Que tal estudar menos?

"Você não pensa em fazer um mestrado?"

Alguém já te perguntou isso, talvez até na sua festa de formatura.

Se existe uma área em que a educação continuada após a graduação é incentivada, é a da psicologia. Ô povinho que gosta de estudar.

O cochicho acadêmico começa semestres antes da formatura: "Eu já vou começar uma pós, pra ter um segundo diploma logo depois que sair da faculdade!"

Acontece que a vida acadêmica - ainda mais no Brasil, onde há poucos incentivos financeiros pra seguir essa área - é uma vocação, e eu duvido muito que todos os psicólogos que estão investindo nessa área estão fazendo isso em busca de uma realização maior.

Inevitável bater na velha tecla:

Os psicólogos, em geral, têm baixa autoestima


A gente acha que não sabe o suficiente, que nossa profissão não é reconhecida, e que estamos a um passo em falso de termos revelada toda a fraude que nós somos.

Ter um título acadêmico pra chamar de seu é uma maneira fácil de se afirmar no mercado e tentar fugir desse senso de ser uma fraude que persegue a tantos de nós.

Acontece que a academia é voraz, e dificilmente você vai se sentir confortável nela se você depende de um título para se afirmar. E como a gente coloca condições no caminho de se sentir bom o suficiente: "Depois que eu tiver pós, vou ser bom!", e faz a pós. "Vou investir em fazer palestras, mas primeiro vou fazer um mestrado!", e faz o mestrado. "Fica feio falar sobre o assunto sem ter meu doutorado, né?", e segue adiante, em busca de uma satisfação final.

Me incomoda o tamanho da pressão que existe na profissão para provar o quanto você é apto para fazer o trabalho que se propôs a fazer. Não me leve a mal, eu adoro estudar, mas eu sempre me recusei a fazer os caminhos formais disponíveis.

Sempre fui mais interessado na produção artística do que na acadêmica.

Eu vim parar na psicologia meio por acaso, desejando entrar em contato com as profundezas da mente humana - maior ilusão de todo estudante de psicologia: o que menos se estuda na faculdade são as profundezas da mente humana - por acreditar que isso iria me tornar um escritor melhor.

Meu objetivo era a arte, desde o início.

E, por mais que todo psicólogo adore dizer que "Psicologia é uma arte", a gente parece esquecer com muita frequência o que isso realmente quer dizer.

Então vamos fazer uma visita às artes, sim?

Estude porque te faz bem, não porque precisa de um diploma


Existem cursos de Artes Cênicas, certo? Eles preparam ótimos atores, certo? Esses cursos preparam o ator para exercer bem sua função, que é ser o mais minucioso e exato possível na hora de transmitir uma emoção, usando todos os recursos que tem.

Ele trabalha isso através do estudo? Certamente que sim. Mas não vai ser um curso de mestrado que vai tornar um ator melhor. Ele precisa trabalhar a própria sensibilidade, o próprio sentimento, a própria dor.

Ele pode ter a formação teórica que for, mas seu maior mérito sempre vai ser sua própria sensibilidade. Com ou sem diploma, sua qualidade como artista depende apenas da sua atuação.

É a mesma coisa com um psicólogo.

Sim, ele precisa de uma formação teórica robusta para ter uma prática embasada e firme, mas o seu maior trunfo sempre estará na sua capacidade de reconhecer e trabalhar com a emoção.

Estou dizendo pra você largar sua pós-graduação, nunca mais ler um livro e sair lendo Fernando Pessoa para ser um profissional melhor?

Sim, se esse for o seu desejo, mas não necessariamente. O que eu quero dizer é que o estudo é uma coisa linda demais para ser feita por mera formalidade.

Se for para estudar, estude por gosto, por paixão, por arte.

Estude por não suportar viver sem compreender como funciona uma bomba de sódio e potássio num neurônio. Estude por perder o ar quando entende um preposto maluco do Lacan.

Estude porque te faz bem, não porque precisa de um diploma.

Porque um diploma vale muito, mas vale muito mais quando está na mão de alguém que encontrou um sentido para ele.

Até lá, foque na emoção.

Autor Flávio Voight

Flávio Voight

@flaviovoight

Flávio Voight é psicólogo e escritor. Sócio-fundador da Oriente Psicólogos Associados, em Curitiba, atua com atendimento clínico e mentoria para profissionais que queiram ampliar sua presença nas redes sociais. Acredita que sensibilidade, leveza e bom humor são sempre o melhor caminho para tratar do ser humano - e para ser um também.

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