Para além da Anamnese com os Pais

É com os membros da família que o adolescente e todos nós aprendemos nossas primeiras formas de nos relacionar. Normalmente é com esses membros que passamos a maior parte de nossa vida e é primeiramente com este grupo, a família, que aprendemos a agir, como sentir e como lidar com os nossos sentimentos.

E também é com a família que costumamos fazer a anamnese. Mas como o adolescente pode contribuir e participar da coleta de dados sobre sua história de vida?

Ao fazer a passagem pelo seu histórico, o adolescente compreende que ele não é necessariamente assim, mas que foi ensinado e pode aprender novas formas de agir e ser mais adequado aos comportamentos que ele mesmo almeja, já que sabemos que a demanda que trouxe o adolescente ao consultório segue padrões emocionais aprendidos.

Uma nova anamnese ou uma pré-anamnese?


Estamos acostumados a ter uma anamnese protocolada e fazer uma entrevista com os pais. Nessa entrevista, obter os dados da gestação, do histórico de doenças, ou outras características relevantes para a história do adolescente é fundamental para entendermos sua história e os fatos que se relacionam com os comportamentos e pensamentos presentes na vida do adolescente.

Ter uma sessão com os pais para que possamos fazer a tal da anamnese do nosso cliente adolescente é importante, mas fazer também com que o adolescente participe desse momento é fundamental.

Não quero dizer que o adolescente precisa estar presente no dia da sessão de anamnese com os pais, falo de algo bem mais participativo.

Costumo fazer uma sessão com o adolescente sobre padrões familiares e cultura transgeracional antes da sessão de anamnese com os pais. Fazer o adolescente se envolver nessa “pesquisa” e busca por comportamentos aprendidos é de grande ajuda e muito enriquecedor no processo terapêutico.

Antes de falarmos quais as perguntas que faço ao adolescente, vou explicar um pouco o motivo que me leva a fazer dessa maneira.

Na fase da adolescência tem-se uma tendência em se afastar dos pais. Na busca pela identidade o adolescente tenta se afastar ao máximo dos pais e entender o que se passa com ele: Quem é ele? Por que pensa como pensa? Por que sente como sente? Por que se comporta daquela maneira?

Escuto muito:

- Meus pais acham que eu sou como eles. Não sou! Tenho gostos diferentes e penso muito diferente deles. Nossa geração é outra!

Realmente, é outra geração, mas como o adolescente tem nos relacionamentos familiares o maior exemplo de comportamento, são esses familiares que ensinaram ou influenciaram fortemente a maneira como ele se comporta.

O grande diferencial de se fazer essa chuva de perguntas com o adolescente, é fazer com que ele perceba que muitas das suas ações e da forma como se comporta, reflete o comportamento dos pais (ou dos parentes mais participantes em sua vida).

Com essa descoberta o adolescente passa a olhar para a família de forma diferente e consequentemente a se conhecer melhor. Muitas vezes irá questionar o porquê de se comportar de tal maneira, maneira a qual o afasta de seus verdadeiros valores e da vida com a que quer se comprometer. Cabe a nós, terapeutas, ajudá-lo a compreender tudo isso e auxiliá-lo na avaliação desse comportamento aprendido. Se esse comportamento é o que o adolescente quer manter ou aprender novos.

A verdade é que quando entendemos porque agimos como agimos, conseguimos nos ver melhor e tomar as decisões necessárias para aceitar ou mudar essas atitudes.

Com o adolescente não é diferente.

E como ele está na fase de questionamentos e de tentar se descobrir, essas informações o ajudam a se conhecer melhor.

“Sim”, “não” ou “sei lá”


As perguntas devem ser feitas de acordo com a demanda/problema do cliente.

No intuito de facilitar o entendimento e colocar um exemplo prático vamos supor que a demanda do cliente é “resolver” sua ansiedade.

Mas fique atento!

Nunca, nunca mesmo, se contente com um “NÃO” ou “NÃO SEI” de um adolescente como resposta.  Eles vão querer sempre ir para esse tipo de resposta e cabe a você, psicólogo, instigá-lo a elaborar uma resposta mais completa.

Um cliente me disse uma vez que gostava de conversar comigo porque sentia que eu me importava com ele de verdade. Perguntei a ele como ele identificava que eu, realmente me importava. Ele me disse que eu não me contentava com respostas como: sim e não, que eu realmente queria saber e não apenas perguntar por perguntar, como ele sentia que muitos faziam com ele.

Então, não deixe de demonstrar que se importa. Explique que essas perguntas são feitas para que você entenda como a família DELE funciona, que você quer saber mais sobre A HISTÓRIA DELE e não apenas saber como a família é.

Sempre falo que gosto de respostas iguais a da escola, completas, com início meio e fim. Que só com respostas e histórias com início meio e fim podemos compreender o que a outra pessoa quer nos dizer.

Peça para que ele pense em seu seriado preferido.

Depois pergunte: Como você entende quem é o personagem principal? Por que ele age como age? Para isso você precisa saber sobre sua história, certo? Você precisa saber muitos fatos que aconteceram com ele, no passado, para entender a história atual.

Ao entender a necessidade de se ter uma história/relato com início, meio e fim, fica mais fácil ele te dar respostas mais adequadas.

Mas não se iluda! Você fará essa explicação milhares de vezes, pois muitos aprenderam a dar respostas curtas para não render assunto com os adultos e não ouvirem sermões.

Sim, não, ou sei lá.

Sempre que essas respostas acontecerem, relembre o adolescente da necessidade de termos início, meio e fim em um relato ou em uma resposta de uma pergunta feita por você.

Vou te mostrar as perguntas que eu faço para conhecer mais sobre a família do adolescente e suas relações, mas você pode incrementar como queira e de acordo com o cliente e sua demanda.

Essa sessão deve ser exclusiva para isso e não deve ser feita no primeiro encontro, primeiro você deve estabelecer uma relação com o cliente. Já deve saber como é a dinâmica da família dele e mesmo por alguns relatos rasos, percebido como essa família funciona e com quais membros o adolescente tem mais contato.

Avise ao cliente que na sessão de hoje você quer saber sobre seu histórico familiar e assim aprofundar mais em suas relações familiares.

Vamos para as perguntas!


É interessante pedir para o adolescente escrever e não apenas falar sobre o que você vai perguntar. Se ele não for o tipo que gosta de escrever, você pode fazer anotações para mostrar para ele depois. Mais uma vez, vai depender de cada cliente seu e também da forma como você se sente mais confortável em conduzir a sessão.

Lembrando que, em nosso exemplo, o cliente tem ansiedade e devemos pensar em todos os transtornos trazidos pela ansiedade nas relações que permeiam esse adolescente.

As perguntas:

  • Pensando em sua ansiedade, quando você está ansioso como se comporta com as pessoas ao seu redor? Como se sente?
  • Tem alguém da sua família que se comporta assim? Como você percebe como ela se sente?
  • Você se sente ansioso quando está com a sua família?
  • Como é a sua mãe? Descreva como você a vê.
  • Agora, me descreva como é a relação da sua mãe com você? Como você reage ao se relacionar com ela?
  • Agora, me descreva como é a relação dela com você? Como ela reage ao se relacionar com você?
  • Como é o seu pai? Descreva como você o vê.
  • Agora, me descreva como é a relação do seu pai com você? Como você reage ao se relacionar com ele?
  • Agora, me descreva como é a relação dele com você? Como ele reage ao se relacionar com você?
  • Como é o seu irmão? Descreva como você o vê.
  • Agora, me descreva como é a relação do seu irmão com você? Como você reage ao se relacionar com ele?
  • Agora, me descreva como é a relação dele com você? Como ele reage ao se relacionar com você?
  • Você sabe como eram os seus avós?
  • Como acredita que seus pais aprenderam a se comportar como comportam? A ser como são?
  • Como é para você ver essas coisas da sua família?
  • Como você se sente ao me contar sobre isso?
  • Como você está nesse momento?

Talvez você utilize mais de uma sessão. Não tem problema algum. O importante é você colher o maior número de informações possíveis.

Nas perguntas 1, 4, 7 e 10 obtenha pelo menos cinco características.

Alguns adolescentes não são muito comunicativos e essas perguntas tornam-se uma ferramenta muito rica para podermos colher dados e ter informações que possam fazer com que o nosso cliente adolescente reflita sobre sua história e como age no mundo.

Não fique preso nas cinco características que coloquei acima, o número é apenas mais uma lembrança para que não se contente com repostas curtas e poucas informações. Se o adolescente começar a falar sobre como é seu pai ou sua mãe de forma mais vaga, escute com atenção e após ele relatar, volte a pergunta pedindo para que ele te dê algumas palavras chaves.

Adolescentes gostam do uso de ferramentas, perguntas objetivas durante o processo, eles estão em um momento muito confuso e darmos a eles uma direção que os possibilite falar sobre o que sentem é muito bom e bem aceito por eles.

Mas não se prenda! Se você planejou a sessão para ser a sessão de Histórico de Vida e o adolescente chegou querendo falar sobre outra coisa, acolha a demanda dele no dia.

Afinal, não existe receita de bolo!

Pergunte para agregar no processo do cliente, não por uma curiosidade sua


Minha ideia com esse texto não é fazer um questionário de histórico de vida para se aplicar com um cliente adolescente, mas sim fazer com que você reflita sobre a importância de se ter essas informações e o mais importante: que auxilie o adolescente ao que fazer com essas informações.

Nós não paramos para pensar sobre o quanto nossa família tem influência primordial em nossas relações. Imagine um adolescente?

Não devemos fazer perguntas para nossos clientes para que obtenhamos informações, mas sim para que ele se escute e analise sobre a informação que está nos dando sobre eles.

Sempre que for fazer uma pergunta ao seu cliente se pergunte antes: - Eu estou fazendo essa pergunta para que a resposta que vou obter agregue algum aprendizado analítico para o meu cliente ou por curiosidade minha?

Parece óbvio, mas muitas vezes não é! Vamos no automático. E nos perdemos.

É normal!

Mas ficarmos atentos a nossa relação durante a sessão com o nosso cliente é fundamental para o processo terapêutico.

Voltando...

Depois de colher todas essas informações você, como terapeuta deve analisar as seguintes questões:

  • Qual é a história que se repete?
  • Como os familiares reagem às emoções?

Analise com o adolescente sobre suas percepções sobre as informações obtidas.

Analisando essas questões, nas sessões futuras, quando o adolescente se perder e ficar se questionando porque ele age como age, vocês poderão voltar as suas anotações a verificarem juntos os comportamentos aprendidos.

Comportamentos aprendidos podem ser substituídos por novos comportamentos guiados por objetivos maiores, ou seja, ações comprometidas com o que desejamos realmente para nossas vidas.

Como eu disse, minha intenção com esse texto é fazer com que você busque, junto ao adolescente, maiores análises sobre seu histórico, podendo fazê-lo entender mais coisas sobre seu presente e a família que o cerca.

Espero que goste e compartilhe conosco sua experiência e opiniões.

Até mais.

Autor Renata Lott

Renata Lott

@renatalott

Psicóloga, psicopedagoga, coach e empreendedora com experiência em ajudar adolescentes e jovens a vivenciarem suas novas descobertas através do processo de autoconhecimento e desenvolvimento emocional. Ajudando-os a desenvolver novas habilidades de lidar com o ambiente ao seu redor e, se preciso, orientando pais, professores e orientadores nessa jornada.

MBA em Consultoria Interna, pelo BI International. Curso de Inovação - Berkeley, Califórnia USA. Especialista em Gestão de Negócios, pela Fundação Dom Cabral. Formada em ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) pelo BHDP. Formação em Coaching Psychology, e Intensive Coaching Psychology Experience pela Academia do Psicólogo. Certificada Internacionalmente em Gestão de Mudanças pela Prosci.

Ex Diretora de Ensino no maior cursinho pré vestibular do país - o Kuadro, uma das fundadoras do Acompanhar, Núcleo de Acompanhamento à Criança e ao Adolescente, responsável pelos canais Adolescer no Psico.Club da Academia do Psicólogo e colunista da Revista Mommys (Portal Mommys), com a coluna, Adolescência na Real.

São mais de 20 anos auxiliando estudantes de todas as faixas etárias e despertarem o desejo pelo aprender. E com isso, uma vontade imensa de formar profissionais da área da educação mais conscientes e preparados para poderem ajudar os jovens nesse caminho fantástico da educação!

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