Quem manda na sua sessão?

Todo psicólogo é gerente de uma empresa.

Essa empresa emprega recepcionista, diarista, porteiro, segurança, telefonista... E, normalmente, todos esses papéis são desempenhados por uma pessoa só: o próprio psicólogo.

E é por isso que um psicólogo precisa ser muito, muito firme. Não é fácil desempenhar tantas funções sendo uma pessoa só.

Se fossem pessoas diferentes em cada um desses cargos, o líder dessa equipe precisaria ser inteligente, rápido, firme! Com um chefe indeciso e incerto de si, toda a equipe funcionaria sem fôlego.

E vamos falar a verdade, você não contrataria uma secretária que tratasse com os seus pacientes do jeito que você trata: "Desculpe, não vou poder ir hoje, você pode amanhã no mesmo horário?", o paciente pergunta. "Oi! Tá tudo bem? Claro, pode sim", você responde, frustrado mas simpático.

Chega o dia seguinte: "Desculpe, hoje também não posso, pode ser sexta-feira à meia noite, na frente do cemitério, naquela parte onde não tem nenhum poste?". E lá vai você, concordando com qualquer coisa para o paciente gostar de você e não ir embora.

O preço também tem dessas. Você fala o preço da sua sessão e começa a pechincha: "É que cento e vinte reais fica meio caro pra mim, e se a gente fizesse... Sete reais e um chiclete?". "Claro, como for melhor pra você. Mas só porque você parece muito comprometido, ok?".

Você tenta demonstrar algum sinal de força, mas é difícil. O paciente continua: "Eu só posso pagar a cada cinco meses, tá?". E você é um anjo: "Tudo bem! Se ficar difícil pra você a gente vai combinando."

E se...


A gente tem uma ideia muito forte de que o psicólogo precisa ser o ser mais bonzinho do planeta: compreensivo o tempo todo, sempre amigável, flexível e disposto a entender.

O problema é que isso vira folia.

Imagine se quem agisse desse jeito não fosse um psicólogo, mas um cirurgião. E que esse cirurgião, no meio de um procedimento importante, age exatamente como você. Ele cutuca o paciente anestesiado: "Oi... Vou passar o bisturi no seu peito, mas a hora que você se sentir desconfortável me avisa que eu paro, tá?".

O paciente fica com imóvel, um fiozinho de baba caindo pelo canto da boca. O cirurgião faz o primeiro corte. Com as entranhas expostas, começa uma hemorragia! O paciente sangra violentamente. A equipe toda olha para o cirurgião, ansiosa para escutar qual será o próximo passo. Ele responde: "Gente, talvez esse coração esteja precisando sangrar, sabe? Vamos dar um tempinho...".

Uma piscina vermelha se forma no chão do centro cirúrgico: "Às vezes o sangramento é o único jeito que esse coração tem de se comunicar, deixa ele..."

O paciente tem uma parada cardíaca. "Talvez seja esse o caminho da cura dele, não é mesmo?".

O paciente morre.

"Mas também, ele não quis se ajudar! Eu não posso fazer tudo sozinho!"

Você sabe o que está fazendo?


Claro que a gente precisa respeitar o ritmo do paciente, mas existe uma grande diferença entre ser compreensivo e acolhedor e agir como se não soubesse o que está fazendo.

Quando uma pessoa procura um tratamento psicoterápico, é bem provável que ela esteja com muito pouca estrutura para tomar conta de si. Se a gente se dobrar e fazer tudo do jeito que o paciente quer, o tempo todo, não estaremos oferecendo a estrutura que ele nos contratou para ter.

Acolhimento e aceitação também se fazem ao dizer não.

O paciente só vai te respeitar no grau que você também se respeita, e isso inclui deixar os seus limites bem claros e definidos. Abrir-se muito às demandas do paciente pode ser um sinal de insegurança, mas eu tenho quase certeza de que você sabe o que está fazendo.

O paciente é o maior especialista que pode existir quando o assunto é ele mesmo, mas o especialista em psicoterapia é você - e é você que precisa ditar as regras. Como uma criança que fica mais calma num ambiente regrado e previsível, seu paciente também pode usufruir melhor do percurso quando você é mais firme.

Só que, assim como criança, não pode beliscar, tá?

O Conselho não deixa.

Autor Flávio Voight

Flávio Voight

@flaviovoight

Flávio Voight é psicólogo e escritor. Sócio-fundador da Oriente Psicólogos Associados, em Curitiba, atua com atendimento clínico e mentoria para profissionais que queiram ampliar sua presença nas redes sociais. Acredita que sensibilidade, leveza e bom humor são sempre o melhor caminho para tratar do ser humano - e para ser um também.

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