Pais na escola: como o psicólogo pode contribuir

Quem já leu meus artigos, ou me acompanha de alguma forma, já deve ter percebido que meu maior foco de trabalho é em consultório, rodas de conversa, workshops, grupos de gestantes, e atualmente, como editora do Licença Maternidade (um portal de conteúdo pra lá de especial, feito pela Academia do Psicólogo, se você ainda não conhece, sugiro que dê uma olhadinha no site).

Porém, hoje quero trazer para vocês uma possibilidade de trabalho extremamente enriquecedora para nós, enquanto profissionais, e que eu fiz por muito tempo.

Vou contar a história toda: os primeiros passos, o que funcionou e algumas perspectivas sobre esse trabalho.

Quando estava ainda na faculdade, em fase de estágio obrigatório, eu trabalhei em uma escola como estagiária, mas confesso que, na época, eu conhecia pouco sobre outras possibilidades de trabalho em instituições de ensino. Afinal, a demanda que sempre vinha era “equipe de profissionais” e “alunos”. Porém, sou sincera em dizer, que neste período nem imaginei que nós, psicólogos, poderíamos ter algum tipo de benefício trabalhando com os pais daquela escola.

Bem, o tempo passou, eu me formei, e fui fazer aquilo que grande maioria de nós faz: atender em consultório. Como recém formada, eu obviamente não tinha condições de bancar meu próprio consultório, então sublocava uma sala de uma clínica de fonoaudiologia, onde pagava um percentual dos meus atendimentos para aquele estabelecimento. Lá eu conheci uma fonoaudióloga que trabalhava em várias escolas da região e um dia me perguntou se eu não teria interesse em ir trabalhar em uma escola que ela atuava há anos, pois estavam sem psicólogo e precisando muito de um.

Não vou mentir, quando recebi esta sugestão de quem sabe trabalhar em uma escola, fiquei me questionando se seria o ideal, afinal, minha única experiência foi naquele estágio obrigatório da faculdade e se somar todo o tempo que passei dentro da instituição de ensino, não chegava nem a três meses. Não me sentia 100% segura, mas decidi que entraria em contato para conhecer a proposta e pensar melhor a respeito.

E assim eu fiz, entrei em contato com a escola, porém, como demorei um pouco (se não me engano, em torno de uma semana) e a escola tinha urgência, quando falei com a responsável pela vaga, a mesma tinha acabado de ser preenchida. Então eu pensei “Não era pra ser”, e segui minha vida no consultório.

Onde tudo começou:


Poucos meses depois, eu passei a dividir uma sala de aluguel para consultório com uma colega psicóloga e naquela época, eu atendia muitas crianças. Ainda não tinha um nicho de trabalho definido, então acabava acolhendo quase todo tipo de demanda que aparecia e o público infantil era o que eu mais atendia.

Mas a vida é uma coisa muito maluca e dá muitas voltas, não é mesmo?!

Certo dia, atendi uma criança de 5 anos, que estudava naquela mesma escola em que eu havia perdido a oportunidade de trabalho e, como de costume, primeiro atendi os pais, que me passaram a demanda, queixa e todas as informações necessárias e, em seguida, iniciei a psicoterapia com a criança. Sempre que eu atendia crianças e elas frequentavam escolas, eu ia até a escola para saber mais informações, pois tinha certeza que se eu só solicitasse um relatório de avaliação do aluno, ele viria com muita informação importante faltando, afinal, eles não vão dar por escrito alguma informação que possa comprometer a escola, seja lá por qual motivo for.

Falei com os pais e agendei a tal visita com a coordenadora da escola para obter mais informações sobre aquele paciente. No dia e horário agendados eu fui até lá, me apresentei, e solicitei que eles me passassem todas as informações que eu achava pertinentes sobre a criança, naquele caso específico. Primeiro obtive informações com a coordenadora, depois com a professora dele e por último fiquei observando a interação da criança em algumas atividades que eles faziam.

Porém, algumas coisas me chamaram a atenção e uma delas ficou “martelando” na minha mente.

A professora, enquanto conversava comigo, explicou que as questões comportamentais “inadequadas”, segundo ela, das quais os pais da criança estavam relatando, eram comuns em todas as crianças naquela mesma turma e que, por sinal, ela tinha muita dificuldade de lidar com aqueles comportamentos. Afinal, não era apenas em um ou outro aluno, mas em quase todos os vinte que ela tinha em sala.

Eu, como “boa curiosa” que sou, perguntei que tipo de atitude eles já haviam tomado para lidar com isso, e ela me respondeu que todos os pais já haviam sido chamados individualmente para conversar sobre esse tema. Mas não surtiu efeito algum. Então, eu questionei se os pais já haviam conversado com a psicóloga da escola e, pasmem, aí veio o meu susto ao ouvir que não, pois a escola tinha esta profissional somente para trabalhar com a equipe e vez ou outra com as crianças, quando quisessem que ela trabalhasse algum tema específico com toda a turma.

A escola não fazia nem ideia de que a psicóloga que trabalhava lá poderia auxiliar também as famílias dos alunos e, consequentemente, impactar positivamente na melhora do comportamento daquela turma tão “difícil” como dizia a professora. Mas, tudo bem, fiz o que tinha que fazer, deixei meu contato, e fui embora frustrada e um pouco preocupada, pois tinha certeza que naquele caso em especial faria muita diferença se todos os pais “trabalhassem juntos” pela causa do grupo e que isso aceleraria muito o processo psicoterápico daquele paciente.

No dia seguinte, logo cedo, recebo uma ligação daquela escola, solicitando que eu fosse até o local, para conversar com a coordenadora, pois ela queria conversar comigo a respeito da conversa que eu tive com a professora.

Na hora que ela falou isso, lembro que minhas pernas amoleceram, e eu imediatamente pensei “O que foi que eu fiz de errado?”. Mas, não tinha como, eu precisava ir lá e encarar a situação, afinal, se tivesse feito algo errado, era minha chance de consertar.

Nascia uma oportunidade


Lá fui eu, para a tão temida conversa, recapitulando tudo que eu havia dito para tentar encontrar o erro e pensar de que forma iria me redimir ou mesmo me justificar, extremamente ansiosa e com medo, rs. Ao chegar, fui muito bem recebida, com sorrisos e uma simpatia tão grande, que pensei que estava sendo confundida com outra pessoa. :-)

Então a coordenadora me convidou para entrar para conversarmos e lá me explicou exatamente o que estava acontecendo. Fazia cerca de vinte dias que a psicóloga que trabalhava para eles comunicou que sairia da função, mas se comprometeu a ficar até o final do mês seguinte. E que no dia anterior, depois que eu saí, a professora comentou sobre o que eu questionei a respeito dela já ter conversado com os pais daquela turma e que isso é algo que eles queriam há muito tempo, mas que aquela profissional não o fazia por “n” motivos, os quais ela preferiu não mencionar.

Veio então o convite, para que eu fosse trabalhar lá, assim que a outra psicóloga saísse.

Conversamos sobre detalhes, ela me fez uma proposta de carga horária e salário, mas tinha uma única exigência: que o trabalho maior fosse feito com os pais das crianças, preferencialmente em grupos, através de rodas de conversa, e vez ou outras, quando precisasse, através de pequenas “reuniões” individuais.

Eu fui para casa, pensei, e pouco mais de um mês após este dia, iniciei meu trabalho com pais nesta escola.

A primeira reunião de pais:


Quando iniciei, meus primeiros quinze dias de trabalho foram para entender a dinâmica da escola, bem como os desafios dos professores, os “casos” especiais que eles tinham em cada turma, e claro, para aprender toda a rotina e normas da instituição.

No entanto, na terceira semana de trabalho, a escola agendou uma reunião de pais para me apresentar e naquela noite é que percebi o quanto esses pais realmente sentiam falta e queriam que este trabalho fosse feito.  Apresentei minha proposta de trabalho e fiz questão de deixar claro que isso seria uma parceria, que eu precisaria deles e que contaria com a participação deles em todas as oportunidades possíveis.

Para minha surpresa, todos, sem exceção, acreditavam que se o trabalho fosse realizado em parceira com eles teríamos muito mais ganho.

E inclusive, já na primeira reunião sugeriram diversos temas que acreditavam que seria interessante saber mais e também aprender como lidar. Dentre as sugestões, apareceram coisas comuns ao dia a dia de crianças de educação infantil como: desfralde, mordidas, limites e regras, agressividade, entre outros.

Porém, o que me surpreendeu, foi que apareceram temas os quais as demandas não eram ligadas necessariamente a escola e sim aos pais. Tais como: sentimento de raiva com os filhos, falta de paciência dos pais na educação dos filhos, o sentimento de culpa pelas coisas que faziam “errado” ou que deixavam de fazer, a dificuldade em lidar com a rotina do trabalho mais a família, a casa e os filhos, e muitas outras coisas.

Para fechar com chave de ouro, a escola achou aquilo tão incrível, que decidiu atender ao pedido desses pais e criar mensalmente um encontro onde todos eles seriam convidados a participar para tratar justamente essas questões pessoais deles, enquanto pais.

Como eles ficaram?

Imensamente felizes, por ver que a escola seria um espaço para discutir também essas angústias e dificuldades.

O trabalho com os pais nesta escola


Talvez você se questione se este “caminho” que a escola escolheu, não seria um pouco na “contramão” do que você espera de um psicólogo que atue na área educacional. Bem, dependendo da instituição em que se trabalha, talvez seja mesmo, mas o que eu quero dividir com vocês aqui é o quanto isso foi rico e impactou de uma maneira imensurável na melhora do comportamento dos mais de cem alunos que aquela instituição de ensino tinha.

Como acordado inicialmente, a maior parte do tempo, eu passava em sala de aula com os professores, desde o berçário até o 4º ano, para coletar informações, ver qual era uma possível demanda para o grupo e então decidir se trabalharia com a turma ou com os pais daquelas crianças. Pelo menos duas vezes por mês, nós marcávamos rodas de conversa com os pais, por turmas ou demanda em comum, onde discutíamos com um pequeno grupo de pais sobre o tema em questão.

E só por aí, conseguíamos quebrar muitas crenças e trazer uma nova percepção e outros olhares sobre a necessidade daquele grupo, seja ela qual fosse, pensando sempre no trabalho conjunto de família X escola.

Tudo fluía muito bem. Às vezes, obviamente, alguns pais apresentavam resistência em pensar diferente do que eles costumavam, ou em tentar aceitar algumas questões que o grupo mesmo decidia, mas no geral tudo seguia seu ritmo, de acordo com o esperado.

No entanto, o que lotava mesmo, eram aqueles encontros mensais, onde trabalhávamos as questões pessoais dos pais, sobre os seus próprios desafios enquanto no papel de pai e mãe.

Esses encontros não eram psicoterapia, eram apenas grandes diálogos sobre as questões que eles mencionaram naquela primeira reunião. Era o momento em que eles conseguiam se abrir e colocar pra fora o que os preocupava, suas angústias, medos e necessidades.

E principalmente, eram os encontros que faziam com que eles percebessem que havia muitos outros pais passando pelas mesmas dificuldades e que, como consequência, trouxe uma aproximação ainda maior desses pais. Em pouco mais de quatro meses de trabalho sentimos uma diferença absurda (de forma positiva) no comportamento daquelas crianças que frequentavam a escola, além de uma melhora no relacionamento dos pais com os professores, os quais estavam sempre presentes também nesses encontros e rodas de conversa.

Foi a primeira vez que eu percebi que poderíamos oferecer aos pais muito mais do que o trabalho “tradicional” que geralmente se oferece nas escolas, pelo menos que era oferecido aqui na minha região.

Pouco mais de um ano depois de iniciar nesta escola, eu decidi me dedicar somente ao consultório, pois engravidei e como estava em uma gestação de risco, comecei a faltar muito por conta de inúmeros atestados e como eu não era registrada, apenas tinha contrato de trabalho, para não deixar a escola na mão, optei por continuar só com a psicoterapia mesmo.

Sabe qual foi o resultado disso?

Em pouco tempo, eu quase não atendia mais crianças, e aqueles pais que continuaram sentindo necessidade deste apoio, passaram a me procurar para fazer atendimento psicoterápico. Como a procura foi muito grande, de lá mesmo, acabei criando grupos de psicoterapia, para trabalhar temas específicos com esses pais. Criei, por exemplo, grupos de apoio emocional com início, meio e fim, para poder atender todas essas demandas. E foi de lá, que tive meus maiores aprendizados como psicóloga que trabalha hoje, exclusivamente com este nicho.

Atualmente, ainda sou chamada em escolas, para fazer exatamente isso que eu fiz com os pais: grandes rodas de conversa sobre questões pessoais deles e de vez em quando, também para auxiliá-los a lidar com questões sobre os filhos.

Resumindo:


Neste artigo fiz questão de contar minha vivência em detalhes com pais em escolas, para que você possa ampliar seus horizontes para novas possibilidades de trabalho, mesmo dentro destas instituições.

Falei sobre uma das formas mais comuns de “porta de entrada” do trabalho na escola, que é quando você atende crianças e precisa por algum motivo conversar com a professora daquele aluno e assim, desenvolve um trabalho de forma indireta com os pais, escola e criança.

Mas também te apresentei a forma tradicional de trabalho que é feita, segundo o que aprendi na graduação, quando se trabalha tanto com professores e alunos dentro da escola. No entanto, o que me trouxe maior aprendizado, foi sem dúvida alguma, aceitar o desafio de fazer algo que até então, jamais havia pensado como possibilidade, talvez até por falta de experiência nesta área, no trabalho dentro da escola.

E aliás, fique ligado, pois no vídeo deste mês, vou falar sobre algumas ideias e oportunidades para você que quer trabalhar com pais também no ambiente escolar, mas não necessariamente como psicólogo contratado da instituição de ensino.

Autor Ana Paula Majcher Petry

Ana Paula Majcher Petry

@anappetry

Ana Paula Petry é psicóloga com especialização em Terapia Cognitiva e formação em Coaching Psychology pela Academia do Psicólogo. Apaixonada pelo universo da maternagem, atua desde 2011 em atendimentos clínicos, palestras e workshops voltados para pais e educadores. Seu mais novo projeto é o Gestando e Aprendendo.

Oops... Faça login para continuar lendo



Interações
Comentários 3 0