Central de comando das Funções Executivas, chamando! Câmbio

Sabe quando nos perguntamos sobre o comportamento das pessoas, decisões tomadas, planejamentos feitos, formas repetidas de agir?

Dentro da neuropsicologia estamos falando das Funções Executivas.

Não é atoa que esse é um dos subdomínios (se é que podemos chamar assim) mais admirados pelos pesquisadores e clínicos. Então, nada melhor que o início do ano, falarmos delas.

As Funções Executivas, conhecidas como FE, são um conjunto de processos de alta ordem cognitiva envolvidos na obtenção de objetivos de curto, médio e longo prazo.

E envolvem por exemplo:

  • manipulação de ideias,
  • resolução de novos problemas,
  • organização de etapas de execução de pensamentos e ações,
  • resistir a distratores,
  • pensar antes de agir, e
  • se manter focado em algo específico.

Essas funções são também conhecidas como funções dos lobos frontais (ou pré-frontais), e possuem diferentes definições propostas. Um principal ponto delicado envolve como tantas funções agrupadas sobre esse termo se organizam, se dividem ou partilham circuitarias.

Nesse texto vou me ater ao proposto por Adele Diamond em 2013, para podermos daí pensar em implicações e aplicações clínicas, bem como em ressalvas que envolvem publicações mais recentes acerca do tema.

Modelo


A noção de que as funções executivas são compostas por várias habilidades reunidas sobre esse nome, implica que cada uma dessas habilidades “se responsabiliza” pelo manejo e controle cognitivo e comportamental de diferentes formas visando um objetivo.

Ao longos dos anos de estudo nessa área, foi possível observar uma organização entre essas habilidades, onde três são consideradas nucleares e as demais consideradas mais complexas. Não que as nucleares sejam simples, mas sim pelo fato de que a partir delas é possível a ocorrência de estados cognitivos executivos mais complexos.

Entre as três habilidades nucleares encontramos o controle inibitório, a memória de trabalho (ou memória operacional), e a flexibilidade cognitiva.

Vamos por parte então, para entender porque essas três são importantes e como elas podem impactar o funcionamento executivo conseguinte.

  • O controle inibitório envolve nossa capacidade de controlar o foco atencional, comportamentos, pensamentos e até emoções fazendo prevalecer uma ação (interna ou externa) que seja mais apropriada ou necessária ao contexto, ao invés de uma predisposição ou resposta automática.

É a habilidade que nos permite escolher melhores formas de agir e pensar, e não simplesmente agir conforme o hábito todas as vezes.

O controle inibitório está também envolvido na nossa capacidade de focar nossa atenção no estímulo desejado, ao mesmo tempo em que escolhemos ignorar os demais estímulos que clamam por nossa atenção.

Traduzindo, esse é o nosso PARE e PENSE!

  • A memória de trabalho é nosso espaço de operação mental. Isso significa que nela são mantidas informações temporárias enquanto são usadas com algum propósito.

Essas informações são usadas mentalmente e não estão mais disponíveis perceptualmente em nosso meio.

É durante o uso e manipulação de informações nesse espaço que fazemos sentido do volume de estímulos que recebemos, dos que estão por vir e das operações cognitivas que ocorreram nesse meio tempo.

Essa habilidade, por exemplo, permitiu que vocês chegassem nesse ponto do texto sem terem que decorar cada palavra que eu usei, e sim, usando a informação que deve ser extraída desse volume de estímulos que estão sendo manipulados na memória de trabalho de vocês.

Eu costumo dizer que a memória de trabalho é como um malabarista com suas bolinhas coloridas no ar!

 

  • A flexibilidade cognitiva, terceira FE nuclear, corresponde a nossa capacidade de mudar de perspectiva, pensar de forma diferente da usualmente realizada, sendo capaz de se ajustar as demandas e prioridades daquele momento ou situação.

Essa habilidade nos permite pensar em comportamentos ou cognições alternativas quando a que temos disponível não nos permite atingir o objetivo ou não se mostra a mais adequada.

Notamos ela em nosso dia-a-dia quando vemos que uma ação/cognição está errada e ainda assim tentamos a mesma coisa ou quando somos capazes de inovar.

Ela é como uma massinha de modelar, que nos permite adequar ao formato necessário em cada contexto ou situação.

Dessas três funções nucleares surgem as chamas habilidades superiores (ou habilidades de nível complexo) que envolvem nossas capacidades de resolver problemas novos (ou seja, encontrar soluções para situações nunca antes experimentadas), de pensar indutivamente e dedutivamente, e de planejar sequências de cognições/ações a serem executadas.

Com esse modelo temos uma lógica “hierárquica” onde as funções executivas nucleares, quando combinadas de alguma forma, proporcionam o surgimento dessas funções mais complexas. E todas essas funções agem, cada uma a sua maneira, buscando a obtenção do objetivo proposto (lembrando vão desde coisas pequenas como sair no horário de casa para o trabalho, a coisas maiores e a longo prazo como a conclusão do curso superior em Psicologia).

É interessante notar que essas habilidades são subdividas por que, apesar de demonstram uma relação muito estreita, são passíveis de serem perdidas ou estarem deficitárias de forma pontual.

Exemplo: é possível que não se tenha uma memória operacional tão preservada, mas ainda ocorram comportamentos inibitórios e flexíveis. E, como toda boa correlação estrutura-função, nem todas essas habilidades usam a mesma circuitaria pré-frontal.

Circuitarias


Em alguns textos no NeuroTransmissão foi possível ver que ao falar de uma ou outra função cognitiva eu me referia mais a determinadas regiões cerebrais (por exemplo, os hipocampos ao falar de memória episódica). No entanto, ao trabalharmos com as FE falaremos de circuitarias, ou seja, um conjunto de neurônios que estabelecem conexões com outras regiões cerebrais (corticais, subcorticais, talâmicas, entre outras).

Temos uma subdivisão do córtex pré-frontal em três: orbitofrontal, dorsolateral e medial (cingulada). Essas três circuitarias exercem papéis executivos diferentes e similares a depender da função.

  • Lesões orbitofrontais são mais diretamente associadas a comportamentos desinibidos (diminuição do controle inibitório) e impulsivos, por exemplo.
  • Lesões dorsolaterais são mais diretamente associadas a dificuldades de resolução de problemas, redução do espaço de operação mental e comportamentos perseverativos.
  • Lesões mediais tem sido mais diretamente associadas a dificuldades relacionadas a regulação motivacional.

Considerando essa organização, é possível que em situações clínicas específicas lesões similares em córtex pré-frontal dorsolateral em dois pacientes gerem sintomas de déficit executivo diferentes.

Desenvolvimento


Os lobos frontais são conhecidos por serem umas das últimas regiões cerebrais a estarem mielinizadas em nosso desenvolvimento (curiosamente é também considerada uma das últimas regiões cerebrais desenvolvidas pela nossa espécie).

Essa ordem de mielinização que faz com que os lobos frontais sejam os últimos, implica que as funções desempenhadas por eles só atingem seu ápice de funcionamento mais tarde.

Enquanto as regiões cerebrais responsáveis pelo processamento das funções perceptuais finaliza sua mielinização mais cedo, os lobos frontais, em média, finalizam no início da segunda década de vida (eu e a Renata Lott do canal Adolescer conversamos um pouco sobre esse conhecimento da neuropsicologia e sua aplicação para quem trabalha com adolescentes, confira aqui o artigo e aqui o vídeo).

É interessante notar no entanto, um constante aumento e melhoria das FE ao longo do desenvolvimento infantil e adolescente. Algumas funções atingem seu ápice mais cedo que outras, por exemplo a flexibilidade cognitiva aparece com mais qualidade antes do controle inibitório, e a memória de trabalho vai demonstrando um aumento de seu alcance (volume de informações que podem ser operacionalizadas) até atingir o seu desempenho máximo.

Infelizmente, as funções executivas são excelentes representantes do que chamamos de funções cognitivas fluidas, e como toda boa habilidade fluida, ela tende a iniciar seu declínio de funcionamento mais cedo ao longo da nossa vida.

Em média as funções executivas iniciam o sutil declínio na terceira década de vida, e prosseguem lentamente até o início da terceira idade. Não sendo muito diferente do que vimos com a memória episódica, certo?

Na vida


As FE são amplamente conhecidas dos neuropsicólogos por serem um domínio cognitivo central em alguns quadros clínicos (em especial os psiquiátricos) e por serem preditoras de desfechos mais possíveis na vida do indivíduo.

Por exemplo, as funções executivas são preditoras de sucesso acadêmico, de qualidade de vida, de saúde física, de sucesso profissional e até nos relacionamentos.

Parece estranho, mas se pensarmos que é preciso escolher pensamentos e ações que sejam condizentes com nossos objetivos e que levem em consideração as adequações necessárias, as funções executivas certamente fazem parte disso.

Não é à toa que elas são consideradas uma grande central de comando participando de vários processos direta ou indiretamente.

No entanto, um dos maiores desafios de nós, neuropsicólogos, na clínica é: ter em mãos instrumentos ecológicos e aprender a ter um olhar clínico acima dos instrumentos, em especial quando estamos avaliando as funções executivas. Mas isso será tópico para o nosso vídeo. Aonde falaremos sobre esses pontos da clínica e sobre como esse domínio é importante, mas não pode ser sempre a estrela no raciocínio clínico.

Por hora é só. Câmbio, desligo.

Referências

Burgess, P. W. & Stuss, D. T. (2017). Fifty years of prefrontal cortex research: impact on assessment. JINS, 23, 755-767.

Diamond, A. (2013). Executive Functions. Annu. Rev. Psychol., 64, 135-168.

Malloy-Diniz, L. F. (2014). Neurosicologia das funções executivas. In: Fuentes, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Autor Laiss Bertola

Laiss Bertola

@laissbertola

Laiss Bertola é neuropsicóloga clinica, supervisora e professora. Doutora pela UFMG e pesquisadora da relação entre o cérebro e a cognição/comportamento. É apaixonada pelo cérebro e pela neuropsicologia, e busca através de suas ações profissionais melhorar a atuação do profissional interessado nessa área através do eixo fundamental teoria-prática.

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