A importância do sono na prática da Psicologia

Vamos falar sobre o sono?

Esse aspecto é essencial para a saúde de qualquer pessoa em qualquer idade. O assunto é tão importante que pode afetar de maneira negativa na saúde mental, física, nas relações interpessoais, no trabalho e, até mesmo, na sua segurança.

A boa notícia é que podemos prevenir e melhorar significativamente boa parte das dificuldades com o sono sem utilizar medicação.

Você como psicólogo pode ter um papel fundamental, sabia?

Você já questionou o seu cliente?


Não sei se você já reparou que boa parte das pessoas que procuram algum serviço psicológico tem alguma queixa relacionada ao sono. Boa parte das vezes essa queixa não é verbalizada diretamente e é necessário que questionemos o seguinte: como está o seu sono?

Talvez você se surpreenda com as respostas que irá ouvir.

De maneira alguma estou me referindo apenas ao atendimento clínico, muito pelo contrário, essa pergunta se encaixa em vários contextos como: Organizações, Instituições, Escolas, Saúde, Jurídico e etc... O sono é inerente ao ser humano. Por isso, independente do contexto em que a pessoa está haverá impacto negativo se o sono não for de qualidade.

É essencial compreender que, as queixas elas existem, mas o Psicólogo pode não saber o que fazer exatamente com ela e, por isso não se aproxima para entender mais. Deveria ser totalmente ao contrário, já que estamos deixando de lado uma maneira totalmente nova de atuar e de obter bons resultados com nossos clientes sabendo realizar um bom direcionamento nesse aspecto.

Antes de abordar mais a psicologia em si, preciso que você entenda um pouco melhor sobre o sono e a razão pela qual não só os psicólogos, mas, as pessoas em geral, SUBESTIMAM o sono. 

O sono é subestimado!


As nossas horas de sono são as primeiras a serem reduzidas quando é preciso cumprir mais tarefas do que as 24h do dia são capazes de comportar. É possível deixar de realizar uma alimentação adequada e, talvez até de realizar aquela atividade física do dia. Mas a primeira coisa a ser cortada são as horas de sono.

A ideia de que dormir é um tempo perdido faz parte do dia a dia desde a revolução industrial e, desprezamos fortemente até hoje. Dormir horas a mais significa trabalhar horas a menos, ou seja, horas foram desperdiçadas. Para sustentar a nova forma de trabalho com máquinas e luz artificial, não dormir passou a ser considerado sinal de força.

Ainda hoje é muito fácil ver pessoas se enchendo para falar que tem descansado poucas horas de sono e, assim mesmo, estão trabalhando bem motivadas. O discurso competitivo se acentua em alguns ambientes de trabalho, entre estudantes, entre mães de bebês recém-nascidos.

O fato é que se subestima o quanto ele é essencial para a saúde e o preço cobrado pelo corpo e mente é bastante alto.

Quem precisa dormir?


Imagine se você, por qualquer motivo, tivesse que ficar 30 horas acordado. Talvez começasse a se sentir menos ativo, mais sonolento, sua memória e capacidade de concentração comprometidos. Aos poucos suas emoções ficariam evidentemente desequilibradas e nada iria funcionar adequadamente. Péssimo, não é?

Todas as pessoas precisam dormir, de preferência mais de 6h por noite, todas as noites. Isso porque o sono contribui para:

  1. Manutenção e qualidade da vigília
  2. Desempenho psicomotor
  3. Conservação de energia e promoção de processos anabólicos
  4. Mecanismos de termorregulação do cérebro
  5. “Desintoxicação” do cérebro
  6. Manutenção do sistema imunológico
  7. Desenvolvimento e maturação do cérebro
  8. Plasticidade cerebral
  9. Formação e consolidação da memória
  10. Regulação de processos metabólicos
  11. Substrato dos sonhos

Significa que, se uma pessoa não dorme o suficiente ela terá impactos na saúde tanto a curto quanto a longo prazo. Diversas pesquisas científicas demonstram que pessoas que tem pobre qualidade do sono sentem impactos negativos na capacidade de atenção, na memória e aprendizado, no sistema imunológico. Além disso, aumenta o risco de desenvolvimento de diabetes, obesidade, câncer e condições psicológicas como ansiedade, depressão e estresse.

A reparação do sono é tão poderosa que, os prejuízos físicos e mental de uma noite se sono ruim são maiores que a equivalente falta de alimento e exercícios. Ou seja, ao lidarmos com pessoas sempre se esbarra nessa questão mesmo que sem querer.

Agora que você já sabe o quanto é importante você pode escolher o que fazer: utilizar a seu favor ou ignorar.

Eu escolhi dar valor e vou te contar o que aconteceu.

Prestando atenção ao SONO


Hoje cerca de 45% das pessoas no mundo tem queixas de problemas com o sono. São tantas pessoas que já é considerada uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim, os países onde o tempo de sono diminuiu de maneira mais marcante durante o último século, também são aqueles que apresentaram maior aumento nas taxas de doenças físicas e de transtornos mentais.

Quando eu comecei a pesquisar sobre o sono e, acabei me deparando com dados epidemiológicos bastante elevados fiquei me questionando porque não falamos sobre isso? E ainda mais, por qual razão não utilizamos isso na nossa prática. A inquietação foi tanta que direcionei a minha tese de doutorado para entender melhor como que a qualidade do sono e a qualidade de vida poderiam refletir na prevenção da depressão.

Durante alguns anos percebi que a associação entre sintomas, sentimentos e emoções é bastante íntima com a qualidade do sono. Quando falo de ASSOCIAÇÃO, eu quero dizer que NÃO é possível falarmos simplesmente de causa e efeito:


Pois tanto o sono influencia as emoções quanto as emoções influenciam o sono ao mesmo tempo. Essa associação tem que considerar outros fatores externos a ela para poder compreender como essa relação se dá na individualidade de cada pessoa.

Para compreender o que está influenciando o sono de um cliente, eu indicaria que você considerasse os seguintes fatores:

  1. Sexo (Feminino ou Masculino), é importante saber o sexo para compreender como se dá a fisiologia do sono daquela pessoa pois sim existem diferenças significativas entre eles, independente da identificação de gênero. Os hormônios fazem um papel muito importante no sono e, especialmente, em mulheres é preciso investigar as questões de ciclo menstrual e maternidade.
  2. Trabalho – identificar qual tipo de trabalho a pessoa realiza, o turno e a satisfação com a atividade executada. Há quem realize trabalho por turnos e noturnos que prejudicam o sono e precisam de orientações específicas para equilibrar e adequar a quantidade de horas necessárias de sono. Além disso, a quantidade de horas que essa pessoa trabalha, considerando horas trabalhadas dentro do ambiente de trabalho e fora.
  3. Rotina – perceber a rotina dessa pessoa, se ela mora sozinha ou acompanhada, se tem filhos, se é casada, se cuida de alguma pessoa adoecida. Ou seja, todo o contexto que essa pessoa está inserida.
  4. Idade – é uma criança pequena, criança em idade escolar, pré-adolescente, adolescente, jovem adulto, adulto ou idoso. Cada fase tem uma característica bastante específica e por isso a idade é tão importante.
  5. Saúde – procurar saber qual o histórico de saúde dessa pessoa. Durante a vida teve ou tem alguma doença, sua alimentação é adequada, realiza atividade física e outras recorrências que possam surgir relacionada a saúde/doença.

E depois que eu tiver toda essa informação?


Você vai começar a perceber o que não está equilibrado na vida do seu cliente. Entender bem a história e o momento de vida da pessoa é a chave para conseguir encontrar informações das mais importantes para delimitar os próximos passos. Provavelmente você já sabia isso de outras abordagens ou nichos de atuação e aqui não será diferente.

Perceba em que LUGAR está a queixa do sono do seu cliente.

A queixa está relacionada às relações interpessoais, ao trabalho, ao ambiente ou, ao corpo (nível fisiológico)? Qual a intensidade dela (Leve, Moderada, ou Severa)?

Conseguindo sistematizar toda essa informação você já terá dados não só para trabalhar com a queixa do sono quanto com outras que estão associadas.

Lembre-se o sono e as emoções estão ASSOCIADAS e, por isso, se você realizar alguma intervenção nas emoções o sono pode ser melhorado e vice-versa.

Pena que nem sempre é simples assim, e você precisa acumular mais informações para conseguir ser eficaz de verdade. Entretanto, se você já foi capaz de começar a pensar sobre o assunto e planejar como pode incrementar sua atuação com o sono, considere que já tem um diferencial em suas mãos.

Por fim, eu quero deixar algumas dicas práticas do que é possível fazer para melhorar o nosso próprio sono e, assim, sermos capazes de ajudar o outro a dormir bem.

Não se esqueça, não somos capazes de ensinar aquilo que ainda não sabemos, ou seja, se você ainda não dorme bem comece investindo primeiro em você para depois trazer isso para o seu cliente de maneira efetiva.

Agora vamos as dicas para a noite:


Manter horários regulares – ir para a cama mais todos os dias mais ou menos no mesmo horário ajuda o corpo a se acostumar. Mas ATENÇÃO! Uma pessoa que tem insônia pode se beneficiar primeiro ao ir dormir quando estiver cansado para depois criar um horário regular. Ficar “enrolando na cama” pode piorar algumas dificuldades para dormir.

Quarto para dormir – parece algo óbvio mas se prestar atenção logo perceberá que não é tão obvio assim. O quarto tem que ser adequado para dormir contendo uma cama confortável, roupa de cama agradável, temperatura adequada, escuro e silencioso. A intenção é que se tenha vontade de ir dormir, quanto mais convidativo ele for melhor.

Cama para dormir e sexo – usar a cama para descanso e sexo apenas. Esqueça aqueles hábitos de comer, ler, assistir televisão, estudar, entre milhares de outros que comumente algumas pessoas fazem em cima de suas camas; é realmente muito ruim. O seu cérebro tem que reconhecer aquele espaço com uma função específica, caso contrário ele terá que sempre “esperar” para saber o que vai acontecer em seguida, podendo ser prejudicial para o momento do sono.

Ir para a cama com sono – ir para a cama cansado todas as noites e, em caso de ir se deitar e começar a pensar em muito problemas, melhor se levantar e ir fazer algo que possa se acalmar. Manter a cama associada a momentos agradáveis colabora com o dormir mais rápido. Repetir a dificuldade para dormir em cima da cama não vai deixar as coisas mais fáceis.

O sono faz a manutenção para que o corpo e mente funcionem adequadamente. Dormir com qualidade depende sempre de DURAÇÃO (quantidade de horas suficientes para o seu descanso, nunca sendo inferiores a seis hores por noite), CONTINUIDADE (os ciclos do sono devem ocorrer continuamente sem interrupções), e PROFUNDIDADE (o sono deve ser suficientemente profundo para a pessoa se sentir bem no dia seguinte).

A minha intenção com esse conteúdo é instigar você a pensar como o sono pode transformar o seu trabalho como profissional da saúde mental.

Espero que tenha gostado e, se você tem alguma dúvida ou sugestão deixe nos comentários para que possamos construir um caminho interessante com novas possibilidades para a sua atuação.

Autor Nathália Brandolim Becker

Nathália Brandolim Becker

@nabecker

Psicóloga, Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP - Brasil) e Doutora em Psicologia (UAlg – Portugal). Realiza pesquisas na área da Psicologia da Saúde, especialmente o sono. Investigadora colaboradora do CIEO (Portugal) com diversos trabalhos científicos publicados em revistas internacionais. Atua como Psicóloga Clinica e Orientação para o Sono, além de realizar mentoria a Psicólogos.

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