Relações amorosas na velhice

Durante muito tempo, os estudos sobre conjugalidade e sexualidade excluíram a população idosa, favorecendo o desconhecimento sobre o assunto e a construção de vários estereótipos e preconceitos. Alguns tabus vêm sendo desconstruídos ao longo dos últimos anos. Dentre eles, os de que velhice é uma fase assexuada da vida e o de que todo idoso é heterossexual.

Sabemos que o envelhecimento é um processo natural e heterogêneo. Toda sua diversidade também pode ser percebida nas relações amorosas.

Existem idosos que permanecem casados até o fim da vida. Casais longevos que optam pela separação. Idosos que, após divórcio ou viuvez, unem-se a novos parceiros. Há aqueles que prefiram seguir sozinhos. Existem casais de idosos que vivem relações homoafetivas.

O objetivo desse texto é apresentar um pouco mais dessas várias experiências e possibilidades que idosos vivenciam. O conhecimento continua sendo um importante instrumento para a construção de uma sociedade mais acolhedora e que trate seus idosos com respeito. Desse modo, saber mais sobre como idosos relacionam-se amorosamente pode facilitar nossas intervenções enquanto psicólogos.

Casamento


Quando acompanhamos um casal idoso, alguns questionamentos tornam-se importantes: Em qual fase do ciclo de vida familiar eles se encontram? Quais situações estão vivendo e enfrentando? Eles tiveram filhos? Netos? Como é a relação entre eles?

No estágio tardio do ciclo da vida familiar, encontramos casais de idosos jovens, casais de idosos em idade intermediária e casais de idosos muito idosos. Cada um deles possui necessidades e formas de funcionamentos distintos.

É necessário entender como é o seu modo de se comunicar, como o casal vive sua sexualidade, quais regras e acordos fundamentam essa relação. Precisamos compreender como eles tomam decisões, como conduzem suas relações com os filhos, de que maneira lidam com as questões financeiras, como é sua relação com sua rede social, por exemplo.

O relacionamento entre os cônjuges e a qualidade dessa relação amorosa afetam a longevidade, a qualidade de vida, saúde física e mental dos indivíduos.

Diversas pesquisas afirmam que o casamento pode tornar-se um importante mecanismo protetor para o sujeito, quando é capaz de prover suporte emocional e material, condições de enfrentamento de situações adversas, quando estimula hábitos saudáveis entre os parceiros.

Casais em que os cônjuges estimulam-se intelectualmente e socialmente, reduzem a probabilidade de apresentarem deterioração cognitiva durante a velhice.

Mas o que favorece uma boa qualidade conjugal?

Os estudos apontam para elementos como amor, expressão de afeto, admiração, compromisso, confiança, intimidade, apoio, respeito, atratividade, beleza, sexualidade, status socioeconômico, interesses e sistemas de crenças e valores em comum, habilidade em dar e receber, concordância em relação à criação dos filhos.

O modo como cada casal vive esses elementos afeta a qualidade de sua relação. Sabemos que em casais satisfeitos com a própria relação, há a prevalência de pensamentos, comportamentos e sentimentos positivos.

E o que influencia a satisfação de cada cônjuge em relação ao seu casamento?

Aspectos como gênero, história de vida de cada pessoa, condição de saúde, personalidade, valores, expectativas idealizadas do parceiro e da relação amorosa, características do próprio parceiro e da relação, a vivência da sexualidade, aspectos econômicos-culturais e biopsicossociais, quantidade e qualidade do tempo que o casal passa junto, a comunicação.

As experiências individuais que cada cônjuge enfrenta naquele momento de sua vida e o estágio do ciclo da família que o casal se encontra interferem na satisfação conjugal e precisam ser considerados quando acompanhamos idosos.

Alguns eventos são comuns na vida de um casal que chega à velhice e, por isso, merecem destaque:

  • Aposentadoria: O afastamento do mundo laboral traz impacto para a pessoa que se aposenta e para quem lhe rodeia. O casal precisa lidar com sentimentos que podem surgir durante esse período, como ansiedade, irritação, medo. Faz-se necessário também a adaptação a uma nova rotina, na qual o convívio doméstico aumenta, o casal tem mais tempo livre para ficar junto, há a redistribuição das atividades de casa.
  • Adoecimento: Casais idosos enfrentam constantemente situações de adoecimento, internações, tratamentos longos, declínio da capacidade física e cognitiva levando a um grau mais elevado de dependência. Nesse contexto de cuidar do outro, diferentes sentimentos surgem como medo da morte, desamparo, tristeza, ansiedade, raiva, culpa, etc.

O casal tem como desafio adaptar-se às novas necessidades diante do adoecimento de um ou dos dois cônjuges. Mudanças de papéis podem ocorrer nesse momento, levando a uma reorganização da rotina, redistribuição das tarefas do casal e sobrecarga física, emocional e financeira do cuidador.

  • Reavaliação das perdas e dos ganhos: Na velhice, é comum o sujeito avaliar o que viveu. O que aprendeu, conquistou, construiu. Bem como entrar em contato com o que foi deixando para trás, o que já não é possível viver. Essa avaliação é feita tanto individualmente, quanto pelo casal e traz à tona sentimentos que precisam ser elaborados.
  • Novas escolhas e redirecionamento do futuro: Com a avaliação sobre suas vidas, perdas e ganhos, expectativas e desejos, o casal tem a oportunidade de fazer novas escolhas. Algumas vezes, esses novos projetos geram conflito, pois um dos cônjuges não aceita ou não compreende a escolha do parceiro.

Em outros casos, essas novidades representam um cuidado a mais com a relação, outro capítulo do casamento, em que possam desfrutar mais um do outro, fazer mais atividades juntos.

  • Viuvez: Principalmente entre as mulheres, a viuvez é uma experiência marcante na velhice. O modo como cada sujeito lida com sua perda é bastante singular. É preciso compreender a relação que aquele casal construiu, o que a morte do cônjuge significa para quem viveu essa perda, quais recursos pessoais e sociais essa pessoa dispõe.
  • Ninho vazio: Os casais que, ao longo dos anos, foram capazes de cuidar da relação, acompanhando um ao outro nos momentos de conquistas e aprendizados, apresentam maior facilidade em lidar com a saída dos filhos de casa.

Já aqueles casais que se afastaram durante o casamento, descuidando-se de si e focando sua atenção aos filhos e ao que era externo ao casal, comumente sofrem muito quando a função parental deixa de ser o pilar da relação, quando os filhos crescem e vão construir suas próprias vidas, longe de casa.

  • Divórcio de filhos: Uma situação cada vez mais comum é o retorno dos filhos para a casa dos pais idosos, após separação ou divórcio. Após a saída dos filhos de casa, o casal pode experimentar uma maior proximidade. É um momento em que estão apenas os dois em casa, como no início do casamento.

Acolher o filho acarreta mudanças na dinâmica do casal. Este pode voltar a concentrar sua atenção às necessidades do filho, ao invés de cuidar da própria relação. Há quem se sinta feliz e aliviado com esse retorno e há quem se sinta frustrado e irritado. Tudo depende de como cada cônjuge vivencia seu casamento. Preocupações em relação ao filho e aos netos são comuns e interferem na saúde dos idosos.

É importante ressaltar que quanto mais insatisfeito e com mais conflitos o casal estiver, maiores as chances de ocorrer infidelidade, abuso de álcool e outras drogas, violência verbal, física e emocional.

Dentre as principais queixas sobre relacionamento amoroso relatadas por idosos, podemos citar divergências em relação à criação dos filhos, dificuldades financeiras, distribuição das atividades domésticas, dificuldades sexuais, doenças crônicas, infidelidade, presença de crenças e valores muito diferentes e incompatíveis.

A falta de compromisso, de atenção e dedicação por parte dos cônjuges também é um dos geradores de conflitos entre esses casais, assim como o modo como o tempo livre é utilizado, dificuldades na comunicação, falta de habilidade para resolver e enfrentar os problemas.

A literatura traz algumas curiosidades sobre casais longevos.

De acordo com as pesquisas, eles buscam mais atividades sociais e apoio social dos filhos para lidar com níveis elevados de tensão na relação, teriam maior capacidade para regular suas emoções, lidando com os conflitos de modo mais simples.

Casais que estão juntos há muitos anos, dão menos importância à aparência física do que casais recentes. Há casais de idosos que se sentem bonitos e atraentes. Já há aqueles que relatam dificuldades em lidar com as mudanças que acompanham a velhice, como as rugas, cabelos brancos, calvície e flacidez.

Viuvez, separações e divórcios


De um modo geral, existem mais mulheres viúvas do que homens na mesma condição. Uma pesquisa desenvolvida por Milena Suzuki e Deusivânia Falcão investigou os motivos pelos quais idosas viúvas, no Brasil, não voltavam a se relacionar amorosamente com outras pessoas.

Muitas relataram sentir medo de sofrer em um novo relacionamento. Outras temiam perder a liberdade ao passar a conviver com outra pessoa. Algumas idosas afirmaram não ter elaborado o luto pela perda do marido, não se sentindo prontas para namorar novamente.

A pesquisa trouxe também a crença que algumas idosas tinham de que só era possível amar uma vez, sendo impossível nutrir amor por outra pessoa. Elas também não acreditavam que encontrariam outra pessoa com as qualidades dos maridos, por isso, não buscavam um novo amor.

Outra crença presente foi a de que os filhos e a sociedade desaprovariam uma nova união. Por fim, a crença que elas não tinham mais idade para namorar era algo que afastava essas idosas da busca por novos parceiros.

Um rompimento que também pode ocorrer na velhice é o divórcio. Quando um casal idoso se separa, a família e a comunidade costumam reagir de modo negativo.

Há um estranhamento e uma preocupação com o futuro dos ex-cônjuges, afinal de contas, “quem vai cuidar deles?” questionam-se. Entretanto, dependendo da dinâmica da relação, tal rompimento pode significar um movimento saudável para os envolvidos. Mesmo quando a relação já se mostra desgastada e ambos desejam o rompimento, a separação pode gerar sentimentos de solidão, tristeza, perda e vazio.

São necessários vários ajustamentos para que os antigos parceiros possam restabelecer seu equilíbrio, redefinir seus projetos particulares, reorganizarem uma nova rotina e fortalecerem sua identidade individual.

Namoro e recasamentos


Com a redução do círculo social, decorrente do afastamento do trabalho e da morte de amigos e familiares, as possibilidades de conhecer pessoas novas e iniciar um namoro acabam diminuindo nessa fase da vida. Dentre as estratégias utilizadas por idosos para ampliar seus laços sociais estão a participação em atividades em centros-dia, Universidades Abertas da Terceira Idade e sites de relacionamentos.

Sabemos que relacionamentos casuais e namoros são mais comuns hoje em dia do que há anos atrás. Algumas pesquisas vêm sendo desenvolvidas sobre o tema e a maioria busca compreender quais razões levam os idosos a buscarem novos relacionamentos, qual o impacto do namoro sobre a saúde e bem-estar do idoso, bem como qual o significado de namorar para essa geração mais longeva.

Os poucos estudos sobre recasamento na velhice sinalizam que idosos recasados apresentam melhor saúde e bem-estar, se comparados com idosos solteiros, viúvos ou divorciados. Estar numa nova relação tem um impacto positivo na autoestima e na qualidade das relações sociais desse idoso.

Embora para alguns filhos um novo casamento ou namoro dos pais seja algo possível de assimilar e respeitar, é comum a existência de conflitos envolvendo os filhos dos idosos que se recasam.

Alguns não aprovam a nova relação, pois temem que seus pais estejam sendo vítimas de algum golpe financeiro. Outros, demonstrando lealdade à outra figura parental, afastam-se dos pais recasados ou buscam atrapalhar esse novo relacionamento.

Sexualidade


Podemos entender a sexualidade como um fator que favorece o envelhecimento ativo, estimula a autoestima, as relações interpessoais, sendo uma vivência que precisa ser incentivada e encorajada entre os idosos. O envelhecimento, geralmente, acarreta mudança na intensidade, freqüência e qualidade da resposta sexual. Porém, pensar que não há sexualidade na velhice é um equívoco.

A vivência da sexualidade é influenciada por fatores biopsicossociais, culturais, religiosos, educacionais, históricos, etc.

E, durante muito tempo, os estudos sobre sexualidade não relacionavam o tema à velhice. Não se estudava, nem se falava sobre sexo na terceira idade.

Há algumas décadas, pesquisas começaram a articular envelhecimento e sexualidade, porém, dando destaque às disfunções e dificuldades. O foco, ainda hoje, está nas disfunções sexuais que ocorrem nessa fase da vida, ao invés de investigar o bem-estar sexual dos idosos.

Dentre os fatores que dificultam a vivência da sexualidade na velhice, podemos citar a falta de um parceiro, principalmente entre as mulheres. Quando se divorciam ou ficam viúvas, elas demoram mais tempo para encontrar um novo parceiro. Muitas optam por não estabelecer um novo relacionamento.

Outras, embora desejem estar novamente em uma relação, não encontram um novo amor. Os homens, geralmente, buscam parceiras mais novas quando se separam ou ficam viúvos.

Outra dificuldade diz respeito aos estereótipos de que idosos não conseguem manter relação sexual, são seres assexuados e pouco atraentes, ou ainda, que todos idosos são heterossexuais. Aqueles idosos que se permitem explorar sua sexualidade, muitas vezes, precisam lidar com olhares e comentários de seus familiares e da comunidade.

Os problemas de saúde, os efeitos colaterais das medicações, a queda na libido das mulheres e as disfunções sexuais nos homens também podem tornar-se barreiras.

Se falar sobre sexualidade e velhice ainda é um tabu, falar sobre homossexualidade, transgênero e bissexualidade é algo ainda mais “proibido”.

Embora tenhamos visto, nos últimos anos, avanços relacionados ao reconhecimento dos seus direitos, a comunidade idosa LGBT ainda é pouco contemplada em estudos e intervenções pelos profissionais da geriatria e gerontologia. Comumente, são atrelados ao estereótipo de idosos solitários, infelizes e como grupo de risco para DST´s e HIV.

Ainda sobre sexualidade, existem poucas intervenções educativas e preventivas relacionadas à prevenção de DST´s e HIV. A falta de cuidado tem levado ao aumento de casos dessas doenças entre os idosos.

Intervir e cuidar


Uma intervenção que os psicólogos podem realizar com casais idosos é a própria psicoterapia de casal.

No setting terapêutico, o profissional auxilia o casal a perceber as qualidades e fragilidades da relação. Ao longo do processo, os cônjuges têm a oportunidade de melhorar sua forma de se comunicar, identificar objetivos em comum, rever as regras e acordos dessa relação, elaborar situações de conflito, trabalhar questões relacionadas à sexualidade, etc.

Um filme que exemplifica essa intervenção chama-se “Um divã para dois”. Nele, um casal de idosos vive uma rotina monótona, com os filhos já morando fora de casa e o casal experimentando um maior distanciamento. A esposa busca acompanhamento psicológico para o casal ao perceber que está insatisfeita com a relação. Apesar de não gostar da ideia, o esposo concorda em participar e, juntos, vão resgatando a história do casal, lidando com sentimentos difíceis, aceitando novos desafios.

Outra prática interessante são os grupos de intervenção com os filhos de idosos.

Como vimos, as opiniões e atitudes dos filhos, em relação à vida amorosa dos pais, tem grande influência para um bom número de idosos. Dúvidas, preconceitos, estereótipos sobre velhice, relacionamento amoroso e sexualidade podem ser trabalhados em Grupos de Orientação aos Filhos de Idosos.

Se já é bastante comum a existência de grupos de orientação aos pais de crianças e adolescentes, vem sendo construído, nos últimos anos, espaços de orientação para os filhos, familiares e cuidadores de idosos.

Neste trabalho, são levantados temas do interesse do grupo e, a cada encontro, informações são dadas a respeito e discussões são provocadas. Desse modo, os filhos podem rever suas crenças e atitudes, construir outras formas de se relacionar com os pais, estimulando posturas mais saudáveis.

Também vemos como possibilidade de intervenção a exibição de filmes que abordem o tema, seguida de discussões e debates.

Tais exibições podem ocorrer tanto em grupos de idosos, quanto junto aos grupos voltados aos cuidadores e familiares. Existem alguns filmes e seriados bem interessantes que podem ajudar nessa atividade:

  • Um Divã Para Dois
  • Elsa e Fred
  • Alguém Tem Que Ceder
  • Simplesmente Complicado
  • Grace and Frankie
  • O Amor É Estranho
Estudar sobre sexualidade, conjugalidade, as diversas formas de relacionamentos entre idosos nos ajudará a desenvolver práticas mais eficazes, éticas e que proporcionem mais saúde e bem-estar para a população idosa.

Esperamos que esse texto seja apenas um ponto inicial de discussão.

Referência:

FALCÃO. Deusivânia. Amor Romântico, Conjugalidade e Sexualidade na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 4ª edição, 2016.

Autor Juliana Rêgo  e Clicia Peixoto

Juliana Rêgo e Clicia Peixoto

@SingularIdade

Esse é um espaço em construção, um ponto de partida e de encontro para falar sobre o envelhecimento em suas mais diversas formas. Somos duas amigas, psicólogas e apaixonadas pela Psicogerontologia, uma morando no Brasil e a outra na Espanha. Nós formamos o Singular Idade. Juliana Rêgo é especialista em Gerontologia pela Universidade de Fortaleza e Clicia Peixoto é doutoranda em Psicogerontologia na Universidade de Valência.

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