Uma pausa para fluir o movimento que apareceu

Sim teremos uma pausa por aqui!

Esse não é um artigo, é um bate papo com vocês sobre essa pausa.

Quem acompanha o canal deve ter percebido que há um tempo não temos conteúdos novos. Vou contar um pouco pra vocês dos movimentos que vem acontecendo do lado de cá, que se conectam com o movimento - ou a pausa dele – aqui no canal.

Eu tive um bebê em setembro de 2017. “Virei” mamãe. Brincadeiras à parte, tem uma mãe sendo formada aqui, descobrindo tudo, cada dia uma novidade - ou mais que uma. Durante a gravidez já diminui um pouco o ritmo de trabalho e também das postagens aqui. E, eu que não imaginava como era a vivência desse momento, fiz meus combinados com a nossa querida editora Daiana sobre como seria o ritmo das postagens aqui no canal. Assim, também me programei junto aos meus pacientes sobre como seria o retorno aos atendimentos. Sabia que teria uma rede de apoio de confiança com a qual poderia contar e acreditava que poderia retornar sem maiores problemas. E, realmente, não tive “problemas” – pelo menos nenhum relevante.

Só tive algo como:

Me surpreender comigo mesma.


Conhecem? Já ouviram falar?

Parece até “ridículo”, pois falo o tempo todo por aqui de nos ouvirmos. Pois é. Mas para nos ouvirmos é preciso que o nosso ser esteja “falando” algo para ser ouvido. E, justamente, o que aconteceu foi que, quando fiz meus combinados, meu ser ainda não “falava” nada com certeza sobre isso, pois ainda não vivenciava esse momento pós parto de contato com meu filho.

Pude me organizar com o que tinha: o conhecimento sobre mim e o imaginar que seria uma mãe que iria querer curtir bem grudada com o filho esse momento, conhecer minha rede de apoio e achar que seria muito tranquilo deixá-lo por curtos períodos de tempo com o pai ou a avó logo no início do retorno, saber que tenho horários flexíveis e já ter tomado a decisão de esse ano ter um ritmo de trabalho bem tranquilo para priorizar o tempo com o bebê, achar que depois de 4 meses eu teria uma pessoa que ficaria com ele pertinho de mim durante os atendimentos, saber da importância do vínculo mamãe bebê e do contato nos primeiros meses de vida.

Tá bom, né?

Achei que sabia bastante coisa pra me organizar, afinal eu precisava me organizar com meus outros compromissos, não dava pra deixar as pessoas sem nenhuma previsão.

Ainda bem que tive a noção de sempre dizer que “isso era o que eu imaginava, que veríamos como seria mesmo no momento, que não tinha como prever.”

Ufa, que bom que tive essa lucidez.

Voltei dois meses depois do parto como havia combinado com os pacientes: atendendo com intervalos entre os pacientes e só um pouco por dia, quinzenalmente.

Não, eu não sentia ainda vontade de voltar.

Mas achava que 4 meses seria demais: me sentia responsável com os processos e as pessoas que estavam comigo. Lembrava de um paciente que, quando falei que estava grávida, me perguntou se depois de um mês eu já estaria de volta. Então, já tinha organizado tudo, pra fazer bem devagar e organizando com as mamadas do bebê, no início atendendo os poucos pacientes que continuei durante a gravidez - alguns processos e prestação de serviços fora do consultório encerraram durante a gestação e já fui diminuindo bem o ritmo de trabalho.

Voltei atendendo de quinze em quinze dias.  

E aí, tive minha grande surpresa.

No final de dezembro fui convidada para contar da minha experiência com a maternidade e como fiz para me organizar com os pacientes, pois tinham enviado uma dúvida para a Academia sobre essa situação e o pessoal estava organizando informações com alguns colaboradores que passaram essa experiência. Na minha “rapidez” de mãe, quando fui escrever minha contribuição o texto já estava no ar – e muito bom – compartilhando dicas de dois colegas.

(O artigo é esse aqui – Quando a psicóloga entra em Licença Maternidade)

Coloquei nos comentários minha experiência e algo que a Ana Paula Petry colocou no seu texto mexeu muito comigo. Mexeu tanto que eu nem consegui falar sobre aquilo no meu comentário.

Eu ainda precisava sentir e digerir.

Eu estava no período de recesso de final de ano, me preparando para voltar em Janeiro atendendo semanalmente. E o que a Ana colocou lá foi que: muitas mães descobrem que não querem retornar ao trabalho nesse momento.

E eu percebi que era exatamente isso: eu não queria ir pro mundo lá fora ainda.

Queria mesmo era ficar com ele no nosso ninho.  Não conseguia imaginar outra pessoa cuidando dele enquanto eu estivesse lá trabalhando, cuidando de outras pessoas. Eu sou apaixonada pelo meu trabalho, mas esse momento era de cuidar dele, de viver isso com todo meu ser.

Mas, e minha responsabilidade com aquilo que me comprometi? Com as pessoas?

Me dar conta disso foi uma pequena crise interna. Tudo já estava perfeitamente programado para funcionar tão bem.

Eu só esqueci que pessoas são surpreendentes. Não são programáveis. Só esqueci que iria viver um momento tão intenso: o início de uma vida. Só isso.

E o que quero compartilhar aqui é que tive que:

Usar dos princípios básicos da Biodinâmica para perceber exatamente o que acontecia comigo naquele momento.


Esse foi o primeiro passo: perceber que imaginar o retorno me causava incômodo, desconforto. Mesmo sentindo saudades dos pacientes. Eu amo meu trabalho, então algo estava acontecendo. Meu corpo se retraia e tinha vontade de ficar, não de ir.

Quem acompanha aqui deve ter assistido Ricardo Rego, quando trouxe pra gente um pouco sobre a associação livre de movimentos (como a associação livre de ideias na psicanálise): onde ouvir o que o corpo quer fazer, deixar ele se expressar nos conta sobre nós diante de uma situação e nos mostra o que precisamos no momento.

(Neste vídeo – Deixa vir)

Meu corpo queria ficar aqui, pertinho daquele bebezinho, de olhos atentos nele, sentindo ele. Me sentindo e descobrindo nessa nova experiência. Meu corpo se recusava a ir pra longe.  Depois da percepção veio a parte de acolher-me.

É tão fácil para nós psico acolher nossos pacientes e clientes, e quando chega a hora de nos acolher?

Quem acompanha aqui também sabe que é algo que eu sempre falo: se o terapeuta não estiver em contato consigo, não se respeitar e não viver a sua verdade, como poderá contribuir para esse movimento do outro? É só através do contato profundo comigo que posso me conectar verdadeiramente com o outro e ajudá-lo a se conectar consigo.

Isso foi muito forte para eu lidar com o que tinha criado na minha cabeça de como seriam as coisas após o nascimento do bebê. Parecia tudo tão encaixadinho: nos planos combinava muito bem o cuidado amoroso e presente com meu filho com o meu trabalho num ritmo mais lento.

Pois é, mas aqui dentro não combinava.

Na prática, nesse momento, não havia lugar em mim para as duas coisas. E eu tive que lidar com isso e com todas as minhas cobranças enquanto adulta e profissional.

Percebi que eu não estaria disponível de verdade internamente para meus pacientes, mesmo que organizasse tudo ao meu redor para voltar a atender. E isso não seria justo com eles e nem comigo.

Que encontro teríamos aí?

Claro que nós psicoterapeutas, como humanos que somos, muitas vezes vamos atender arregaçados por dentro, passando por várias situações difíceis na vida. Isso é natural, como todo mundo temos que trabalhar nos dias difíceis também. E muitas vezes, se estivermos em contato conosco e cuidando de nós, a dor até nos aproxima dos pacientes.

Mas esse caso era diferente. Eu não estava passando por um momento de dor ou dificuldade. Pelo contrário. Eu queria viver essa alegria intensamente. E eu sentia que não tinha essa disponibilidade pros atendimentos no momento e não acredito então, que eu pudesse ser uma boa terapeuta neste período.

Por outro lado, o conhecimento que eu tinha sobre vinculo mãe bebê me amparava e acolhia minha vontade de ficar.

Eu me conheço e sabia que eu não tinha outra opção a não ser me respeitar. Sim, era isso. Eu realmente queria ficar em tempo integral com o meu bebê nesse momento de nossas vidas.  Eu percebi isso, precisava acolher e lidar com a situação de forma prática.

Vamos lá: fui pra minha terapia. Sim! Essencial neste momento de tomada de decisão, de deixar vir pro mundo o que já estava certo lá dentro. Saí de lá acolhida, fortalecida e com ideias de como lidar com tudo. Foi tão libertador ver que isso já estava decidido em mim.

Próximo passo, conversar em casa, com o marido. Apoio total! Teríamos como nos organizar nesse período. Próximo passo: o colega com quem dividia a clínica do consultório: apoio total! Próximo passo e o mais difícil: os pacientes.

Vejam, foi importantíssimo eu me fortalecer internamente com minha decisão antes de ir pro mundo, entender que era sim um direito meu, que eu tinha que me respeitar, que é isso que eu trabalho com as pessoas. E, conforme esse processo foi acontecendo -  percepção, acolhimento, respeito, apropriação – eu fui podendo me colocar no mundo com as mudanças e encontrar a melhor forma de fazê-las. Respeitando sempre todos os envolvidos na minha decisão.

Outra coisa importante de colocar é que, tanto a associação livre de ideias como a associação livre de movimentos, precisam de um espaço seguro para acontecer.

Eu tive um ambiente seguro e acolhedor onde pude deixar emergir o novo que estava nascendo em mim. Uma nova experiência estava me trazendo novos desejos, novos compromissos, novos movimentos internos e necessariamente teriam que vir novos movimentos externos. E isso encontrou suporte externo para se expressar. Assim como no consultório nós psicoterapeutas temos que proporcionar um espaço seguro para os movimentos dos nossos pacientes poderem acontecer.

Sobre os pacientes: tive que confiar no Núcleo Saudável de cada paciente e ir para essa conversa com as medidas em aberto. Sim, nós decidiríamos juntos como faríamos esse desligamento.

E qual não foi minha surpresa, no retorno pós recesso de final de ano, quando vim para ter essa conversa com cada um. Nesse período em que ficaram sem psicoterapia, os pacientes foram “convidados” a usar as ferramentas que haviam descoberto em si durante o processo. E no retorno, muitos se mostraram surpresos como estavam lidando com as situações enquanto estavam sozinhos. Estavam realmente usando suas ferramentas internas.

Na Biodinâmica costumamos focar no Núcleo Saudável: fortalecer o que há de bom, positivo, saudável, para com isso poder lidar com a parte mais dolorosa, desafiadora, difícil.

Lembro da surpresa do paciente – aquele que quando soube que eu estava grávida perguntou se eu voltava em um mês. Ele duvidava da sua capacidade de se manter “são” (era como ele falava) caso determinada relação se rompesse. E trabalhamos muito no seu fortalecimento interno antes de eu sair de licença.

Quando retornei, me contou que havia rompido a relação e que precisava de mais um mês sozinho, sem terapia, para acolher tudo aquilo, mas já queria deixar seu retorno marcado para o mês seguinte. Não foi fácil seu processo, mas ele descobriu sua força, a força de se manter em pé sozinho. Isso foi importantíssimo.

Mesmo com consciência de que precisava sim de apoio, que precisava sim de terapia, descobriu que não caia mais sozinho. Esse foi um exemplo.

E, assim, com cada paciente fomos desenhando como seria o desligamento. Alguns atendi mais vezes, outros menos. Alguns fecharam um ciclo e resolveram que vão dar um tempo de terapia e depois voltam. Outros sabem do quanto precisam continuar e indiquei, com muito cuidado, outro colega.

Um caso único, num momento delicado da vida decidi que não tinha como encaminhar: ouvi novamente meu corpo e ele não queria se afastar daquele contato. E juntos, decidimos continuar o tratamento. Infelizmente tivemos mais uma única sessão e eu tive uma triste surpresa: ele partiu.

Percebi então, como foi importante na relação terapêutica, nesse momento, não colocar tudo na mesma regra e ouvir a singularidade de cada caso, de cada relação.

Me ouvi ali, presente, naquele momento. Foi importante para mim enquanto profissional ter tomado essa decisão de continuar somente com aquele paciente. E, sei também, que foi importante para ele que eu não fosse embora naquele momento. E eu só pude estar presente com cada paciente porque me permiti estar comigo. Porque me acolhi e respeitei.

E quando fiz isso, me abri para tocar os outros dessa forma: fui respeitada na minha decisão.

Lembrei da mãe suficientemente boa:  que é aquela que supre a dependência no contato e no afeto no momento mais delicado, de maior dependência. Ela falha também, repara e em algum momento do processo lá adiante, se faz naturalmente desnecessária. Percebi que, com alguns pacientes já estávamos nesse ponto. Outros eu precisei pedir ajuda de outra “mãe” e encaminhei. Agora era a hora de sê-la com o meu bebê. De estar bem presente nesse momento inicial. Depois, a mãe aqui vai voltando ao mundo externo, ao trabalho que me dá tanto prazer. Sei que vou sentir a hora disso acontecer. São fases do processo da vida. A pulsação natural.

Esse fundamento é básico na Biodinâmica: primeiro vou pra dentro e faço contato comigo, me acolho, me respeito, me fortaleço, depois vou pra fora, fazer contato com o outro. E, ao me respeitar, me torno mais capaz de respeitá-lo e de ajudá-lo a fazer esse movimento consigo, na sua vida.

Por isso falamos aqui da importância da terapia para psicoterapeutas.


Essencial mesmo.

Ver cada paciente saindo mais apropriado de si foi muito satisfatório. Com a consciência do que tem, do que precisa, do seu momento. Cada um no seu ritmo e na sua proporção, eu sei que pudemos fortalecer seu núcleo saudável no nosso encontro psicoterapêutico. Agora cada um segue seu caminho. Eu sei que ainda reencontrarei muitos pelo caminho.

Confesso que me pego com ideias borbulhando sobre trabalhos a realizar. Mas, elas vão ficando aqui armazenados para a hora certa de acontecer. Sem urgência. Isso só me dá a certeza de que vai chegar esse momento. Quando e como eu não sei.

Descobri na pele que não dá pra programar o que ainda não existe. A realidade só é quando acontece.

Tudo isso pra contar pra vocês que o canal vai ficar sem novidades por um tempo. Não sei quanto.  O conteúdo que está aí permanece pra consultar sempre que der vontade. E acredito que, quando voltar, vai ter muita coisa nova que ficou sendo gestada esse tempo aqui dentro para a gente conversar.

Se eu puder ajudar em alguma coisa podem me enviar um e-mail. Posso demorar um pouquinho, mas eu respondo com prazer.

Um beijo grande, obrigada pela companhia em tudo que foi fluindo por aqui.

Gratidão imensa à Academia do Psicólogo pelo respeito ao meu movimento.

Agora eu vou ali, viver tudo isso que está acontecendo aqui e já volto.

Até breve.

Autor Luciana Calazans

Luciana Calazans

@bemviveredesenvolver

Luciana Calazans quer compartilhar com você essa abordagem apaixonante que integra corpo e emoção e mostrar que é possível, sim, buscar e criar formas mais eficazes de ser e estar no mundo a partir da própria essência. Encantada pela capacidade humana de transformação e pela sua força vital, acredita no desenvolvimento do potencial latente no indivíduo ou grupo, pessoal ou profissional - no Desenvolvimento de Pessoas. É Psicóloga (CRP 06/85520), Psicoterapeuta Biodinâmica e Coach de Desenvolvimento de Mulheres.

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