Maturidade para brincar – Brincar para ser maduro

Quando as pessoas atingem a maturidade, tornam-se capazes de contribuir para o ambiente. Elas cuidam do espaço em que vivem e, individualmente, tornam-se responsáveis por si próprias.

Nesse contexto, o brincar se faz necessário.

Não me refiro a esse momento só pela diversão, mas por haver um “fazer criativo”, originado da ilusão do bebê e de seu reconhecimento do mundo externo: o “não-eu”. Tudo isso, acontecendo num estado intermediário.

Esse estado ou área intermediária, permeia a vida da criança desde sua inabilidade e completa dependência, até o momento em que ela reconhece e aceita sua realidade.

Vamos pensar: e se, quando essa criança crescer, ela tiver problemas em aceitar a realidade? E se outros compartilharem de sua ilusão também?

Lembro que para ela, essa ilusão pode ser real. Uma “realidade” compartilhada com pessoas menos maduras, que perderam suas individualidades ao se relacionarem frequentemente, com fantasias que não são delas – “não-eu”.

A maturidade e a “loucura” entre uns e outros


“Nas comunidades em que há uma proporção suficiente elevada de indivíduos maduros, existe um estado de coisas que proporciona a base para o que chamamos de democracia. Se a proporção de indivíduos maduros se encontra abaixo de um certo número, a democracia não poderá se tornar um fato político, na medida em que os assuntos da comunidade receberão a influência de seus membros menos maduros, aqueles que, por identificação com a comunidade, perdem a sua individualidade, ou aqueles que jamais alcançaram mais do que a atitude do indivíduo dependente da sociedade”. D.W. Winnicott – Natureza Humana

Dessa citação, podemos pensar numa coisa: que todas essas pessoas “menos maduras”, ao se relacionarem com aquilo que não é delas, não conseguem evoluir de uma relação intermediária: da ilusão para realidade.

Assim, a “loucura coletiva” acontece!

E olha que nem é preciso usar uma camisa de força para constatar isso. Hoje em dia, basta ser presidente de uma grande nação – desculpe, mas não pude evitar o trocadilho... aiai ???? ????

Voltando a discussão, atingir a maturidade exige uma relação importante com o objeto (mãe-seio) e tudo o que ele representa: segurança, acolhimento, atenção, ansiedade, insegurança, raiva.

Aos poucos, o bebê vai descobrindo e utilizando seu corpinho; compreendendo que existe algo separado de sua mãe. Dessa forma, chupar os dedinhos das mãos, levar os pezinhos a boca, por exemplo, será a primeira demonstração de afetividade.

É como se o bebê dissesse assim:

“Mamãe, tô aqui chupando meu dedo, fazendo igualzinho quando eu mamo em você. Viu o que eu aprendi com o carinho que você me dá?”

So cute!!!

Além da afeição, o bebê dá início a um relacionamento exploratório: criativo, inventivo, de construção e desconstrução, imitação, customização.

Chupar o Dedo = Chupar o Seio.

Esse comportamento o levará a sua primeira possessão, pois, da mãozinha, ele evoluirá para uma boneca, ursinho, bolinha... um brinquedinho – objeto externo – que será manuseado posteriormente.

No livro “O Brincar e a Realidade”, estão listadas algumas considerações sobre objeto, que considero importantes compartilhar com você. Veja:

  • Natureza do objeto;
  • Capacidade do bebê de reconhecer o objeto como não-eu;
  • Localização do objeto (dentro, fora, no meio);
  • Habilidade do bebê de criar, imaginar, inventar, produzir o objeto;
  • Afetividade em relação a ele.
Toda essa experiência com o objeto é importante para que o bebê, gradualmente, comece a distinguir a ilusão da realidade:

EU # NÃO-EU

 REALIDADE INTERNA # EXTERNA.

Fica a dica! Em nossa natureza podemos fazer essa distinção; contudo, nós, psicos, não devemos considerar apenas a separação pela separação entre o “eu e o não-eu”, sem colocar no pacote toda uma relação afetiva, projetiva, do bebê com objeto.

O caminho para distinguir entre isso ou aquilo, criar e “descriar”, chupar a mão ou o pé, acontece na área intermediária. Um espaço favorável para que os fenômenos transicionais aconteçam.

Brincar


Um brinquedo, uma fraldinha, um travesseirinho serão apenas objetos inanimados, sem o colorido criativo das crianças. Por meio dos fenômenos transicionais, elas utilizam suas criações para acalmá-las durante o sono, contra a ansiedade, frustração. Além de todo carinho e amor despendido a eles.

Pois é, falo aqui do objetivo transicional.

Fica a dica! Por vezes, é possível que o objeto transicional seja a própria mãe.

É o objeto que garante a presença da mãe, quando ela se ausenta dos cuidados de seu filho. Este, também sofre as consequências ao ser agredido pelos pequenos, numa clássica demonstração de desaprovação pela ausência materna.

Essa relação com o objeto transicional surge entre os 4 e 12 meses de idade; no entanto, poderá voltar na adolescência, vida adulta (por que não???), se uma necessidade aparecer.

Falo aqui de uma presença significativa, de um valor simbólico, real e primitivo, resgatado por uma pessoa, já maiorzinha, em momentos conflitantes. A salubridade dessa relação vai até o ponto em que esse objeto, assim como na infância, cumpre sua função e “desaparece”.

A realidade da relação com objetivo torna-se mais importante do que seu simbolismo.

Por exemplo: a fraldinha (“naná”), embora represente o seio em determinado momento, não é o seio propriamente dizendo. É uma fralda!

O fato de existir uma fralda é tão importante quanto sua representação materna, pois, ao longo da vida, o simbolismo adquire significados variáveis. E lidar com essas variações torna as pessoas capazes de aceitar as diferenças e as similaridades entre o real e o imaginário, entre pessoas e suas escolhas, por exemplo.

Contudo, pegue o contrário dessa situação, eleve esses fatos à uma “loucura coletiva”, e teremos uma pessoa que não distingue a ilusão da realidade, a fantasia da percepção de mundo, e pode muito bem influenciar outros a compartilharem disso.

Se isso acontecer, podemos pensar no que esta pessoa está tentando se comunicar... dizer.

A comunicação, meus amigos, nem sempre será verbal. E talvez ela esteja dizendo:

  • “Tenho um medo muito grande de ser machucado pelo mundo”;
  • “Me sinto muito mais seguro aqui, onde tenho controle de minhas ilusões, do que fora, onde não controlo nada”;
  • “Quero, mas não sei me adaptar à realidade”;
  • “A minha realidade é essa. De qual outra você está falando mesmo...?”;
Como dito acima, até a primeira possessão, o bebê faz algumas transições por meio de seu corpo, e gradualmente começa a se relacionar com o que está fora dele.

Desta forma, psicos, é comum partirmos direto para a existência ou não do objeto transicional na vida dos bebês; porém, não podemos perder de vista algumas coisas importantes:

  • Se a mãe foi o próprio objeto;
  • Se antes de desmamar, o bebê chupava o dedo ou manipulava alguma parte de seu corpo;
  • Se brincava com algum objeto ou animalzinho que confortava seus momentos mais ansiosos.
Sim, fui repetitivo nessa parte. Já disse isso acima, quando me referi ao livro “O Brincar e a Realidade”. Mas, como o texto é grande, vale dar esse reforço.

Dá para evoluir além disso, mas prefiro parar por aqui e mostrar um exemplo prático, fora setting clínico. Isso não apenas tornará mais “palpável” suas reflexões e apontamentos, como demonstrará que os fenômenos transicionais estão por aí, ao longo de nossas vidas e nos mais variados ambientes.

O dia em que os adultos brincaram no trabalho


Eu estava em uma maratona de trabalho, viajando para algumas capitais do Brasil para facilitar treinamentos para uma grande empresa de telecomunicação. O tema era “Rotina”, e o objetivo era inovar dentro dela.

Quem era eu para dizer àquelas pessoas o que fazer, pois eu pouco conhecia sobre o dia a dia delas, exceto aquilo que havia sido dito pelos gestores a mim.

O lance era deixar que trabalhassem, que encontrassem as respostas sozinhas. Nesse sentido, me dei conta do quão pouco eu fazia por elas.

Lembro de uma atividade em que elas precisaram montar um grande quebra-cabeças, com peças que não tinham um padrão em seus recortes. Quando eu disse: “Comecem”, eles iniciaram rapidamente as atividades. Absolutamente ninguém me perguntou se eu tinha um manual ou poderia compartilhar a imagem do jogo montado.

Eu poderia ter feito isso, mas ninguém me pediu. Ninguém cogitou a hipótese de olhar para fora e verificar os recursos disponíveis.

Assim, se desgastaram pra caramba, mas também se divertiram. A atividade foi cumprida. E quando eu disse que elas poderiam ter visto a figura montada, a reação foi dada em uníssono:

“Ahhhhh... não acredito!!!”

Essa atividade foi um pequeno recorte que levou muitas das pessoas daquela sala, a pensar em como recebiam suas demandas e as executavam sempre no “modo automático”.

Por meio dessa atividade, foi possível regredir a estágios mais primitivos também, que mostravam as birras, manhas, negações, disputas.

E fazendo uma analogia das relações do bebê com seu corpo, elas precisavam estar envoltas consigo mesmas, antes de terem tal insight. Gradualmente, durante nosso debriefing, tomavam consciência das possibilidades de explorações, criações e construções que existiam fora do mundo delas ou da rotina que as “engolia”.

Nesse caso, entendo que a primeira possessão dessas pessoas no mundo corporativo, que em alguma ocasião tornou-se seu objeto transicional, tenha sido a relação direta com seus gestores, e toda identificação materna e paterna direcionada para eles.

Não estou afirmando que eram exemplos de líderes perfeitos, assim como não existem mães e pais assim, no mundo real. Digo apenas que esse objeto “gestor”, tinha lá sua função: acolher, ensinar, desenvolver, apoiar, criticar, frustrar, limitar, pagar pelo o treinamento.

Ué, e não é assim em outras situações fora do trabalho?

É claro que, nem todas as pessoas naquela ocasião, sentiram e pensaram dessa mesma forma. Para algumas delas, o encontro como um todo não fazia sentido – embora tenham participado de todas as atividades. Aquilo não “dava liga”, pois suas relações com o ambiente já havia muito, se desgastado.

Para muitas delas, de que adiantava aprender algo novo, se o local de trabalho continuaria sendo hostil?

Não defendo e nem apoio essa ideia, pois, como dito, conhecia pouco sobre aquelas pessoas. Dizer que estavam “certas” ou “erradas” exigiria mais intimidade de minha parte com elas. Coisa que eu não tinha.

Porém, era possível perceber que, certas de que estavam sendo “atacadas” de todos os lados, suas fantasias contagiavam até mesmo aqueles que se diziam satisfeitos.

Sem dúvida é um assunto delicado e não compete a mim julgar. Mas estes relatos mostram o quanto os fenômenos transicionais estão presentes em nossas vidas, e como um simples “brincar” pode desencadear tais fenômenos, estimular uma regressão e incomodar, é claro!

Quem disse que a busca pelo autoconhecimento acontece sempre por um caminho florido?

Fazendo um rápido adendo...


As empresas querem desenvolver e reter seus talentos. Além disso, querem maximizar seus lucros. Como proposta, dizem mais ou menos assim aos seus candidatos e funcionários:

“Eu pagarei seu salário e te darei uma porção de benefícios até o dia em que você ou eu não quisermos mais. Em troca, você se desenvolverá aqui e se possível, também desenvolverá pessoas.”

Sem funcionários desenvolvidos, capacitados, MADUROS, como uma empresa poderá crescer?

É por isso que “rios de dinheiro” são gastos todos os anos com programas de desenvolvimento de pessoas.

Fica a dica! De acordo com o artigo publicado em 2016 pela revista Época Negócios, cerca de 40% dos treinamentos nas empresas são direcionadas para os líderes. Os outros 60%, são para pessoas com cargos de não liderança. Para esse público, o treinamento técnico é prioridade.

Liderando ou não, o treinamento é uma experiência de aprendizagem. Por esse motivo, precisa ser significativa, legal, divertida.

Não vou aprofundar no assunto, mas a Andragogia, termo que se refere ao aprendizado de adultos, torna-se muito importante no desenvolvimento de pessoas nas empresas, no consultório, na vida. Recomendo, como leitura, o livro “Aprendizagem de resultados”.

É isso ai! O artigo acabou, e mais sobre esse assunto você verá no vídeo “Transitando por aí”.

Antes de ir, bora lá, recapitular o que foi visto:

Recapitulando


Neste artigo, você:

  • Entendeu que ao atingir a maturidade, as pessoas tornam-se independentes e autônomas, capazes de contribuir para si mesmas e para o ambiente.
  • Compreendeu que uma certa quantidade de pessoas imaturas no ambiente, favorece que cada uma perca sua individualidade, e viva a ilusão do outro por meio da identificação.
  • Identificou que o bebê descobre e usa seu corpo para se preparar para o reconhecimento da realidade externa.
  • Observou que a primeira possessão é uma transição natural de chupar o dedo e outros manuseios corporais.
  • Captou que manusear e usar o corpo, é também a primeira demonstração de afetividade.
  • Conheceu o termo “fenômenos transicionais” e conferiu a importância do espaço e objeto transicional na vida do bebê.
  • Recebeu orientações sobre o que considerar quanto ao objeto.
  • Comparou que a realidade da relação com objetivo, torna-se mais importante do que seu simbolismo.
  • Compartilhou de um caso prático, fora do setting clínico, onde os fenômenos transicionais se manifestaram.
Deixe seus comentários aqui. Compartilhe suas experiências de vida.

Um abração e até a próxima.

Autor Rodrigo Moreira

Rodrigo Moreira

@rodrigomoreira1009

Rodrigo Moreira é psicólogo e especialista em gestão de pessoas. Como consultor, tem sólida carreira desenvolvida em grandes consultorias de educação corporativa. É escritor, tendo lançado seu primeiro livro Ele não é isso pela Editora Arwen; e futuro psicanalista winnicottiano. Em seu “lado B”, é nerd, fã de Senhor dos Anéis e Star Wars. Tem, até hoje, seu quartel general, veículos e action figures dos G.I. Joe (Comandos em Ação).

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