Meu Corpo, Minha Defesa

Hoje vamos falar sobre as famosas couraças, tão abordadas na Psicologia Corporal como um todo, Reichiana ou Neorreichiana.

Sabe aqueles filmes de guerras medievais em que as tropas se encontram frente a frente sobre seus cavalos, com suas lanças na mão e que o rei vai sempre à frente da tropa que defende o seu reino? Que os cavaleiros estão todos vestidos com suas armaduras de ferro?

Então, aquelas armaduras podem representar visualmente, metaforicamente, o que chamamos de couraças. Elas estão lá para defender, proteger os bravos guerreiros de serem feridos com lanças, com flechas, enfim, da própria morte.

E essa é a função das couraças, que vão se formando em nossas vidas: nos defender daquilo que vem nos machucar, que ameaça a nossa integridade.

Só que as armaduras podem ser retiradas depois que se volta da guerra, depois que a paz retorna, depois que o perigo passou. As couraças não. Elas são padrões do sistema de defesa que vão ficando enrijecidos e, como todo padrão, são fixos.

Não colocamos quando há perigo e tiramos quando não há – isso seria o ideal. Elas permanecem conosco, fazendo parte de nós, da maneira com a qual nos relacionamos com o outro, da maneira com a qual percebemos e nos colocamos no mundo.

O contato com o outro se faz por meio delas – elas impedem a chegada até nós. Se imaginarmos fazer um carinho no rosto de um desses guerreiros, teríamos que erguer a armadura. Se tentarmos dar um abraço, só conseguiremos tocar a armadura, não conseguindo contato com a pele, com o corpo dele.

E é, mais ou menos, isso que a Psicoterapia Biodinâmica busca fazer: ela vai chegando perto sem arrancar a armadura do paciente (sua couraça), sem cortar ou ultrapassar aquele ferro de qualquer maneira.

O terapeuta vai chegando perto buscando enxergar e tocar a pele que há sob a armadura, para mostrar que ali não há perigo, que ali o bravo guerreiro pode relaxar. Pode erguer um pouquinho a parte da frente da sua armadura, deixando os olhos aparecerem. Pode respirar melhor, até a hora em que ele veja que dá para ir tirando a armadura e o terapeuta consiga se aproximar do verdadeiro eu que está escondido ali embaixo e possa, com muito cuidado, com muito afeto, permitir que ele se expresse livremente e o acolher nessa expressão.

Assim como podemos imaginar como fica a expressão do cavaleiro com sua armadura: toda dura, toda desajeitada. Assim é como nós ficamos com as couraças: com os movimentos truncados, desajeitados, fixos, perdemos a graciosidade natural, a leveza, os movimentos flexíveis, a pulsação.

E isso é retomado quando acontece o que a Gerda chama de Derretimento da Couraça – que é ir conseguindo fazer com que a armadura seja desnecessária, que ela possa ir saindo de contexto, sem que tenhamos que travar uma luta contra ela. Há a percepção que ela não precisa mais estar ali, através da confiança conquistada pelo vínculo terapêutico e do fortalecimento da estrutura psíquica do paciente.

Mas de onde surgiu a “couraça”?


Wilhelm Reich é considerado o “Pai da Psicologia Corporal” (1897-1957). Ele era psicanalista e na sua prática clínica percebeu que havia uma relação entre as experiências emocionais relatadas pelos pacientes e as expressões de seus corpos enquanto falavam sobre elas. 

Começou a ficar atento a respiração, a postura, a expressão formada no rosto, ao tom de voz, aos gestos que surgiam espontaneamente durante os relatos nas sessões.

E assim, ficou claro para Reich que a forma como o conteúdo “aparecia” era tão importante quanto o próprio conteúdo em si.

Ele constatou que havia uma relação íntima e profunda entre eles. Afinal, tudo que vivenciamos acontece no corpo, através do corpo. Nos relacionamos com o nosso corpo. Reich descobriu que o corpo de cada pessoa contém a sua história em sua estrutura: tudo que é vivenciado, todas as experiências e relações dos primeiros anos de vida, os traumas físicos e emocionais, tudo está registrado, armazenado e contido no seu próprio corpo na forma de padrões de tensão muscular crônica.

E se o corpo contém nossa história, haveria outro acesso melhor a ela? 

Nasceu a Psicologia Corporal, ao nascer a Psicologia Reichiana, trazendo que é por meio desse corpo que podemos buscar resgatar as emoções mais profundas e liberar defesas características dos sintomas.

Ele percebeu a associação entre padrões típicos de comportamento e determinadas “posturas” corporais.

Ou seja, há uma identidade funcional entre a estrutura psíquica, o jeitão peculiar de cada um de ser e se relacionar com o mundo (couraça de caráter ou caracterológica) e sua forma corporal singular de andar, falar, olhar, acentuadas pelas tensões musculares fixadas cronicamente (couraça muscular). Ambas fazem parte de um sistema de defesa contra os estímulos ameaçadores do mundo externo e também protegem contra os impulsos libidinais internos difíceis de lidar.

Ou seja, Reich viu a couraça de caráter como uma defesa que se forma em torno do ego contra a ansiedade dos sentimentos sexuais da criança e seu medo de punição (conflito entre a pulsão interna e o mundo externo). Quando essas defesas do ego se tornam automáticas, padronizadas e crônicas, evoluem até a couraça caracterológica. Os impulsos internos ficam recalcados e caso se atrevam a aparecer, dão de cara com um medo, consciente ou inconsciente, de receber uma punição.

E como o físico e o emocional caminham juntos, a cada couraça do ego, existe a couraça muscular equivalente.

A formação da couraça acontece no decorrer do desenvolvimento da criança. Os pais, a família, o círculo de convício social, a escola, a educação, a cultura, a qualidade de afeto recebida, as perdas significativas e situações traumáticas em geral, podem marcar a pessoa de diversas maneiras.

Podem surgir como desafios ou como agressão/ameaça. Depende de diversos fatores: a intensidade dos acontecimentos, a frequência, a base e estrutura psíquica existente para lidar com isso, a fase de desenvolvimento em que isso ocorre, a duração e repetição dos acontecimentos, a fonte de origem e a capacidade para tolerá-los. Se for assimilável, passado o “susto” o estado de tensão interna se desfaz e o músculo também relaxa. Se for mais do que é possível para aquela pessoa, naquele momento assimilar, ocorre uma cronificação da contração, formando-se a couraça.

Como a couraça é formada na relação com o meio em que a criança está inserida, Reich nos traz a importância de trabalhar o contexto social para cuidar da saúde psiquica, já que esse contexto social terá reflexos diretos na saúde individual e também coletiva. Os tipos caracteriais são moldados a partir de valores culturais. Ou seja, em cada época, cada cultura produz seus tipos próprios, não sendo existe uma caracterologia universal ou atemporal.

As couraças tem a função de defesa da integridade do ser, através da contenção emocional, da contenção de impulsos. Sua formação é inconsciente. Ninguém pensa racionalmente e cria sua própria couraça. A pessoa não tem consciência de que a couraça existe.

Ela “é como é” e pronto. 

O encouraçamento inclui alterações musculares e promove um bloqueio nos fluxos de energia orgônica – como Reich a chamou.

  • As regiões do corpo que apresentam flacidez ficam com deficiência de energia (são os bloqueios hipo-orgonóticos),
  • Enquanto as regiões com musculatura mais tensa apresentam excesso de energia estagnada (são os bloqueios hiperorgonóticos), o que predispõe ao surgimento de doenças.

A couraça em si não é sentida. O que se percebe é o sofrimento causado por ela, os sintomas.

Os sintomas começam a incomodar traduzidos em dores, doenças e sensações de vazio, dificuldades nas relações, falta de flexibilidade para lidar com as situações, apatia, falta de prazer na própria vida, o sentimento de ter se perdido em algum lugar, a autocrítica limitante, entre muitos outros, são alguns dos pontos que trazem as pessoas em busca de ajuda profissional.

Então nos deparamos com o resultado do processo de encouraçamento: um padrão de comportamento que não serve mais na vida da pessoa hoje. Pelo menos não assim, desse jeito endurecido, padronizado, rígido – que é o único jeito que a pessoa sabe no momento. Um organismo encouraçado tem a sua capacidade de expressão limitada, a linguagem emocional do corpo está apagada.

É como se fossem analfabetos emocionais: não conseguem entrar em contato com seu corpo, não são capazes de perceber e nomear sentimentos.

Não há como negar que a couraça tem uma função muito importante quando é criada.

Quando já cristalizada, na pessoa adulta, ao mesmo tempo que diminui a sensibilidade à dor e protege daquilo que é extremamente ameaçador, cria uma sensação ilusória de poder e controle, segurança, podendo até refletir para quem vê de fora como produtividade, eficiência nos negócios.

Porém, o preço para isso é a diminuição da espontaneidade, da agressividade, da capacidade para o prazer e para a realização, para o contato e a entrega.  Aprisiona a pessoa dentro dela mesma, impedindo a livre circulação de energia, a flexibilidade, diminuindo a possibilidade de movimentos e expressões. Fica tudo assim meio “amarrado”.

Resumindo, a couraça crônica diminui nossa potência.

As técnicas criadas por Reich


Com toda essa descoberta, Reich ficou expert em observar a postura corporal, podendo "ler" o caráter do paciente inscrito no corpo, nas tensões, nas couraças.

Assim, desenvolveu a técnica da Análise do Caráter, onde acrescenta ao trabalho verbal, essencial no processo psicoterapêutico, os trabalhos corporais, visando a dissolução dessas couraças, liberando impulsos e emoções reprimidas e permitindo uma nova elaboração dos conteúdos psíquicos envolvidos.

Reich criou a Curva Orgástica, a fórmula "tensão-carga-descarga-relaxamento", que representa a economia energética que a psique apresenta na sua relação com a vida.

Essa fórmula, quando funciona de maneira plena, traduz num organismo saudável, capaz de pulsar livremente e com energia. Quando há uma interrupção em qualquer parte da curva, para Reich, é porque há um bloqueio muscular (couraça) que impede que a curva se faça na sua natureza. Cada um desses bloqueios traz características de uma fase do desenvolvimento infantil e apresenta seu significado emocional.

O desencouraçamento na terapia Reichiana promove uma retomada do livre fluxo dessa energia, a restauração da saúde e a possibilidade de contato consigo mesmo e com os outros.

Reich descobriu ainda que os tais bloqueios musculares – as couraças - que impedem a curva orgástica de acontecer livremente se organizam no corpo em sete conjuntos funcionais (feixes transversais à longitude do corpo), aos quais denominou. São sete níveis de tensão ou anéis da couraça: olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma, abdome e pelve.

  1. Primeiro anel: ocular
  2. Segundo anel: oral
  3. Terceiro anel: pescoço
  4. Quarto anel: torácico
  5. Quinto anel: diafragma
  6. Sexto anel: abdome
  7. Sétimo anel: pélvico

Cada um desses bloqueios está relacionado a eventos traumáticos ocorridos em uma fase específica do desenvolvimento físico/emocional infantil.

O neuropsiquiatra Frederico Navarro, foi quem a pedido do próprio Reich, desenvolveu os actings - movimentos específicos para trabalhar o desbloqueio dos sete anéis a fim de flexibilizar a couraça. Eles são trabalhados no paciente nessa ordem: do primeiro para o sétimo.

A Análise Reichiana envolve a prática e integração das três técnicas reichianas referentes às três fases das pesquisas e descobertas de seu trabalho: Análise do Caráter, Vegetoterapia Caracteroanalítica e Orgonoterapia (resultado dos estudos da fase final de sua vida sobre a energia vital, que chamou de Orgone e que, para ele, estava presente em toda a parte).

E como trabalhar com ela?

Já vimos que a couraça existe para bloquear o acesso às emoções, consideradas em algum momento como ameaçadoras, e para reprimir sua livre expressão. E isso é feito com um grande investimento de energia, ainda que de modo inconsciente, pois já ficou automático.

Trabalhar sobre a couraça acessa a memória da situação vivenciada e carregada de afeto, libera a energia que estava presa, estagnada para a manutenção da mesma, junto com o contato com a emoção contida nela.

Dessa forma, contando com uma estrutura psíquica mais fortalecida, com apoio psicoterápico, num outro momento de vida, a pessoa tem a possibilidade de rever toda a situação vivenciada e até ressignificá-la, descobrir um novo lugar para ela, um novo jeito de lidar com ela agora, enquanto adulto.

A energia, antes utilizada para manter a couraça, fica livre e pode ser utilizada para um novo movimento na vida – mais consciente e saudável. A energia fixada na couraça diminui a capacidade de movimento, de flexibilidade do organismo e diminui as possibilidades da pessoa diante da vida e das relações – ela fica presa num padrão. Quando a energia fica livre a capacidade de pulsação (contração/para dentro/para si – expansão/para fora/para o mundo) que é fundamental para o conceito de saúde na Psicologia Corporal, pode ser resgatada.

Esse trabalho de desencouraçamento deve ser realizado de forma muito cuidadosa, pois ao mexer nesse sistema de defesa estamos mexendo em um sistema muito antigo e conhecido, no qual o paciente confia, que visa manter a sua integridade, que lhe dá “segurança” e a sensação de autocontrole.

Por isso a importância de um ego mais amadurecido e flexível para lidar de forma proveitosa com o material que vem. Saber que o paciente tem base para lidar com esse material é imprescindível.

E a Psicologia Biodinâmica com isso tudo? 


Impossível falar de couraças sem contar a trajetória do trabalho desbravador de Wilhelm Reich. Assim, nos conectamos com o que chegou a Gerda Boyesen no início de seus estudos e experiências, que a levaram ao desenvolvimento da teoria e prática da Psicologia Biodinâmica e permitiram que Gerda fosse ainda além da couraça muscular.

Para quem ainda não sabe, Gerda era norueguesa e foi fisioterapeuta e psicóloga. Ela integrou sua experiência psicoterapêutica dos conceitos reichianos da vegetoterapia (foi cliente e aluna de Ola Raknes - discípulo e colaborador de Reich) com as técnicas de massagens desenvolvidas no seu trabalho com a fisioterapeuta Aadel Bülow-Hansen. Sua experiência clínica, tanto na fisioterapia quanto no uso da massagem para tratamento de questões psicossomáticas e de pacientes psiquiátricos, a levaram a descoberta de outros níveis de encouraçamento, além do muscular trazido por Reich.

Gerda foi percebendo que a tensão vivenciada repetidamente e não expressa, não aliviada ou assimilada, vai se acumulando camada após camada e assim desenvolvendo o sintoma neurótico – a neurose vai sendo literalmente incorporada, num processo tanto fisiológico quanto psicológico.

Em alguns casos, aparece mais o sintoma físico, em outros se destaca no comportamento, mas sempre estão acontecendo juntos – são aspectos integrados.

A leitura corporal desenvolvida por ela era com o paciente deitado e por meio do toque atento aos sinais do seu corpo. Não somente a musculatura fazia parte dessa análise, mas também a pele, membrana, articulações, a respiração, sempre relacionando com a formação de caráter.

Para Gerda, o encouraçamento acontece em três tipos de estruturas: na musculatura, nas vísceras e no tecido conjuntivo.

E, como já falado anteriormente, está ligado intimamente ao desenvolvimento e também à manutenção da neurose - se instala para amenizar o conflito entre os impulsos do id e o controle do ego

A Couraça Visceral é formada na musculatura lisa dos intestinos e interfere no funcionamento da psicoperistalse.

Você pode estar se perguntando: o que é isso?

Gerda descobriu na sua prática, que o intestino tem uma dupla função. Além da digestão dos alimentos, e junto com ela, ele é o responsável pela digestão das nossas emoções.  Deu o nome de Psicoperistalse a essa função de limpar fisiologicamente os resíduos das emoções que não foram totalmente descarregadas pelo organismo, limpar as toxinas do estresse e retomar a dinâmica do organismo, permitindo assim a sua autorregulação.

A Couraça Visceral altera a capacidade desse movimento do intestino, tornando-o hipertônico ou hipotônico – preso ou solto demais. Há uma inibição do psicoperistaltismo.

Em sua prática do toque na superfície do corpo, Gerda também descobriu a Couraça Tissular - a Couraça de Tecido – formada no tecido conjuntivo pelo excesso ou falta de defesas na própria pele.

Quando se perde a capacidade de autorregulação, o corpo nunca fica totalmente limpo dos efeitos da tensão (estresse). Temos então um acúmulo de toxinas não metabolizadas nos tecidos da derme, o que impede a livre circulação energética e traz a perda da sua elasticidade natural.

Gerda traz que são nas vísceras que surge e se centraliza a carga emocional, e que é a partir das vísceras que ela vai se direcionar para os canais de expressão e descarga - como rosto, garganta e outras.

E esse caminho das vísceras até a expressão é feito pelo canal alimentar.

Ela ainda nos fala do desenvolvimento psicoenergético relacionado com a relação do bebê com sua mãe, conectado com o canal alimentar. Aqui vemos hoje, na Biodinâmica, uma forte influência do conceito winnicottiano sobre as relações objetais. E percebemos na sua teórico/prática Biodinâmica a total interrelação dos processos vegetativos com os psicológicos, emocionais, comportamentais – ou seja com toda a dinâmica psíquica.

Gerda fala de um conflito a nível fisiológico, entre o Sistema Nervoso Autônomo que dirige a ação visceral que leva à expressão emocional e o controle dessa expressão através do Sistema Nervoso Central.

Então, como trabalhar as couraças:


As couraças são trabalhadas na Psicologia Biodinâmica através da Massagem Biodinâmica, que inclui a concepção do toque, do contato físico como forma de comunicação não verbal, a valorização da intenção no toque, o uso de técnicas específicas de massagem adequadas às diversas necessidades de cada fase do processo psicoterapêutico e que utiliza um estetoscópio sobre o ventre do paciente como guia desse processo de abrir o psicoperistaltismo.

O estetoscópio permite que o terapeuta ouça os ruídos internos do paciente nos diferentes toques. Através da massagem chega-se ao inconsciente e às emoções reprimidas. As massagens biodinâmicas trazem além do conhecimento das características do corpo, a sua conexão com os estágios do desenvolvimento.

As couraças também são trabalhadas através da Vegetoterapia Biodinâmica, que abrange diversas formas de intervenção corporal com efeito sobre a psique do paciente que podem ser aplicadas sem necessariamente haver contato físico, incluindo-se aí a associação livre de movimentos, o trabalho com a respiração e exercícios mobilizadores e integradores.

Mas aqui falamos de técnicas e há algo na Biodinâmica que conduz o uso das técnicas e é superior a ele: que é a conduta terapêutica.

Quando falamos em couraças na Psicologia corporal como um todo, muitos ainda podem lembrar de termos como “quebrar couraças” ou quebrar o sistema de defesas para chegar no conteúdo reprimido. Isso não é levado em conta num processo Biodinâmico, por melhor intenção que se tenha.

O respeito ao tempo do paciente e ao seu processo trouxe um outro termo que define a forma Biodinâmica de trabalhar com as couraças.

Uma forma não invasiva: o derretimento da couraça.

Esse derretimento propõe uma intervenção suave, que promove uma abertura de dentro para fora – pelo próprio paciente. O papel do terapeuta é (antes, durante e depois) proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para essa abertura e para o contato com o material interno que é ameaçador.

A amizade com a resistência é parte desse derretimento da couraça, quando propõe um trabalho próximo ao ego do paciente, afinal somente um ego maduro pode tornar desnecessária a existência da couraça para defesa do contato com o material por ela reprimido.

É preciso que o paciente esteja preparado para lidar com a ansiedade que vem junto com esse contato.

Aí vem a importância do respeito ao tempo do paciente e da postura de “parteira” por parte do psicoterapeuta, onde esse previne do contato prematuro com o material inconsciente e fica dando suporte para esse contato quando o paciente estiver pronto e fizer o movimento de abertura de dentro para fora.

A meta aqui não é o contato e a expressão a qualquer custo. E sim a preparação madura e singular para esse contato, de forma que seja proveitoso e não que venha gerar novos traumas e novas defesas.

Quando falo em “derretimento de couraça” me lembro de calor (calor que derrete) e então me vem a associação com o calor do contato genuíno proposto na presença terapêutica:  que traz respeito, aceitação, acolhimento, suporte, segurança.

Entendo que esse calor vem do afeto presente nessa relação e que sentir isso permite que o paciente vá se soltando, de dentro para fora, naturalmente. Num ambiente em que é visto, aceito, tem apoio e segurança. Ambiente que permite o fortalecimento do ego e então, o derretimento das defesas. Num ambiente que dá suporte para novas descobertas, novos movimentos na vida.

Fico pensando aqui, como poderíamos, nós psicoterapeutas, olhar de fora e julgarmos algo há tanto tempo construído e incorporado na história da pessoa e no seu modo de ser no mundo, como desnecessário?

Claro que temos nosso olhar treinado para enxergar a pessoa a nossa frente, mas é preciso baixar a bola, reconhecer a sabedoria interna do paciente e olhar com respeito, sempre respeito, para então se aproximar e agir.

Acredite, ele sabe mais dele do que você.

Mas você tem um grande trunfo se seu objetivo for realmente ajudá-lo a reconhecer esse conhecimento acerca de si próprio e utilizá-lo a seu favor, para uma vida mais livre de amarras, mais satisfatória e pulsante.

Sei que muitas vezes o sofrimento da pessoa que chega até nós é tão grande e ela nos parece tão cega diante da sua maneira de funcionar na vida que nos dá vontade de apontar tudo aquilo que estamos vendo.

Mas aí eu pergunto: isso vai adiantar? A verdade que vem de fora traz transformação?

Talvez o que você vá falar ela já tenha ouvido muitas vezes.

Esse é o momento do respeito. De saber acolher e fazer diferente.

Quando tomamos consciência da existência da couraça no corpo do nosso paciente, podemos lançar mão de recursos simples que possam nos ajudar a vê-lo de maneira mais profunda e a ajudá-lo a perceber-se a partir desse corpo. Ser capaz de respirar, estar em contato com o próprio corpo e perceber o que aquela pessoa te causa, pode ajudar muito no trabalho psicoterapêutico.

A partir daí, ajudá-lo a perceber-se em seu próprio corpo, sua respiração, seu tom de voz, sua postura, fazem parte da assimilação inicial desse sistema de defesa padronizado e incorporado há tanto tempo.

Ajudar seu paciente a perceber que sua postura básica é com os ombros erguidos, encolhendo o próprio peito entre eles, pode facilitar muito na sua própria compreensão de como se sente diante do mundo, das pessoas. Ou então a se dar conta que costuma utilizar um tom de voz agressivo, que causa medo nas pessoas.

A percepção através das sensações do próprio corpo é muito forte para ser negada. É uma experiência própria e muito verdadeira. Ela nos aproxima de nós mesmos. Aproxima da nossa história. Mesmo que a princípio só venha a sensação, ainda desconectada da razão.

É um processo.

E o ambiente seguro que o terapeuta oferece com sua postura de não julgamento, de acolhimento, de dar o tempo necessário para esse processo amadurecer é fundamental.

É passo a passo, para ser um processo genuíno do paciente. É um exercício constante de estar presente e de confiar na sabedoria interna da pessoa que ali está. E de saber da sua responsabilidade em criar as condições externas necessárias nesse processo, para que ela possa reencontrar todo seu potencial.

Afinal, se tensionar o corpo pode ser uma forma fantástica de amenizar os conflitos internos, então liberar-se desse padrão pode trazer novas possibilidades de assimilação de todo esse conteúdo que em algum momento pareceu tão ameaçador, permitindo a descoberta de uma nova forma de ser e estar no mundo.

Autor Luciana Calazans

Luciana Calazans

@bemviveredesenvolver

Luciana Calazans quer compartilhar com você essa abordagem apaixonante que integra corpo e emoção e mostrar que é possível, sim, buscar e criar formas mais eficazes de ser e estar no mundo a partir da própria essência. Encantada pela capacidade humana de transformação e pela sua força vital, acredita no desenvolvimento do potencial latente no indivíduo ou grupo, pessoal ou profissional - no Desenvolvimento de Pessoas. É Psicóloga (CRP 06/85520), Psicoterapeuta Biodinâmica e Coach de Desenvolvimento de Mulheres.

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