Emoções para que te quero!

Muitas emoções podem causar problemas. Contudo, a máxima "tudo com moderação" aplica-se às nossas vidas emocionais, porque uma vida sem emoção também não é desejável. Nós certamente precisamos experimentar algumas emoções para reconhecer quando acontecem coisas boas e más (Beer, 2009 – traduzido livremente por mim para esse texto).

Em sintonia com a campanha Janeiro Branco, resolvi abordar o tema das emoções sob a ótica da Neuropsicologia e Neurociência focando em como elas são processadas, porque são importantes e, em especial, porque é essencial mantê-las reguladas (e não se preocupe, regulada não quer dizer ausência de mudanças emocionais!).

Para começar


Na nossa área fazemos uma distinção entre o que são emoções e o que são sentimentos. Por mais confuso que possa parecer, e por mais que usamos os mesmos nomes (por exemplo alegria) para representar ambos, a distinção é importante e didática.

  • Emoções se referem às reações expressas em modificações corpóreas diante de estímulos (ameaças ou oportunidades).
  • Sentimentos se referem à nossa experiência mental desses estados corpóreos alterados, representando nossa interpretação consciente.

Exemplo: Em uma situação em que nos sentimos ameaçados profissionalmente (em uma apresentação de resultados para a reunião mensal da empresa) teremos o processamento de uma emoção que envolverá mudanças corpóreas no ritmo de funcionamento intestinal (muito comum a famosa dor de barriga antes de apresentações não é?). Essas alterações juntamente com outros processos mentais podem ser interpretados como sentimentos de medo ou ansiedade.

Sentirmos os reflexos fisiológicos é emoção, interpretarmos como medo ou ansiedade entre outros pontos é sentimento.

Não contamos com um sistema único e bem delimitado para o processamento emocional. É ainda frequente vermos e usarmos o termo sistema límbico ao nos referirmos a um conjunto de estruturas cerebrais bem conectadas que parecem mais presentes no processamento das emoções.

Esse sistema consiste basicamente do lobo límbico (parte superior do tronco encefálico, giro do cíngulo e estruturas corticais mais profundas como hipocampo e amígdala) e de parte do córtex pré-frontal, mais facilmente visualizados em cortes sagitais. Esse sistema tem fácil e rápida comunicação com nosso sistema nervoso periférico e portanto, temos respostas físicas associadas.

Boa parte do tecido cerebral envolvido nesse processamento é classificado como primitivo, o que no nosso meio, se refere a tecidos desenvolvidos há muito tempo em nossa evolução como espécie, que normalmente estão associados a uma maturação cerebral mais rápida e que tendem a “ganhar” na disputa de “urgência” entre as informações cerebrais que devem ser processadas.

É como se essas áreas tivessem seus estímulos sempre na fila prioritária.

A amígdala é uma das áreas mais importantes nesse sistema e está fortemente relacionada ao processamento de emoções negativas e positivas, embora seja mais fortemente associada ao processamento do medo e da raiva. Essa estrutura em forma de amêndoa e composta de muitos núcleos dispara comandos para reações emocionais (corpóreas e cognitivas) de forma muito intensa e rápida.

Lembram da reunião da empresa? Certamente a amígdala do apresentador enviou sinais de perigo que geraram alterações de funcionamento corpóreo e cognitivos.

Para reconhecer quando acontecem coisas boas e más


Antônio Damásio, um importante neurocientista da área, em 1994, publicou um livro que continha sua hipótese sobre os marcadores somáticos, que se referem a reações somáticas diante de estímulos marcadas como boas ou más, ou ainda indiferentes.

Acredito que você já tenha tido várias reações somáticas (referentes a suas emoções) que por vezes não foram traduzidas em sentimentos claros.

Exemplo: sabe quando temos aquela sensação de que tem algo em uma pessoa que não gostamos ou em algum ambiente, mas que não sabemos exatamente o que é e o que estamos de fato sentindo? Provavelmente seus marcadores emocionais foram ativados por algum estímulo muito antes de você ser capaz de processar conscientemente essa informação.

Fato é que esse processamento emocional tende a guiar nossas escolhas e ações no meio. Interessante né?

Se pensarmos que o sistema emocional é mais primitivo, e portanto tende a garantir nossa sobrevivência, é previsto que ele fale mais alto e nos ajude determinando comportamentos específicos, relacionados aquela reação física e assim nos proteja.

Esse sistema de marcadores só é possível porque nossos órgãos estão em sintonia, via sistema nervoso periférico, com o processamento do sistema nervoso central.

No popular traduzimos isso muito bem: as famosas borboletas no estômago (relacionadas a reações estomacais mais fortes durante o medo) ou o coração apertado (em situações relacionadas a tristeza) são reações fisiológicas emocionais que refletem a sintonia entre cérebro e demais órgãos.

Muitas emoções podem causar problemas


É interessante sabermos que as alterações emocionais básicas (que circulam entre raiva, medo/surpresa, alegria, tristeza e nojo/desgosto) são universais na nossa espécie. É mais ainda interessante sabermos que é importante que elas existam e que ocorram com clareza em nosso ser. E que apesar disso, tentamos sempre retomar a homeostase após a ocorrência de uma emoção.

Conseguem então imaginar o que ocorre em um indivíduo onde as emoções estão em excesso?

O organismo tende a manter um padrão de ativação fisiológica correspondente a emoção preponderante de forma patológica. É o que acontece, por exemplo e de forma muito simplificada aqui, com a depressão. Na depressão temos um padrão persistente predominante de tristeza, que vai além da tristeza que aparece e depois é regulada. O mesmo acontece com a ansiedade em nível patológico que vai além e gera prejuízos sociais, emocionais e laborais.

Podemos pensar em impactos que começam desde o desgaste somático do corpo, como alterações hormonais e funcionamento de órgãos. Alterações cognitivas que vão desde os processos cognitivos básicos a processos mais complexos relacionados ao modo default de funcionamento e viéses atencionais (abordarei mais sobre essa parte no vídeo). E impactos funcionais cotidianos na vida dos indivíduos.

Uma vez que as emoções são reações a estímulos, podemos sempre pensar nos chamados gatilhos para que essas emoções ocorram. Podem ser externos (presentes nos ambientes em que circulamos) ou internos (nossos próprios pensamentos e crenças sobre nós mesmos, o mundo e o futuro).

As vezes na nossa vida alteramos os estímulos externos visando alterar as reações emocionais, mas raramente pensamos em alterar os estímulos internos disfuncionais. E, normalmente, quando o fazemos é porque chegamos a níveis considerados “insuportáveis” ou causadores de sofrimento para o indivíduo.

É ai que nossa relação com o Janeiro Branco tem seu primeiro ponto de convergência especial: sabendo que o sistema de homeostase emocional pode ser alterado e será acompanhado de impactos negativos na vida de uma pessoa, é que o reconhecimento das emoções e sentimentos, e sua regulação de forma preventiva se torna questão de saúde mental.

A psicologia como ferramenta de promoção de saúde mental ainda não está tão presente no pensamento das pessoas, mas imaginemos como seria benéfico se reconhecêssemos nossas emoções com maior rapidez, discriminássemos com maior clareza qual sentimento para que então desenvolvêssemos melhores instrumentos de regulação emocional que atuem como fator de proteção para as alterações patológicas.

Seria lindo! Eu sei!!

A tal da regulação


Em alguns momentos falei de regulação emocional, e para muitos psicólogos de outras áreas esse termo pode soar estranho. Nos referimos a regulação emocional a um diverso leque de processos que objetivam de alguma forma modificar a experiência emocional e a sua expressão.

A regulação emocional ocorre tanto de forma automática quanto de forma intencional. E o que sabemos através de pesquisas é que algumas formas de regulação emocional parecem ser mais benéficas que outras na resolução e retomada da homeostase.

Quer um exemplo de uma regulação emocional automática muito comum? Ruminação.

Sim, sei que não somos vacas, mas ruminamos, e como. A diferença é que ruminamos pensamentos. Tente se lembrar quantas vezes ao ficar com medo ou ansiedade ficou relembrando algo que disse ou fez inúmeras vezes.

Sim, isso é uma tentativa de regular sua emoção buscando que o pensamento ache uma solução para o feito, mas será que essa é a melhor forma?

Boa parte das vezes a resposta é não.

E é interesse que esses padrões automáticos de regulação emocional tendem a ser fortes e difíceis de mudar (terapia não é mágica, não é mesmo?).

No entanto, a melhor parte é ser possível desenvolver novas estratégias de regulação emocional que nos permita lidar melhor com nossas emoções.

Em um breve exemplo, a reavaliação seria uma forma de regulação emocional voltada para a modificação dos antecedentes e/ou da resposta emocional através de processos cognitivos e exame dos pensamentos de forma mais “real”.

Como esse tema é mais diretamente abordado pelas linhas terapêuticas da Cognitivo-Comportamental, sugiro leituras nessa linha que mantém um diálogo grande e importante com a nossa área de neuro.

Sabendo que as estratégias de regulação emocional sempre existem em nós, de forma mais ou menos eficiente para nosso bem estar emocional, a psicologia tem como fator promotor da saúde mental esse segundo ponto em especial: que nós sejamos melhores em nossas regulações emocionais visando uma melhor interação com nós mesmos e com o meio que nos cerca.

Por fim, emoções são elementos essenciais a nossa sobrevivência, ganham prioridade no processamento e geram impactos fisiológicos e cognitivos. Dessa forma interagem diretamente com nossa expressão no meio e retroalimentam nossas percepções.

Se desreguladas de forma a não retomarem a homeostase geram impactos patológicos (psiquiátricos). Se reguladas emocionalmente de forma produtiva são fonte de indicativos e interações saudáveis.

A psicologia é uma das principais áreas voltadas para as emoções, e será especial o dia que formos vistos como o que somos, promotores da saúde mental antes de sermos remediadores de alterações.

Que possamos todos reconhecer para melhor regular nossas emoções.

Um excelente 2018!

Sugestão de leitura: Cartilha Por que é difícil mudar hábitos? – das Cartilhas da série Interfaces em Neurociências. Disponível para download gratuito em:  pearsonclinical.com.br/interfacesemneurociencias

Referências

Bear, M., Connors, B., Paradiso, M. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

Damasio A, Carvalho GB. The nature of feelings: evolutionary and neurobiological origins. Nat Rev Neurosci, 2013 Jan 18;14:143.

Kandel, E. et al. Princípios de Neurociências. 5ª ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

Autor Laiss Bertola

Laiss Bertola

@laissbertola

Laiss Bertola é neuropsicóloga clinica, supervisora e professora. Doutora pela UFMG e pesquisadora da relação entre o cérebro e a cognição/comportamento. É apaixonada pelo cérebro e pela neuropsicologia, e busca através de suas ações profissionais melhorar a atuação do profissional interessado nessa área através do eixo fundamental teoria-prática.

Oops... Faça login para continuar lendo



Interações
Comentários 0 0