Winnicott e o processo de recrutamento e seleção nas empresas

  • Olá!

    Esse é um artigo especial sobre recrutamento e seleção.

    Aqui, o objetivo não é descrever ou dar dicas sobre a execução do processo, mas descrever e exemplificar a interação de alguns conceitos desenvolvidos por Winnicott com esta prática.

    Desta forma, ao final desse artigo você será capaz de:

    1. Identificar a relação da maturidade emocional do a prática de recrutamento e seleção;
    2. Compreender a importância do ambiente neste processo;
    3. Dar exemplos de como iniciar esta prática;
    4. Distinguir as variações de recrutar e selecionar entre níveis hierárquicos.

    Vamos lá!

    Eu seleciono ou você me seleciona?


    O psicólogo possui um espaço importante dentro das empresas e organizações... não, não, não.

    Historicamente, a Psicologia Organizacional... também não!

    Acho que podemos pular essa parte histórica, para irmos direto ao ponto. E se você quiser informações sobre a história, acesse o canal Psicologia Organizacional.

    Bom, recrutar e selecionar uma pessoa para uma vaga, diz muito mais do que simplesmente uma troca de favores profissionais e de interesses comerciais. Afinal, não é só uma empresa que abre as portas para os seus candidatos, mas os candidatos, pelo menos os mais maduros, decidem se querem abrir as suas portas também.

    Embora a maturidade esteja prevista para o vídeo final, de encerramento dessa série de conteúdos especiais, no contexto de R&S, não se trata da experiência profissional do candidato para ser selecionado, mas de uma estrutura emocional segura, um lado de dentro fortalecido, que permita a ele se arriscar a dizer “não” quando constatar que determinado lugar não é adequado para os seus propósitos.

    Seja em uma empresa ou em outra, o profissional dedica-se a entregar o que tem de melhor. Christophe Dejours, no livro “A banalização da injustiça social”, aponta que as pessoas depositam energia, paixão e investimento pessoal no trabalho em troca de reconhecimento.

    Quando a recompensa não é dada, ocasiona na insatisfação e sofrimento, prejudiciais para a saúde mental.

    Pois é! A maturidade nunca foi tão bem-vinda para um candidato, quando este, se depara com uma oportunidade que independe do porte da empresa e do dinheiro no bolso: sua missão, visão e valores pessoais devem (seria ideal), estarem alinhados aos mesmos pontos da companhia.

    E você, psicólogo, já pensou nisso?

    Quando você se prepara para uma entrevista, o que você analisa?

    1. Currículo;
    2. Cultura;
    3. Dress code;
    4. Pernas ou os braços cruzados.

    E o que você faz antes de entrevistar alguém?

    Como você define uma vaga?

    As demandas chegam e você vai absorvendo?

    O que os gestores poderão oferecer a um candidato, e o que eles poderão esperar dos gestores?

    Como está esse ambiente para recebe-los?

    Todas essas perguntas para chegarmos aqui, no “ambiente”.

    Ambiente


    Recrutar e selecionar pessoas, é um processo que facilita com que a empresa tenha profissionais qualificados e muito produtivos. Desta forma, o que se espera é que eles atendam a pré-requisitos... que eles “caibam na camisa”. Afinal, eles irão vesti-la.

    Para chegar a isso, muitos psicólogos – vou focar apenas no profissional psico – utilizam uma técnica muito popular no mercado: a entrevista por competência.

    É um processo interessante, em que o entrevistador pede ao candidato que conte situações reais em sua trajetória profissional, para comprovar como ele fez para resolver um problema, atingir uma meta... enfim!

    De fato, isso poderá mostrar que o candidato é brilhante. No entanto, diante dessa proeza toda, será que ele ainda se encaixaria em um ambiente novo, em uma cultura nova?

    Pense bem...

    Winnicott dizia que a chave para saúde na primeira infância é o instinto. O nível máximo de excitação desse instinto, leva o bebê a se preparar para satisfação. Se ele se satisfaz no momento propício, recebe o prazer e o alívio temporário para esse instinto. Se a satisfação é incompleta, o alívio também será.

    Será que depois de adultos, ainda agimos assim? Quantas pessoas têm seus instintos parcialmente insatisfeitos, por exemplo, no trabalho?

    Freud diria que a pessoa poderia estar “cristalizada no passado”. Já Winnicott, o que está escrito acima, sobre os instintos. Eu digo que está é uma situação inevitável, já que o instinto faz parte da nossa natureza e, vez ou outra, dependendo do estágio de nossa maturidade emocional, evocamos, com extrema força, a nossa criança interna.

    Tá certo, você vai argumentar que isso não tem nada a ver com R&S, já que alguns funcionários poderiam estar assim por trabalharem na empresa há muito tempo.

    Concordo.

    Mas quantas pessoas poderiam estar melhores, se na seleção delas não fosse considerado apenas os resultados corporativos, mas o match de seu ser, de sua cultura e propósito com os da empresa?

    Uma vez, fazendo um trabalho de consultoria para desenvolvimento de um grande evento de líderes para uma empresa, o cliente deu um exemplo perfeito do que é contratar alguém selecionando quem ela é, e não os resultados que ela dá.

    Ele comentou que, certa vez, em uma mesa de bar, um garçom fez um trabalho maravilhoso. Proporcionou um atendimento impecável: simples, direto, com foco do cliente, sorrindo. Tais comportamentos em muito tinham a ver com algumas características culturais da empresa em questão.

    O convite para o recrutamento foi feito. A seleção foi realizada. E o profissional contratado.

    A proposta, nesse caso, era encontrar alguém que suportasse e que fosse suportado pelo ambiente. Quanto as qualificações técnicas, isso ele aprenderia, pois, a proposta da empresa é a adesão a cultura por meio do comportamento.

    O resultado nos negócios viria com o tempo, de acordo com a disposição do ego auxiliar, digo, do líder em fornecer ao profissional a continuidade de tempo para seu aprimoramento. Dessa forma, preenchendo, pouco a pouco, o seu lado de dentro com coragem para os novos desafios.

    Sabe quando uma criança começa a andar e você vai ali, segurando e escorando-a até que ela tenha segurança suficiente para dar alguns passos sozinha? Se a cada falha você a repreender, são grandes as chances de tardar a sua disposição, vontade e criatividade por se aventurar pelo novo e acreditar em si mesma.

    Você identifica alguém assim, no recrutamento?

    Um currículo irá mostrar isso?

    E o que um gestor teria a dizer?

    O papel do psicólogo


    O psicólogo, ou melhor, você é o grande responsável por mediar essa preparação, pois irá executar ou pelo menos, planejar a captação e seleção de pessoas. Obviamente não será você, recrutador, o responsável por mudar a cultura da empresa.

    No entanto, a sua análise, perspicácia e porque não dizer, influência, poderão mostrar inúmeras alternativas para buscar o lugar certo para pessoa certa, e não o contrário. Lembre-se que estamos falando do ambiente e recrutar e selecionar, demandam preparar o espaço para receber novas pessoas e dar a elas a oportunidade necessária para evoluírem.

    Ora! E não é isso o que os pais fazem com seus filhos? Não é isso que fazemos na terapia, com os pacientes? Cenários diferentes para uma mesma essência, fenômeno, psicodinâmica...

    É por isso que recrutar alguém não implica apenas em abrir as vagas e esperar as pessoas se candidatarem. Antes, é necessário olhar para dentro.

    Recrutando e selecionando


    1. Recrute os gestores

    Vá para o mercado e conheça diferentes estilos de pais gestores. Não veja somente os números alcançados e não tenha apenas o Great Place to Work como referência. Pegue o que você viu de novo e velho, bom e ruim, e traduza para a realidade da sua empresa.

    É claro, não faça isso sozinho! Ganhe força por meio de parcerias, pois, o objetivo dessa etapa, será recrutar conhecimento e compreensão sobre como esse ambiente, formado e influenciado pela mãe e pelo pai pelos gestores, poderá formar boas pessoas e, ao mesmo tempo, ser formado por elas.

    Estimule-os a olhar para dentro primeiro, para fortalecerem as suas forças na futura criação dos seus filhos no futuro desenvolvimento dos seus funcionários, identificando não só as responsabilidades atribuídas a eles, mas o que receberão em troca por arcarem com isso.

    1. Selecionando gente

    Novamente, olhe para dentro!

    Não quero dizer que pessoas de fora não são boas o suficiente. Busque quem está no mercado, por que não? Só não esqueça dos grandes valores que você possui dentro de casa, pois essas pessoas já estão na balada da cultura organizacional, conhecem os processos, o clima, o ambiente.

    Mas, não é só porque elas já estão aí, dentro da empresa, que o manejo desse ambiente não precisará ocorrer. Lembre-se de que assumirão funções e posições diferentes. Assim, precisarão aprender e deverão ter um local suficientemente bom para que essa experiência ocorra com e sem falhas.

    “Poxa, Rodrigo, mas o meu público é outro. Eu trabalho no “chão de fábrica”.

    Você terá pessoas ávidas pelo aprendizado e pelo crescimento, assim como em outros níveis hierárquicos (talvez até mais!). Porém, também terá outras que necessitam apenas do básico para comer, independente das oportunidades de aprendizado.

    São pessoas que não querem arriscar uma promoção, por exemplo, e correrem o risco de perderem o emprego e o sustento de suas famílias. O encorajamento faz parte do processo. A confiança no ambiente poderá ser favorável. Contudo, você deve pensar que esse público já traz uma herança mais “cinza” do que a “colorida” esperada.

    Sim, um diretor, gerente, estagiário, especialista, presidente também. Todos têm um histórico e estes, se conectam a dois fenômenos existentes na terapia, que também se apresentam no R&S: a maturidade e a confirmação de um estado.

    Maturidade


    Pode ser que essas pessoas estejam amadurecidas em suas habilidades motoras, força física, mas não em suas emoções. Promovê-las, atribuir um desafio maior do que elas conseguiriam lidar, é como se o psicólogo interpretasse algo de seu paciente sem que ele ainda estivesse pronto para receber essa explicação.

    O que ele faria com a informação? Se defenderia? Recuaria? Entenderia?

    Em estágios mais primitivos do desenvolvimento, o que existe é uma profunda ligação com o seio, seja pela presença ou ausência dele. Se há uma presença, então há segurança. Se há ausência e falhas severas, há uma busca pelo preenchimento de um vazio existencial.

    Entende? Talvez essas pessoas estejam tão regredidas, que não conseguem sentir otimismo diante de desafios maiores.

    O que você faria nesse caso?

    Confirmação de um estado

    A situação anterior complementa essa aqui, pois nem sempre uma pessoa precisará evoluir, crescer e crescer até ser tornar um líder.

    Você já parou para pensar em quanto isso poderia ser incômodo para algumas pessoas?

    Pois é! Na terapia, embora muitos pacientes se apresentem com problemas, nem sempre eles querem uma solução. Na verdade, se contentam em reclamar do mundo... porque mudar dá trabalho.

    Voltando às empresas, pense que algumas pessoas podem ser felizes por fazerem o que querem, sem grandes destaques, apenas seguindo ali, discretos e tranquilos.

    E tudo bem! Cabe ao psicólogo ser paciente e empático, bem como o gestor, ao compreender que não há nada de mal se o seu liderado permanecer na mesma função, garantindo o seu ganha pão e executando o seu trabalho com primor.

    O que não dá é forçar um amadurecimento precoce (aí voltamos ao ponto em que o paciente não está pronto para receber a interpretação).

    Em o Brincar e a Realidade, Winnicott aponta para o desenvolvimento precoce da cognição, pulando estágios importantes de experiências imaginativas que estimulam o desenvolvimento da criatividade, cultura, alegria, de todo um colorido especial atribuído a vida de uma pessoa.

    Até que ponto selecionar pessoas com esse perfil seria interessante?

    Sinceramente, eu não sei! A realidade é sua. A sensibilidade está com você. O cenário que se apresenta é todo seu. O meu papel aqui é... digamos... provocar ????

    Encerramento


    Mesmo que a dinâmica de recrutamento e seleção da sua empresa não envolva a maturidade para formação e identificação com a cultura, você poderá fazer disso um processo seu, para depois compartilhar e replicar os resultados.

    E se, ainda assim não der certo, porque o apoio foi pouco, com críticas duras e julgamentos incessantes, pontuo duas coisas:

    1. Talvez seja hora de repensar a sua permanência nesse ambiente. Afinal, você também deve recrutar e selecionar o local adequado para você.
    2. Quem sabe rever a sua profissão como recrutador e selecionador para o futuro. De acordo o relatório “Futuro do Trabalho”, composto por dados do Fórum Econômico Mundial, 65% das crianças que começam a estudar hoje em dia, trabalharão em empregos que ainda não existem.

    Pois é! Se essas funções serão totalmente novas, porque acreditar que os processos antigos para recrutar e selecionar serão os mesmos, se é que existirão, não é mesmo?

    Se o ambiente muda, mude e aprenda com ele. Pois, embora o desenvolvimento seja algo inato, próprio de nossa natureza, não significa que não precise ser conquistado.

    Grande abraço.

Autor Rodrigo Moreira

Rodrigo Moreira

@rodrigomoreira1009

Rodrigo Moreira é psicólogo e especialista em gestão de pessoas. Como consultor, tem sólida carreira desenvolvida em grandes consultorias de educação corporativa. É escritor, tendo lançado seu primeiro livro Ele não é isso pela Editora Arwen; e futuro psicanalista winnicottiano. Em seu “lado B”, é nerd, fã de Senhor dos Anéis e Star Wars. Tem, até hoje, seu quartel general, veículos e action figures dos G.I. Joe (Comandos em Ação).

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