Não gosto de trabalhar com pais - Que tipo de pais?

Com o tempo de vivência e experiência na clínica e na psicologia percebi que existem duas formas distintas e que geram engajamento de maneiras diferentes nos pais, quando o assunto é o trabalho do psicólogo. E sei que muitos dos meus colegas, passam por dilemas parecidos e muitas vezes sentem-se desmotivados quando o assunto é esse!

Então, vamos tentar identificar quais são esses diferentes modos de trabalho e porque o envolvimento dos pais com o processo se torna diferente.

Bom, como já mencionei em outro artigo, inicialmente eu atendia crianças, e através delas é que em alguns momentos precisava atender os pais, chamar para conversas, para obter mais informações sobre os filhos ou mesmo discutir algumas questões necessárias para o sucesso da psicoterapia da criança. E gostaria de dividir com vocês algumas das percepções que eu tive ao longo deste trabalho.

Você provavelmente já ouviu algum psicólogo falar “– Eu trabalhar com pais? De jeito nenhum, não gosto de lidar com eles” ou “– Eu não atendo crianças pelo simples fato de ter que lidar com os pais delas”. Eu já ouvi essas e muitas outras frases parecidas, demonstrando o descontentamento dos psicólogos nesses casos.

Por que será que isso acontece?


Quando um pai ou mãe busca apoio psicoterápico para o seu filho, muitos deles se envolvem significativamente com o processo e facilitam tanto para o filho quanto pro psicólogo, e nesses casos, nós ficamos super felizes e aliviados.

No entanto, não é incomum encontrar casos onde os pais colocam a criança em psicoterapia e se eximem da responsabilidade, entendem de forma equivocada qual o papel do psicólogo e qual o papel deles. Colocam a criança na terapia com a expectativa de que sozinhos, psicólogo e criança, resolverão todas as dificuldades e desafios, nem levando em conta a importância do papel deles em contribuir para o sucesso da psicoterapia.

Mas por que será que isso acontece?

Um dos principais fatores, ao meu ponto de vista, é que atualmente, se tornou muito fácil e prático terceirizar tudo na vida dos filhos, inclusive a educação, a criação, e muitas vezes tá o “afeto”. Já que se os pais não tem tempo, terceirizam isso nos avós, nas escolas, nos amigos, familiares e porque não, no psicólogo?

Provavelmente você deve estar pensando “Nossa, mas tem coisas que não tem como terceirizar na criação de um filho”! E eu te digo que você está certo, mas que infelizmente, a modernidade acabou tornando isso como algo comum e erroneamente natural. Afinal, muito disso se atribui a justificativa de que hoje em dia os pais não têm mais tempo para nada, nem mesmo para fazer suas funções de pais.

Mas espere um pouco, antes de concordar ou discordar de mim, entenda que não me refiro aqui a TODOS os pais, e sim alguns pais, que infelizmente acabam levando a educação de seus filhos deste modo. Não são todos, é claro.

E nesses casos sim, é bem delicado lidar com pais que pensam dessa maneira e que jogam toda e qualquer responsabilidade nas costas do psicoterapeuta (ou da avó, da babá, da escola, etc.).

“– Ué Ana, mas não é meio óbvio que se os pais buscam apoio aos filhos, em algum momento também deverão se envolver no processo?”.

Para nós pode até ser, mas para muitos deles não é, até porque se eles quisessem ser diretamente trabalhados, teriam procurado psicoterapia para eles e para os filhos, não apenas pros filhos, não é mesmo?!

É muito parecido com o que se faz quando os filhos estão doentes, você leva ao médico, ele aponta onde está o problema, te explica o porquê e você medica de acordo com as instruções do médico e pronto, em poucos dias seu filho estará melhor.

No entanto, no caso da psicoterapia, alguns deles tem dificuldade de entender que para o medicamente funcionar os pais que precisam dar as dosagens corretas em seus horários pré determinados.

E o mesmo acontece na psicoterapia, o psicólogo trabalha com a criança, mas os pais tem esse papel fundamental igual ao “medicamento” para que então a criança apresente a melhora idealizada por eles. Afinal, sem o apoio e trabalho deles, sem que eles “peguem junto” com a gente, fica bem mais difícil de se trabalhar. (Ficou mais fácil de entender ou deixei ainda mais confuso? Rsss).

E quando os pais vão se envolver com algum trabalho nosso?


Simples, quando eles nos procuram porque veem a necessidade em trabalhar coisas neles, para só então, melhorar questões com os filhos.

E veja bem, não estou dizendo que isso tira a necessidade de se trabalhar a criança, apenas estou afirmando que quando eles procuram auxílio diretamente para eles, com comprometimento e envolvimento, a tendência é que o processo flua muito melhor e mais leve.

E olhe só, não me refiro só a psicoterapia, mas também rodas de conversa, palestras, workshops, grupos de apoio para pais e todo o tipo de trabalho que possa ser feito para este público!

O que eu percebi, depois que criei o Gestando e Aprendendo, é principalmente a força e o envolvimento que um grupo é capaz de gerar. É incrível ver a dinâmica que acontece quando eles percebem que não estão sozinhos, que muitos pais passam pelas mesmas questões, e parece um tanto libertador para eles ser “absolvido” dessa angústia e culpa que eles carregam antes de perceber que os outros também enfrentam dificuldades.

E o melhor de tudo, isso os motiva a querer continuar se trabalhando, querer novos encontros, novas rodas de conversa, palestras, workshops, e etc.

Vou citar um exemplo aqui para vocês.

Em maio, por ser mês das mães, eu fiz várias rodas de conversa para falar sobre maternidade real e também grupos de pais gestantes (pais, porque apesar de serem minoria, os pais também participam, afinal, é o casal que engravida, mesmo a criança estando no ventre da mulher...rs).

Em um desses encontros, houve uma mãe que, nitidamente morrendo de medo de ser julgada, afirmou que amava a filha mais que tudo nessa vida, mas que o puerpério estava sendo terrivelmente desesperador e que jamais imaginou que seria tão difícil, mesmo lendo e ouvindo tudo que os outros diziam.

A situação acima gerou uma reação em cadeia e todas as outras pessoas começaram a suspirar aliviadas o quanto estavam felizes em ouvir aquilo, pois não tinham coragem de falar isso a outras pessoas, nem a elas mesmas, por medo de serem mal interpretadas e até julgadas.

Iniciamos então uma desconstrução a respeito do excesso de romantização da maternidade, onde todas foram se posicionando e colocando suas angústias, medos, raivas, frustrações e o que havia de “mais odioso” dentro delas. Todas, sem exceção, estavam em plena sintonia e conexão, se sentiam acolhidas, compreendidas, e principalmente respeitadas umas pelas outras.

Elas sabiam das dificuldades que enfrentavam e que, em breve, o período mais difícil iria passar, mas estavam super dispostas a se abrir e se trabalhar.

Desde esse primeiro encontro, formamos um grupo de apoio emocional, e dalí veio o interesse em trabalhar vários outros temas que elas mesmas elencaram nesse primeiro encontro que foi tão informal e acolhedor pra elas.

Elas perceberam suas dificuldades, suas limitações e sabiam que precisavam aprender a lidar melhor com isso.

E aqui é um caso bem diferente dos outros relatados acima, onde exemplifiquei com pais de pacientes em psicoterapia, os quais não veem necessidade direta em se trabalhar.

Fica mais claro agora, a diferença?

Por que o comprometimento é tão diferente nas duas situações?


Porque eles buscaram apoio para os seus problemas e dificuldades para então, como consequência, melhorar o que os está incomodando e refletir positivamente na relação deles e comportamento dos filhos.

O processo é feito de forma inversa do que na psicoterapia que é feita com a criança.

Então quer dizer que um modelo de trabalho é bom e o outro é ruim?

Não, os dois são ótimos, o que muda é a demanda e o engajamento, não por ser um (psicoterapia infantil) ou outro (rodas de conversa, workshops, grupos de apoio para pais) e sim por fazer mais ou menos sentido para os pais, gerar mais ou menos conexão com eles.

E olhe, nem todos os pais que colocam as crianças em psicoterapia são assim “desconectados” com a terapia ok? Vários deles se dedicam muito, tanto quanto se fosse trabalhado diretamente com eles, mas quando isso não acontece, eu acredito serem estes os principais motivos.

Vale também para nós pensarmos como estamos abordando e o que estamos oferecendo aos pais.

Resumindo:

Para concluir e não deixar dúvidas, gostaria de reforçar que nem todos os pais de crianças em psicoterapia vão deixar a desejar no envolvimento deles com o nosso trabalho. O meu objetivo com este artigo é te trazer uma reflexão sobre que tipo de pais que você definitivamente não gosta de trabalhar.

Afinal, uns adoram ser trabalhados e percebem esta necessidade, já outros podem apresentar resistência, mesmo se interessando por algum serviço da psicologia.

Mas, definitivamente, a chance de ter sucesso é muito maior quando quem procura o nosso serviço são eles, para eles, e por vontade própria.

Autor Ana Paula Majcher Petry

Ana Paula Majcher Petry

@anappetry

Ana Paula Petry é psicóloga com especialização em Terapia Cognitiva e formação em Coaching Psychology pela Academia do Psicólogo. Apaixonada pelo universo da maternagem, atua desde 2011 em atendimentos clínicos, palestras e workshops voltados para pais e educadores. Seu mais novo projeto é o Gestando e Aprendendo.

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