Como dar aos pais o que eles precisam

Quando pensamos em trabalhar diretamente com pais, vem um dos grandes dilemas. Afinal, como falar o que os pais precisam ouvir, e mais, como fazer que eles queiram nos ouvir, e sintam a importância do psicólogo no papel deles enquanto pais?

Bom, há alguns caminhos, e vou contar um pouco de como foi a minha trajetória, quais coisas funcionaram e de que forma fui consolidando meu trabalho neste sentido.

Outros profissionais podem nos ajudar


Desde a época da graduação, tive muito interesse em trabalhar com pais. Eu ainda não tinha filhos, mas me recordo que na clínica escola, atendi uma mãe de gêmeos que passava por grandes dificuldades na aceitação do seu papel materno. Acredito que aquilo me marcou de tal forma, a ponto de me despertar esse interesse.

Então eu me graduei e saí naquela busca por aprendizado, subloquei uma sala em uma clínica de fonoaudiologia e comecei a trabalhar com psicologia clínica, que sempre foi meu sonho. Lá conheci uma fono, que trabalhava em escola, e esta, que era de educação infantil, precisava de uma psicóloga.

Logo, comecei a trabalhar lá e tinha por hábito conversar muito com as professoras, para entender quais eram as dificuldades do dia a dia delas, ao lidar com as crianças.

Mas por que focar nas professoras, se meu interesse eram os pais?

Pelo fato de que elas, que estavam o dia inteiro com essas crianças, saberiam me dizer o que identificavam como necessidade de assuntos para serem desenvolvidos com os pais, já que eles, muitas vezes faziam coisas sem perceber que poderiam prejudicar seus filhos, ou que aquilo não era o adequado, por exemplo.

Isso sem falar que é para elas que eles desabafavam as maiores dificuldades que enfrentavam com as crianças em casa.

A partir daí surgiram vários temas relevantes: o papel dos pais na adaptação escolar, mordidas, bicos e mamadeiras, desfralde, agressividade, limites e regras, a importância do exemplo, entre outros. Com os temas identificados com as professoras, foi possível começar a fazer reuniões de pais, rodas de conversas e outros encontros com temas definidos pelos próprios pais.

Ok, aqui estou falando da experiência que eu tive, mas e se você não trabalha em escola, o que pode fazer então?

Faça exatamente a mesma coisa!

Comece a agendar horários com as diretoras e coordenadoras das escolas e busque se informar quais demandas eles mais necessitam para ser trabalhadas com os pais.

Certamente, se você oferecer uma palestra ou roda de conversa para as professoras de alguma escola que possa te dar estas informações e, obviamente, se preparar para isso e fizer um bom trabalho, as trocas serão ainda melhores e mais credibilidade você terá.

“- Ah, mas toda, ou quase toda escola já tem psicólogo, Ana!”.

Acredite, grande parte delas afirma que tem psicólogo, mas na realidade, eles não trabalham dentro da escola, apenas são parceiros e quando a escola percebe necessidade, encaminha para aquele profissional. Porém, dizer que tem um profissional desses na equipe, ajuda na hora que os pais ficam em duvida em qual matricular, por isso divulgam desta maneira.

No entanto, a escola não é o único meio de se chegar aos pais, outra fonte riquíssima de parceria para nós, são os profissionais da saúde: médicos pediatras de diversas especialidades, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, entre outros, e até outros psicólogos.

Vocês ficarão chocados no momento em que começarem a se encontrar com pediatras das mais diversas áreas. Eu sempre tive a crença de que médicos não receberiam psicólogos, por talvez não achar que nosso trabalho poderia contribuir ao deles, até criar coragem e começar a ir até os seus consultórios, e me surpreender com o carinho e estima que eles me recebiam.

A fala deles era muito similar, algo mais ou menos assim “Como é bom ter um psicólogo para indicar esses pais que passam por tantas dificuldades e não sabem como lidar com suas frustrações e angústias”. Sem falar naqueles que diziam “Nossa, faz anos que procuro psicólogos que queiram trabalhar com pais, já sugeri pra vários outros criar grupos, mas isso nunca acontece!”.

E o que eu conversava com esses profissionais (não só os médicos, mas enfatizei eles por achar que seriam os mais difíceis de nos atender)?

Primeiramente, me apresentava, e explicava de que forma a psicologia poderia contribuir com o trabalho deles. Em seguida questionava quais eram as situações que eles mais sentiam necessidade de ser trabalhas com os pais, quais queixas mais comuns, inseguranças, medos, enfim. E fazia uma lista disso tudo.

Espera aí, e os pais?


Como falar com eles e saber o que eles de fato querem ouvir e tem dúvidas?

Nossa, aí há inúmeras possibilidades!

Você pode pedir uma reunião de pais, dar uma palestra em alguma escola e passar bilhetes pedindo sugestão de temas, você pode conversar com pais que já estejam no seu círculo de amizade ou familiar, você pode se basear na sua própria experiência de pai/mãe (se já for um), você pode pensar em pais com características em comum (por exemplo: pais de prematuros, pais que lidam com alergia alimentar dos filhos, etc.).

Com esta lista feita, já é possível ter uma grande diversidade de temas a serem trabalhados. Mas como e onde falar sobre esses temas?

Para isso também há muitas possibilidades: você pode usar suas redes sociais, pode oferecer seu trabalho em escolas/empresas/hospitais, a princípio de forma gratuita para começar a ser conhecido.

E quanto mais conteúdo você vai trabalhando, estudando, se especializando no assunto, quando você se der conta, já estarão te procurando para atendimento clínico, ou convidando para dar palestras, fazer rodas de conversas e quem sabe você mesmo estará criando eventos específicos nos temas que desejar trabalhar.

Vamos ver um exemplo prático de como aconteceu um desses processos?

Após criar minha página no facebook do Gestando e Aprendendo, e postar alguns conteúdos direcionados a pais, uma Gastropediatra aqui da minha região viu um vídeo no qual eu relatava a minha experiência em amamentar minha filha que teve APLV (Alergia a Proteína do Leite de Vaca).

Ela gostou do vídeo e da maneira real com que eu abordei o assunto, sem ficar “floreando” muito, sendo muito sincera e acreditou que este conteúdo poderia ajudar muitas mães que passavam pela mesma dificuldade. Então, entrou em contato comigo e começamos a conversar.

Em uma dessas conversas, identificamos vários temas que eu poderia desenvolver, que tem relação com o trabalho dela, dentre eles: amamentação e APLV, acolhimento de pais que estão recebendo o diagnóstico de APLV ou outras alergias alimentares, o dia a dia da família que convive com alergias alimentares, constipação intestinal por causas, desfralde e suas questões neurológicas e psicológicas, entre outros.

A partir disso, optei por trabalhar primeiro nos temas relacionados a APLV, já que é algo que eu conhecia muito bem por ter vivenciado e estudado muito o assunto.

Foi então que criamos uma equipe de trabalho interdisciplinar onde eu, no papel de psicóloga e mãe de uma criança alérgica falei da amamentação e suas dificuldades, e da necessidade do apoio emocional que os pais, mas principalmente as mãe precisam.

Ela enquanto gastropediatra falou das questões referentes a sintomas, diagnóstico e tratamento; uma alergologista pediatra falou a respeito dos testes existentes, como eles funcionam e qual a indicação para cada um deles. A nutricionista relatou a importância de manter a alimentação da criança e/ou da mãe que amamenta exatamente de acordo com as orientações para não correr riscos.

E assim, passamos a dar palestras sobre estes temas, todos complementares, mas cada uma, na sua especialidade.

O retorno dos pais foi tão positivo, que deste evento  surgiram outros e este ano teremos mais, com certeza. O feedback dos pais era em geral, que finalmente alguém estava lembrando deles, pois lidar com essas questões no dia a dia era bem complicado e ter uma equipe pensando e trabalhando junto deles foi muito bacana.

Isso resultou em novos pacientes para mim, e para toda a equipe, na formação de Grupos de Apoio Emocional para pais de crianças alérgicas, o qual é exatamente o que eu pretendia. Também vieram novos convites para entrevistas em programas de canais locais e mais visibilidade dentro do público de meu interesse: pais.

E os outros temas, não foram trabalhados? Ainda não, mas já estamos programando algo muito legal para este ano de 2017, onde iremos falar juntas sobre os outros temas que ficaram pendentes.

Conseguem perceber como aos poucos, as coisas vão se amarrando e fluindo?

Tudo bem, de APLV eu já entendia bastante, mas e se fosse um tema o qual essa compreensão não era tão boa assim, o que eu faria?

Nós não somos os grandes “entendedores” de tudo, e certamente em algum momento, ou vários, vamos nos deparar com assuntos dos quais não temos tanta familiaridade assim. E tudo bem, o mais importante é ter humildade e perceber até onde estamos ou não preparados para desenvolver bem o nosso trabalho.

Sempre que isso acontece, eu mergulho no conteúdo, busco livros, videos, sites a respeito do tema específico, profissionais, mas principalmente, pais que vivenciaram aquilo (especialmente pela questão da empatia), me preparo muito bem e transformo isso em novas oportunidades de trabalho.

Se nos esforçarmos para ver vários pontos de vista, fica muito mais fácil de entender o que de fato, vai ajudar esses pais.

Resumindo:


Não fique parado, vá em busca de parcerias com profissionais e com pais que possam lhe dizer exatamente o que eles querem ouvir. É um trabalho de formiguinha, mas com muita dedicação e empenho, tem tudo para dar certo.

Ponto indispensável: mantenha contato com os profissionais que te receberam e trocaram informações com você, afinal, eles te deram muitas informações importantes e se você sumir eles também esquecerão que você existe. Manter esse vínculo é bom para os dois lados.

Fale de temas cotidianos e aproveite todos os possíveis “assuntos emergentes” que aparecerem no meio do caminho. Aproveitar notícias e épocas do ano é muito bom e nos ajuda a criar novas opções de temas, por exemplo: início do ano escolar, datas especiais, entre outros. Precisamos estar sempre antenados.

E lembre-se que por mais óbvio que pareça, para trabalhar com pais, precisamos obrigatoriamente, entender e falar de desenvolvimento infantil, por isso, vamos estudar e nos especializar no assunto!

Autor Ana Paula Majcher Petry

Ana Paula Majcher Petry

@anappetry

Ana Paula Petry é psicóloga com especialização em Terapia Cognitiva e formação em Coaching Psychology pela Academia do Psicólogo. Apaixonada pelo universo da maternagem, atua desde 2011 em atendimentos clínicos, palestras e workshops voltados para pais e educadores. Seu mais novo projeto é o Gestando e Aprendendo.

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