Psicologia do Esporte é só para atletas?

Viver é estar em movimento. Para muitas pessoas, praticar esportes e outros tipos de atividade física são uma maneira lúdica de passar o tempo, de ficar em forma, além de poder socializar e passar algumas horas na companhia dos amigos. Para outras tantas, a coisa é levada mais a sério, quando optam por dedicar uma parcela significativa de suas vidas ao treino regular e às competições no esporte profissional.

Mas o que faz alguns se esforçarem tanto visando à competição? O que faz com que outros deem o seu máximo por nada mais do que a satisfação de vencer? Como a prática de esportes afeta as pessoas mental e emocionalmente?

Muitas perguntas, certo?

Sim. Essas e muitas outras perguntas direcionam o trabalho do psicólogo que escolhe atuar com esporte e exercício físico. Antes do atleta, existe o ser humano que também é afetado pela prática de atividade física. 

Muito se fala e se publica – inclusive na mídia - sobre o trabalho do psicólogo do esporte voltado ao atleta de alto rendimento/elite. Eu diria que este é o principal estereótipo. Fazendo uma comparação grosseira, é como a visão que o grande público tem da Psicologia em geral, como sendo apenas o trabalho realizado dentro do consultório. Pois bem, para muita gente (inclusive outros colegas psicólogos), a Psicologia do Esporte tem o foco apenas no esporte de alto rendimento.


Teremos a oportunidade para falar sobre alto rendimento em textos posteriores, mas aqui vou enfatizar que se você tem o desejo de um dia trabalhar na área esportiva, a atuação com atletas de elite não precisa estar exclusivamente na sua mira se você não desejar.

Há vida para o Psicólogo do Esporte fora da alta cúpula

Um subcampo que é terreno fértil a ser explorado é o da iniciação esportiva, onde o público-alvo é composto por crianças e adolescentes. Para Weinberg e Gold (2017), é uma das áreas de atuação mais importantes da psicologia do esporte, pois nessa faixa etária, o envolvimento com o exercício e o esporte é bem amplo, indo desde as aulas de educação física passando pelos jogos recreativos, escolinhas e mesmo as primeiras competições.


Assim, quando falamos em quem pode se beneficiar das contribuições da Psicologia do Esporte, olhamos para qualquer pessoa que seja praticante de atividade física, seja ela esportiva ou recreativa. E é na recreação que está um grande motivador no primeiro contato com o esporte pelas crianças e jovens. Quando este contato ocorre de maneira lúdica, o sujeito tende a se interessar mais pela atividade. Se for influenciada de maneira adequada, a pessoa poderá desenvolver um prazer enorme pela prática esportiva, levando-a muitas vezes à dedicação intensa. Quando há mais ênfase na diversão e em se estabelecer um equilíbrio entre aptidão física, bem-estar psicológico, estilo de vida saudável e ativo, do que na competição, maiores serão as chances de satisfação do jovem quando estiver praticando sua atividade física (COZAC, MELLO, et al, 2013).

Praticar uma atividade física é, antes de qualquer coisa, realizar uma ação que envolva gasto de energia e alterações no organismo por meio de exercícios. É o movimento decorrente destes exercícios que irá promover benefícios à saúde tanto física quanto mental do indivíduo. No entanto, com o avanço tecnológico que vivenciamos nas últimas décadas, vemos a cada dia pessoas adotando o sedentarismo como estilo de vida, tornando-se mais inativas fisicamente, o que influenciará de forma significativa sua qualidade de vida.


Quase 50% de pessoas na idade adulta no Brasil não praticam atividade física o suficiente, descumprindo uma recomendação da OMS que indica ao menos duas horas e meia de esforço moderado por semana ou 75 minutos de atividade intensa. Não só adultos estão sofrendo com os efeitos do sedentarismo, mas também crianças e adolescentes já apresentam sinais e sintomas associados com doenças hipocinéticas, que são as doenças advindas da falta de atividades físicas regulares, sendo a obesidade uma das mais evidentes.

A proporção de obesos na população com 20 anos ou mais de idade mais que dobrou no país entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%. Nesse período, a obesidade feminina subiu de 14,5% para 30,2%, enquanto a obesidade masculina passou de 9,6% para 22,8%.

Os dados são do segundo volume da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A amostragem da pesquisa envolveu 108 mil domicílios no Brasil.

Outro dado mostra que, em 2019, uma em cada quatro pessoas de 18 anos ou mais anos de idade no Brasil estava obesa, o equivalente a 41 milhões de pessoas. Já o excesso de peso atingia 60,3% da população de 18 anos ou mais de idade, o que corresponde a 96 milhões de pessoas, sendo 62,6% das mulheres e 57,5% dos homens.

A prevalência de excesso de peso aumenta com a idade e ultrapassa os 50% na faixa etária de 25 a 39 anos de idades. Nessa faixa de idades, a proporção de sobrepeso é um pouco mais elevada no sexo masculino (58,3%) do que no feminino (57,0%). No entanto, nos demais grupos etários, os percentuais de excesso de peso eram maiores entre as mulheres.

Psicologia do Esporte: jovem, sim, mas com bagagem!


Embora a psicologia do exercício seja um campo relativamente novo, ela tem um lastro no conhecimento descrito desde a antiguidade. Hipócrates, o médico grego, já enfatizava os benefícios para a saúde associados à atividade física regular. Influenciada por tais ideias antigas, bem como por desenvolvimentos subsequentes na psicologia do esporte, educação física e medicina do esporte, a psicologia do exercício se preocupa amplamente com duas questões principais de pesquisa. Primeiro, quais são os efeitos psicológicos do exercício? Segundo, que fatores estão associados à participação das pessoas na atividade física? (MORAN, 2004)

Responder a essas duas perguntas é fundamental para elaborar propostas de intervenção visando que pessoas desenvolvam novos hábitos mais saudáveis.

E quando falamos em hábitos mais saudáveis, nos referimos à saúde integral. Ou seja, corpo e mente. Um estudo intitulado Mental Health: Trends & Future Outlook[2], aponta que a doença mental se tornou mais frequente na última década, com 1 em cada 5 adultos sendo diagnosticados com algum quadro clínico. O crescimento é impulsionado por taxas mais altas em pessoas na faixa entre 18 a 25 anos.

Transtornos como a depressão e a ansiedade costumam ser comumente tratados (quando o paciente tem o privilégio de ter acesso a tratamento) com acompanhamento psiquiátrico, suporte medicamentoso e psicoterapia. Mas a atividade física tem um papel importante nesse processo. Weinberg e Gold (2017) apontam que o exercício físico regular tem parcela de contribuição na redução do desconforto causado por transtornos mentais. Ainda segundo estes autores, os efeitos do exercício físico na saúde mental podem ser classificados em agudos e crônicos. No efeito agudo, o benefício pode ocorrer mesmo após algumas séries de exercício, enquanto nos crônicos, observa-se uma maior duração dos efeitos, mediante a prática regular de exercício.

Minha experiência no mercado da Psicologia do Esporte

Em minha vivência, o maior número de atendimentos ocorre com atletas amadores; pessoas que estão dando os primeiros trotes na corrida de rua; que estão saindo do sedentarismo e outras que estão tentando dar uma segunda chance à academia de ginástica. Além dos casos onde é no atendimento psicológico que o cliente começa a desenvolver o interesse pelo exercício físico.


Neste sentido, podemos encarar a Psicologia do Esporte enquanto nicho de mercado de uma forma muito mais ampliada! Afinal, temos muito mais atletas amadores e praticantes de atividades físicas do que os de alto nível. O que precisamos é desenvolver formas para alcançar e atrair este público para os nossos serviços.

Considerando que o psicólogo é também um promotor de saúde, a implementação de estratégias de intervenção busca estimular o abandono do hábito sedentário e orientar o indivíduo no planejamento e execução de suas metas, visando corrigir um sério problema de saúde pública: o sedentarismo, que está entre os principais fatores de risco para doenças cardiovasculares e músculo-esqueléticas.

Então, eu refaço a pergunta do título deste texto: “A Psicologia do Esporte e do Exercício é só para atletas?

O que você acha?

Referências:

COZAC, João Ricardo Lebert; MELLO, Daniel Donadio; BARBOSA, Aline; RODRIGUES, Larissa De Genaro; LIZ, Thayse Rodrigues; BASSAN, Julio Cesar. Universo psicossocial da criança no esporte. In: COZAC, João Ricardo Lebert. Psicologia do Esporte: Atleta e ser humano. 1 ed. São Paulo: Roca, 2013.

MORAN, Aidan P. Sport and exercise psychology: a critical introduction. Nova York: Rutledge. 2004.

WEINBERG, Robert S & GOULD, Daniel. Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Artmed . 2017

[1] https://abeso.org.br/oms-faz-alerta-sobre-o-sedentarismo-no-brasil/

[2] https://nihcm.org/publications/mental-health-trends-future-outlook

Autor Fabio Fisher de Andrade

Fabio Fisher de Andrade

@fabio_psi@hotmail.com

Psicólogo, especialista em Psicologia da Saúde pelo Conselho Federal de Psicologia. Possui formação em Psicologia do Esporte e do Exercício pela Associação Paulista de Psicologia do Esporte. Atua nas áreas esportiva e clínica. Nas horas vagas se enfia em corridas de longa distância em trilhas e montanhas

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