Menos blá blá blá e mais Entrevista

Se você já percorreu o conteúdo de Avaliação Psicológica aqui da Academia do Psicólogo, você vai perceber que eu sempre trago a necessidade de utilizar mais de uma ferramenta para a realização de uma avaliação. Na verdade, não sou só eu que faço esta sugestão, mas o próprio conselho em sua Cartilha e Manual de Avaliação Psicológica. Nestes materiais, recomendam o uso de 2 ou mais ferramentas para chegar em um diagnóstico adequado.

E, quase sempre, dentre as recomendações está a utilização da entrevista.

Temos a tendência de fazer os testes com calma, utilizar as ferramentas com cautela de dar a devida importância: atenção com a mesa, tempo e materiais utilizados, ou ainda, jogos lúdicos nos quais é necessário uma observação focada no comportamento do examinando. Mas, por parecer tão simples, a entrevista muitas vezes é realizada de maneira leviana.

Por isso, hoje nós vamos aprender a fazer uma entrevista de forma séria, estruturada e que seja mais do que perguntas prontas com respostas prontas.

Antes de mais nada, precisamos entender que entrevista é diferente de anamnese:

  • A anamnese segue um roteiro definido, com perguntas prontas sem se preocupar com a singularidade da demanda em que o examinando está. Ela é mais profunda, e vai relacionar com toda a história do indivíduo do passado ao presente, bem como, sua história familiar.
  • Já a entrevista é mais curta, focada na demanda presente do examinando e não necessariamente segue um roteiro pré-definido. Ela geralmente trabalha o examinando no presente, sem perguntas profundas sobre infância ou família, mas do seu estado atual.

Como a entrevista vem acompanhada de outras ferramentas como testes, ela também é o momento em que o profissional levanta informações se o examinando está apto fisicamente e emocionalmente para a submissão a estes.

Atenção: para Avaliação Psicológica você pode utilizar a entrevista ou a anamnese como ferramentas. Sua escolha vai depender de alguns fatores, mas principalmente do que é necessário avaliar e das características do examinando.

Se, por exemplo, você tem a demanda de avaliar se uma pessoa está apta ou não a exercer determinada atividade, você pode escolher entre ambas, porém, nestes casos geralmente a entrevista é utilizada. Entretanto, se você tem como demanda avaliar se uma criança é autista ou não, é mais interessante você utilizar a anamnese para entender toda sua história de vida até o presente momento, que provavelmente será realizada com os pais do examinando.

Percebem como há diferença?

Não há uma regra entre o uso de uma ou outra, mas um bom senso na utilização em cada demanda e suas necessidades. Como a entrevista é mais utilizada por sua flexibilidade e praticidade, trataremos aqui sobre as suas características.

Uma entrevista é a relação de troca entre duas pessoas ou mais (em casos de realização com os pais, por exemplo, é realizado por 3 pessoas), na qual há a necessidade de levantamento de informações pertinentes a demanda.

Entrevista aberta ou estruturada?


A Entrevista Estruturada é aquela fechada em suas perguntas. Sua utilização é muito comum em momentos de pouca empatia e processos burocráticos. Neste tipo, o profissional e os entrevistados não saem do roteiro, permanecendo somente com as perguntas já programadas. Esta modelo é categorizado como entrevista por ser menor que uma anamnese e mais focal, porém tem a característica de ser restrita as perguntas programadas.

Já na Entrevista Aberta é possível utilizar as perguntas pré-prontas e improvisar de acordo com o momento e o entrevistado. Não é necessário seguir prontamente o roteiro e eu, pessoalmente, recomendo mais este tipo de entrevista, pois facilita a empatia ao examinando, tornando este processo natural, mais como se fosse mais uma conversa do que uma avaliação em si.

A Entrevista Aberta te permite mais possibilidades. Inclusive de avaliar situações e características não programadas. E só de impulsionar o examinando a sentir-se confortável e seguro, já é um ótimo benefício. Mas, fique a vontade. E novamente, fique atento ao que cada demanda e examinando se encaixa melhor.

Se temos uma situação em que o examinando foge muito das perguntas, divaga muito nas respostas e é pouco claro, talvez seja melhor uma Entrevista Estruturada para trazê-lo mais próximo das informações que queremos obter.

Por mais que este comportamento já seja por si só um motivo de avaliação, em alguns momentos é necessário continuar com a avaliação e, nestes casos, uma entrevista fechada será benéfica para o examinando e para o desenvolvimento da avaliação.

Perguntar o que?


Você deve estar se perguntando: mas quais perguntas devem ter em uma entrevista? O que devo perguntar?

Calma!

Eu trago aqui para você um roteiro de entrevista, que pode e deve ser customizado para sua prática profissional, demanda e personalidade. São 37 perguntas que vão te orientar na realização de uma entrevista séria, ética e com mais informações recolhidas: menos blá blá blá sem sentido e mais utilização eficaz desta ferramenta.

Irei colocar aqui todas as perguntas com uma pequena explicação, você pode utilizar este roteiro e customizá-lo, como achar melhor.

Vamos começar!

1) Data - É sempre importante colocar data em qualquer documento que você realizar. Isto porque, caso haja a necessidade de apresentação, terá validade frente a autoridades. Além do mais, é mais organizado você saber quando realizou cada procedimento.

2) Nome completo - Você irá escrever o nome do examinando, ou suas iniciais caso haja a possibilidade de alguém ter acesso ao documento.

3) Sexo - Neste momento você irá dizer o gênero do examinando. Em situações de mudança de sexo ou transgênero é necessário detalhar.

Uma recomendação é que em casos de mudança de sexo ou similares, você como profissional aproveite este momento para perguntar sobre este fator na vida do examinando. Aspectos como: quando foi realizada a mudança, quando sentiu que era transgênero, como foi essa aceitação para ele e para sua família e assim por diante. Claro, sempre respeitando o examinando e até a possibilidade deste não querer falar sobre isto.

4) Idade e Data de Nascimento - A idade e data de nascimento vai te dar exatamente os anos, meses e dias de vida do examinando. E será neste formato que deverá constar no relatório de entrevista final. Ou seja, se o examinando tem 49 anos e nasceu dia 21/11/1967, então a idade dele em termos Psicológicos será: 49 anos, 2 meses e 3 dias (contando que o dia da contagem foi 18/01/2017).

Por que isso? Porque alguns testes é necessário fazer esta contagem, inclusive há resultados diferentes para idades (em anos e meses) diferentes. Por isso, na Entrevista geralmente já é colocado neste formato.

5) Escolaridade - Esta é uma pergunta que, além de necessária para o uso de testes (já que vários deles possuem como pré-requisito um nível mínimo e máximo de escolaridade para submissão), também se faz necessária para entender o contexto social do examinando.

Esta pergunta pode ser um “gancho” para outras perguntas.

Se o examinando diz que parou de estudar, por exemplo, você pode perguntar por que desta decisão, se ele voltasse a estudar o que ele gostaria de fazer, o que o impede e assim por diante. Se o examinando disser que finalizou uma graduação, por exemplo, você pode perguntar se ele gostou do curso, se é o que ele sempre sonhou ou até mesmo se tem vontade de fazer outro curso.

Inclusive, muitas vezes esta pergunta leva ao assunto família do examinando, que também pode ser conversado.

6) Profissão - Saber a atividade atual do examinando pode ser contextualizado junto a Avaliação Psicológica.

7) Motivo da Avaliação - Aqui você vai descrever a demanda. Você pode já ter percebido esta informação, porém, é interessante você perguntar o que trás o examinando ali, o que se espera que seja avaliado e o porque da avaliação. Deixar o motivo claro tornará o seu trabalho mais claro também.

8) O que você fez ontem? - É uma pergunta interessante para você conhecer um pouco da rotina do examinando, da capacidade de memorização deste e saber se houve alguma atividade que comprometesse a avaliação.

Afinal, se, por exemplo, o examinando diz que ficou no bar com os amigos, fazendo uso de bebida alcoólica até as 5h da manhã e são 10h da manhã no seu consultório, logo, você vai saber que ele não possui capacidade física e emocional de ser avaliado. Da mesma maneira se fez uso de drogas, se passou por uma situação traumática que não foi bem elaborada ou qualquer outro motivo que o faça ser inapto para avaliação é necessário sabermos naquele momento.

9) Dormiu bem esta noite? - Uma noite mal dormida pode alterar e muito na percepção, reflexos e torna o examinando inapto para a submissão à testes por exemplo.

Houve um caso em que ao fazer esta pergunta para o examinando o mesmo disse prontamente que havia dormido bem. Porém, o teste ao qual foi submetido indicou alterações e eu percebi durante a realização do teste. Quando o examinando finalizou eu voltei a perguntar se ele havia dormido bem e informei que poderia haver alterações caso havia tido uma noite ruim.

Neste momento o examinando me contou que havia passado a noite no hospital com a mãe e que tinha ido direto fazer a avaliação. Expliquei para ele a importância de se dormir bem antes da avaliação, perguntei se teria alguém para ficar com a mãe dela na noite seguinte e reagendei para o outro dia.

Este é um exemplo da importância desta pergunta e como você pode trabalhar para que ela seja respondida honestamente.

10) A que horas dormiu? A que horas levantou? - Essas perguntas vão te dar um parâmetro de quantas horas por noite o examinando normalmente dorme e é mais uma forma de “pressionar” para que este fale a verdade.

11) O que você fez antes de vir para cá? - Esta é uma pergunta que dá um parâmetro da rotina do examinando e você pode avaliar se ele se alimentou adequadamente antes de ser avaliado. Afinal, não é possível avaliar se o examinando estiver com fome, por exemplo. O estado de fome altera a percepção, reflexo e altera os resultados da avaliação.

12) Geralmente você deita e acorda que horas? Outra maneira de ver a rotina do examinando. Inclusive se ele esporadicamente tem trabalhos noturnos.

13) Você lembra dos seus sonhos? São agradáveis ou desagradáveis? - Esta é uma maneira de você avaliar como está a saúde emocional do examinando.

14) Você se alimenta bem? O que não gosta de comer? - São perguntas que permeiam a rotina do examinando, da qualidade de alimentação dele. Em situações de Avaliação Psicológica para cirurgia bariátrica é uma pergunta que se faz muito importante e que inclusive deve ser utilizada como “gancho” para entendimento da relação do examinando com a comida.

15) Você já ouviu algum comentário de como nasceu? - É uma pergunta que capta levemente sobre a infância do examinando. É interessante para saber se foi um parto normal ou cesárea, pois sabemos lá da Psicologia do Desenvolvimento que é uma informação importante. Pode acontecer de neste momento o examinando relatar que é filho adotivo e ser mais uma informação para a avaliação.

16) Você já ouviu algum comentário sobre quando era bebê? - Esta pergunta leva o examinando à sua infância e a relatar as memórias que lhe foram concebidas. Além do mais, neste momento ele poderá relatar se houve alguma doença grave ou outras situações.

17) Quais eram os comentários das pessoas de quando você era criança? Você sabe? - Esta pergunta novamente permeia a infância, mas também o que está no imaginário do examinando de como era quando criança.

18) Você fez maternal, jardim? - Pergunta que vai de encontro com informações educacionais e sociais do examinando.

19) Você teve alguma dificuldade na escola?

20) Você repetiu de ano? Em que série? - Saber como foi a vida escolar do examinando é importante para saber de seu contexto educacional e social. Estas perguntas podem mostrar como o examinando lidou com as dificuldades e como se relaciona com a escola.

21) Quais doenças você já teve? Em qual idade? - Um levantamento de informações fisiológicas também se faz importante.

22) Toma algum medicamento? Já tomou? Por que?

23) Alguém na família faz uso de medicamentos controlados? - Principalmente em casos de uso de medicamente controlado, é interessante sabermos o que levou o examinando a faz uso destes. E, quando perguntamos sobre a família é porque alguns casos podem ser hereditários. Por exemplo, casos de alteração da pressão, pode ser visto em diferentes membros da família e faz necessário uma atenção especial.

24) Já foi hospitalizado? Qual idade? Quanto tempo? Por que?

25) Você ou alguém na sua família apresenta alergias, asma, alcoolismo ou dependência química? - Novamente é um levantamento do histórico médico do examinando.

26) Você tem muitos amigos? Tem facilidade em fazer amigos?

27) Quanto tempo em média tem de amizade? Quais atividades fazem juntos? - Estas perguntas possibilitam uma análise da vida social do examinando e de sua relação com outras pessoas.

28) Você pratica algum esporte?

29) Você fuma ou faz uso de bebida alcoólica?

30) O que você faz quando não está trabalhando ou na escola?

31) Atualmente como é sua vida? - Estas são perguntas que trazem o examinando ao presente, à sua rotina e vida cotidiana. É interessante para um conhecimento mais aprofundado deste.

32) Você se acha feliz? O que é ser feliz para você? - Entender suas emoções atuais e saber como ele se enxerga em seu contexto é o objetivo desta pergunta.

33) Você já teve contato com algum Psicólogo?

34) Já foi submetido a Avaliação Psicológica ou algum teste? Por que? - Neste momento iremos entender sobre o conhecimento do examinando frente ao que será realizado e finalizaremos com a explicação do processo que será feito em seguida.

Percebam que este roteiro de Entrevista permeia superficialmente diferentes áreas da vida do examinando e sua história, finalizando no presente, já com a pergunta que vai possibilitar você explicar o que será realizado.

Não fique preso a este roteiro.

Sim, estou repetindo para que você entenda que esta é uma sugestão, mas que é importante você adaptar ao seu contexto profissional, a demanda que irá atender e principalmente sua personalidade como profissional.

Espero que tenha gostado deste artigo!

Autor Tássia Garcia

Tássia Garcia

@tassiagarcia

Eu sou Tássia Garcia, psicóloga por formação e empreendedora por vocação. Aprendi estudando, errando e praticando que ser Psicóloga é muito mais que eu aprendi na graduação. Atualmente utilizo meus conhecimentos em avaliação psicológica, inovação profissional e a experiência como coach e consultora para auxiliar outros profissionais a se posicionarem no mercado, construir estratégias de marketing e terem maior reconhecimento.

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