapia do esquema emocional: Manual para o terapeuta.  Porto Alegre: Artmed.

Leahy, Robert. L. (2013). Regulação emocional em psicoterapia : um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental Porto Alegre: Artmed.

Kerbauy, Rachel R. (2001). “O repertório do terapeuta sob a ótica do supervisor e da prática clínica”. Em Guilhard, Helio J.; Madi, Maria Beatriz B. P.; Queiroz, Patrícia P.; Scoz, Maria Carolina (orgs.) Sobre Comportamento e Cognição – expondo a variabilidade. Santo André, SP: ESETec Editores associados, volume 7.

Meyer, Sonia; Vermes, Joana S. (2001). “Relação terapêutica”. Em Rangé, Bernard (organizador), Psicoterapias cognitivo-comportamentais – Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed Editora.

Rangé, Bernard; Guilhardi, Helio; Kerbauy, Rachel; Falcone, Eliane; Ingberman, Yara. (1995). “Ensino, treinamento e formação em psicoterapia comportamental e cognitiva”. Em Rangé, Bernard (org.) Psicoterapia Comportamental e Cognitiva – Pesquisa, prática, aplicações e problemas. Campinas, São Paulo: Editorial Psy, pág. 332-351.

Saraiva, L. A. & Nunes, M. L. T. (2007). A supervisão na formação do analista e do psicoterapeuta psicanalítico. Estudos de Psicologia, 12, 259-268.

Autor Mariana Crepaldi de Oliveira Barretos

Mariana Crepaldi de Oliveira Barretos

@mcopsicologa

Mariana Crepaldi é Psicóloga Coach, empreendedora, fundadora da Facilitah – desenvolvimento continuado para psicólogos, Projeto SIM, Projeto RIC – reconhecer, identificar e corrigir, Club da Psi e “Desculpe eu não sou daqui”.

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