Interface entre Neurociências e Terapia Cognitivo Comportamental
– Entrevista com a Dra. Isabela Lima. Isabela Lima é Doutora e Mestre em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG, na área de Neurociência Clínica. Psicoterapeuta cognitivo-comportamental com realização de cursos no Instituto Beck na Pensilvânia e Albert Ellis, em Nova Iorque. Presidente da Associação de Terapias Cognitivas de Minas Gerais - ATC Minas.
No conteúdo desse mês resolvi estender um pouco sobre o uso das neurociências e neuropsicologia em outras linhas da psicologia. Para isso, convidei a Dra. Isabela Lima, que é psicóloga, doutora em Medicina Molecular pela UFMG, presidente da Associação de Terapias Cognitivas de Minas Gerais e profissional com grande experiência na área.
Realizei três perguntas centrais para que a Isabela pudesse expor um pouco sobre porque e como essa interface acontece. Espero que gostem.
Entrevista:
Laiss: Porque a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), em especial, utiliza os conceitos de neuropsicologia/neurociências, e como isso adiciona na prática clínica do psicoterapeuta?
Isabela Lima: A Terapia Cognitivo Comportamental teve seu inicio na década de 60 e é reflexo da influencia da revolução cognitivista da psicologia sobre a clínica psicoterapêutica
Ela se utiliza do modelo cognitivo que diz que a forma como o indivíduo processa o contexto em que vive irá determinar o modo como reage emocionalmente e comportamentalmente a este mesmo evento.
Este é o principio básico das terapias cognitivas.
Esta forma específica e individual de processar informações permite o desenvolvimento de um sistema de crenças sobre o mundo, sobre si mesmo e também sobre o futuro.
Ou seja, cada um de nos carregamos regras e, quando diante de uma situação específica, estas regras serão ativadas, e iremos avaliar a situação a partir delas. Como cada um de nós possuímos regras e conceitos diferentes sobre aspectos que compartilhamos da realidade, iremos compreender e, consequentemente, reagir de formas diferentes a situações semelhantes.
Assim, a abordagem psicoterapêutica baseada em terapia cognitivo comportamental tradicionalmente tem o objetivo de modificar crenças e vieses de processamento que são muito rígidos ou extremos sobre o mundo e sobre si. Perspectivas muito rígidas tendem a levar a reações emocionais e comportamentais também extremas, gerando prejuízos para o indivíduo e também para aqueles que estão por perto.
No entanto, nas décadas seguintes, houve um intenso desenvolvimento em neurociência, assim como das tecnologias utilizadas para se compreender o funcionamento neurocognitivo.
Isto viabilizou maior compreensão desde os níveis mais moleculares como, por exemplo, a dinâmica da neurotransmissão até mesmo a possibilidade de apontar padrões de ativação neuronal em condições psiquiátricas diversas. O mapeamento da ativação de áreas e circuitarias que antes eram inferidos a partir da observação comportamental, neste novo momento podem ocorrer a partir de ressonâncias magnéticas funcionais e outras tecnologias.
Este novo cenário permitiu que as especificidades contidas no modo de processar de grupos específicos de pacientes fossem sendo cada vez mais bem esclarecidas.
Assim, o processamento de informação, componente central do modelo cognitivo da TCC pode ser mais bem compreendido com os avanços da neurociência.
Atualmente, podemos compreender melhor a etiologia da vulnerabilidade de uma pessoa a uma crença de negatividade, como ocorre em pessoas com tendência a reações emocionais que caracterizam depressão. Além deste exemplo, seria possível citar tantos outros ganhos proporcionados pelos avanços na neurociência para a prática psicoterapêutica em TCC.
Interessante notar que Aaron Beck, um dos precursores da terapia cognitiva, explicitamente reconhece esta interface, de modo que em 2008 e 2010 publicou artigos que pontuam como os achados neurobiológicos das últimas décadas contribuíram para o esclarecimento do processamento cognitivo e consequentemente a formação do sistema de crenças de cada indivíduo.
Outro ponto interessante é que além da maior compreensão sobre a formação e manutenção do sistema de crenças, os avanços em neurociência permitiram compreender um pouco melhor os mecanismos que subsidiam o processo terapêutico.
Ou seja, o que acontece com a dinâmica do funcionamento cerebral, como ocorrem as modificações cerebrais decorrentes da TCC e quais áreas e recursos é demandado durante e após a melhora terapêutica.
Laiss: Existem técnicas terapêuticas da TCC já construídas/modificadas com base em conhecimentos das neurociências/neuropsicologia?
Isabela Lima: Sem dúvida que as técnicas em terapia cognitivo comportamental que foram desenvolvidas recentemente estão diretamente influenciadas pelas possibilidades de pesquisas de interface entre a intervenção e as neurociências. Por exemplo, ao ser possível investigar o padrão de ativação em áreas de processamento emocional, é possível validar, desenvolver e potencializar ferramentas psicoterapêuticas.
Por exemplo, a Exposição e Prevenção de Respostas (EPR) é uma ferramenta terapêutica em que o paciente irá ser exposto ao conteúdo que considera ameaçador e as suas estratégias de enfrentar (que não o permitem verificar o real potencial ameaçador do estímulo) serão bloqueadas, ou seja, se o paciente possui medo de exposição social, esta ferramenta é utilizada para que ele seja gradualmente exposto a este estímulo e o enfrente, de modo que e a fuga e esquiva desse ambiente não ocorra.
Quando este enfartamento (gradual) ocorre, esta pessoa tem a possibilidade de verificar se aquela avaliação intensa de que o contexto social e muito ameaçador é de fato acurada.
Ao experimentar, ele observa que poderá conviver com pessoas e, em longo prazo, esta experiência irá modificar e flexibilizar o sistema de crenças rígidos que possui sobre todos ou grande parte dos contextos sociais serem ameaçadores, tornando o convívio social mais viável.
Através da interface neurociências-psicoterapia (especificamente a terapia cognitivo-comportamental neste caso) foi possível observar o modo de atuação de ferramentas tradicionais de TCC (como a EPR), embasando e fomentando o seu uso.
O desdobramento de achados como este, por exemplo, foi desenvolvimento de realidades virtuais para uso de EPR em tratamentos de ansiedade social, por exemplo.
Ou seja, é bastante claro como estes achados contribuem para o desenvolvimento de estratégias de tratamento em TCC e ainda orienta a utilização de novos recursos.
Outro exemplo é o grande desenvolvimento de abordagens de terapia cognitiva de terceira onda.
As terapias cognitivas de terceira onda permanecem com o embasamento de que a forma como processamos irá influenciar o modo como reagimos aos contextos a que somos apresentados.
No entanto, tradicionalmente a terapia cognitiva utiliza-se de técnicas que visam observar e reconhecer a presença de interpretações distorcidas e exageradas sobre a realidade. Posteriormente, tais interpretações são questionadas e, através do questionamento e análise de tais conclusões, a rigidez do sistema de crenças do paciente é explicitada. Com isso o mesmo passa a ter crítica sobre a presença do seu viés de interpretação e com o tempo, vivencia novas reações a respeito de situações anteriormente temidas, por exemplo.
Estas estratégias se utilizam fortemente de recursos pré-frontais do cérebro humano e demandam o manejo de diversas informações simultaneamente.
As abordagens de terceira onda apresentam um componente de aceitação em suas propostas, em que o paciente reconhece a presença do seu estado ou modo de funcionamento e lida de forma a aceitar a presença do mesmo.
Estas abordagens apresentam padrões de ativação cerebral um pouco diferentes das abordagens anteriores e bastante experienciais, pesando um pouco menos sobre os aspectos de testagem dos pensamentos e utilização de recursos cognitivos abstratos. Estas novas frentes de trabalho se beneficiaram de um contexto em que a interface com as neurociências podem validar e descrever as estratégias terapêuticas desde o princípio.
Laiss: Poderia exemplificar uma interação entre essas duas áreas na prática de quem trabalha com TCC?
Isabela Lima: Na prática, a interação entre as duas áreas permite a seleção de estratégias mais eficazes de tratamento para aquela condição que o paciente apresenta.
O clínico pode apropriar-se do que se sabe sobre o processamento neurocognitivo de determinado estímulo e se utilizar disso para a escolha das estratégias de tratamento.
Por exemplo, ao saber que o processamento do medo apresenta diferentes rotas, sendo uma delas subcortical, o terapeuta pode psicoeducar o paciente sobre o automatismo presente nas suas reações fisiológicas de ansiedade.
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E então, gostaram do tema?
Até o próximo!
Laiss Bertola
@laissbertola
Laiss Bertola é neuropsicóloga clinica, supervisora e professora. Doutora pela UFMG e pesquisadora da relação entre o cérebro e a cognição/comportamento. É apaixonada pelo cérebro e pela neuropsicologia, e busca através de suas ações profissionais melhorar a atuação do profissional interessado nessa área através do eixo fundamental teoria-prática.
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