A Psicologia do Esporte no Brasil da pandemia

A Psicologia do Esporte e do Exercício consiste no estudo científico de pessoas e seus comportamentos em atividades esportivas e atividades físicas e na aplicação prática desse conhecimento .

O papel do psicólogo do esporte é amplo, podendo atuar desde o auxilio ao atleta para que este desenvolva estratégias, visando ganho ou aprimoramento de desempenho e bem-estar, até o suporte na prevenção de alterações emocionais que costumam emergir quando o atleta está lesionado.

Além dos referenciais teóricos, são utilizados como ferramentas as entrevistas, os testes e alguns inventários. Estas intervenções podem acontecer tanto no consultório, como no ambiente onde o atleta realiza suas rotinas de treinamento e competição.

Isso, claro, num contexto onde não precisaríamos nos preocupar em sermos infectados por um vírus altamente contagioso e com potencial de causar sérios danos ao corpo, com claro risco de óbito.

A pandemia do novo coronavírus causou não só um impacto na saúde pública do país, mas virou de pernas para o ar a forma como cada um de nós estávamos conduzindo nossas vidas. E o mundo do esporte, juntamente com todos os profissionais nele envolvidos, direta ou indiretamente, sentiu esse duro golpe.

Treinos foram suspensos e competições adiadas ou canceladas até que novas diretrizes e protocolos de higiene e segurança fossem implementados. 

Se lidar com as novas medidas sanitárias de prevenção da Covid19 já foi impactante para o cidadão comum, para o atleta as coisas não ficaram mais fáceis.

Como ficou o planejamento iniciado no final de 2019 e posto em prática já no início de 2020? E as metas? As expectativas? Como lidar com a frustração de treinar duro e dar o máximo para conquistar a vaga para um torneio, para depois ter que engolir a seco que o evento não acontecerá por conta da pandemia?

O psicólogo do esporte se viu obrigado a contribuir para que o atleta pudesse ter a melhor compreensão e aceitação possível das respostas a essas e muitas outras perguntas que surgiram.

Minha relação com a Psicologia do Esporte começou há 7 anos, em paralelo com outra paixão, a corrida. E estando imerso nesse ambiente, mais especificamente nas corridas de longa distância, convivendo e trabalhando junto a atletas de vários níveis, tive a oportunidade de sentir na pele o impacto que estes esportistas vivenciaram com a pandemia. Com os acessos a parques e áreas verdes interditados, e regras de distanciamento social nas cidades não estimulando as saídas às ruas, como treinar? E para que treinar, se as provas estariam suspensas, sem previsão de retorno?

Independente da modalidade, todo atleta, seja profissional, elite, ou simples praticante amador, teve que se adaptar a uma realidade de isolamento social, com poucas opções para manter o condicionamento físico no melhor nível possível. Todo mundo teve que encontrar suas estratégias de adaptação. Se o atleta teve que se adaptar, a Psicologia do Esporte seguiu a tendência.

O psicólogo que atua na área esportiva goza de certas particularidades. Uma delas é que não se ancora em dogmas e estereótipos culturalmente associados ao modelo clínico de atendimento. Por exemplo: O profissional que atua com uma equipe em modalidade esportiva coletiva – como futebol, basquete, vôlei, etc - terá contato com cada atleta de forma individual, mas também com o grupo. Dará apoio ao técnico/treinador, assistirá às partidas na beira do campo ou da quadra, se assim achar necessário; pode viajar no mesmo ônibus do time quando este estiver a caminho de outra localidade para enfrentar o adversário. Terá um contato muito mais estreito e frequente com o seu “cliente”, situação muitas vezes impensável para quem ainda se prende ao modelo clínico de consultório.

Dessa forma, e por já ter essa proximidade natural com os atletas, é que a Psicologia do Esporte pode se adaptar até com certa desenvoltura nesses tempos de pandemia e distanciamento social. Alguns exemplos de como os profissionais estão atuando:

- reuniões com as comissões técnicas usando recursos de videoconferência e aplicativos de mensagens, visando traçar planos de preparação para manter os atletas aptos física e mentalmente;

- com o mesmo recurso de videoconferência, o psicólogo pode manter contato em tempo real com as equipes e individualmente com cada atleta, abrindo o espaço de escuta para que cada sujeito possa expressar seus medos, angústias e aflições neste momento tão delicado;

- prescrição de atividades individuais para que o atleta possa exercitar em casa, como tarefas de relaxamento, imaginação, revisão de metas, etc. Recomendação de leituras e filmes para estimular a motivação também são boas ferramentas.

O esporte é uma atividade que ocorre num contexto social. Ainda que a pandemia nos empurrasse para uma condição de distanciamento físico, é importante ter em mente que distanciamento físico e distanciamento social são coisas diferentes. Manter o vínculo (ainda que via internet) com seus colegas de equipe, parceiros de treinamento, membros da comissão técnica e afins é um recurso psicológico fundamental; em outras palavras, beneficia o bem-estar do atleta.

Com o passar dos meses, fomos observando a pandemia tomar outros rumos no país, com números de casos variando de região para região. Em algumas localidades foi detectada uma certa estabilidade nos casos da doença. Tal condição fez com que os planos de reabertura e retomada de atividades fossem progredindo. E isso, claro, influenciou o meio esportivo.

Todo mundo pode voltar a treinar, retomando gradativamente suas rotinas. No esporte de alto rendimento/profissional, campeonatos e torneios antes suspensos, agora já estão com suas atividades reiniciadas. Com novos protocolos de higiene e segurança, incluindo a testagem regular de atletas e comissões técnicas, fazem um esforço para manter viva uma atividade que também gera empregos e renda a centenas de profissionais.

E aí temos um novo cenário se abrindo, dentro de um contexto maior, que é o de uma pandemia que ainda segue seu curso. Com as competições retornando, mesmo com as medidas de distanciamento, pequenas aglomerações acabam acontecendo. E mesmo com as testagens e quarentenas preventivas, atletas estão se infectando e transmitindo o coronavírus a outras pessoas.

O atleta que testa positivo, em teoria, é afastado de suas atividades, devendo cumprir o isolamento mínimo de 14 dias até que nova testagem seja feita e seja confirmado que não há mais evidência significativa de infecção em seu organismo.

Essa condição é geradora de estresse ao atleta, pois não há a certeza de como o vírus vai se comportar em seu corpo. Ele não sabe se vai ou não desenvolver o quadro grave da doença.

Um dos aspectos mais mal compreendidos do coronavírus e que ainda vai dar muito trabalho aos cientistas, é a recuperação do paciente - não apenas dos sintomas mais graves, mas também em como esse paciente poderá ter um retorno completo à saúde.

Já foi observado que alguns sujeitos que apresentam apenas sintomas leves da COVID19 podem levar muitas semanas para voltar à sua plena saúde, enquanto outros que sofreram sintomas mais intensos podem, às vezes, se recuperar relativamente rápido.

Esse vírus é um grande ponto de interrogação.

E isso traz mais um desafio aos atletas, particularmente àqueles que desenvolveram a doença e mesmo depois de livres do vírus, estão com dificuldade em voltar à sua rotina de treinamentos.

Por ainda não termos um padrão confiável, um ciclo bem definido de etapas, uma recuperação variável e potencialmente estendida pode ser frustrante para quem procura um retorno logo ao ritmo de treino.

E aqui se abre um desafio e ao mesmo tempo uma oportunidade de atuação para o psicólogo do esporte: dar suporte nesse momento de recuperação.

Para o atleta que foi infectado, não existe apenas o desafio de recuperar a perda de condicionamento após ter ficado muitas semanas parado pela inatividade que a doença impõe, mas há também uma tendência a querer pegar mais pesado no treino quando voltar, levando a uma possível complicação ou episódio de fadiga pós-viral [2].

Junto à comissão técnica, o psicólogo deverá ajudar o atleta a esclarecer algumas dúvidas e lidar com as eventuais respostas:

1- Quando posso retomar o treinamento?

2- Com que exercício devo começar?

3- Qual será a dificuldade e com que frequência devo treinar?

4- Como devo progredir no meu treinamento?

5- Quais são os sinais de alerta que preciso observar para saber se estou forçando demais nesse retorno?

Essas são perguntas particularmente importantes a serem respondidas, porque já se sabe que a COVID19 aumenta o risco de complicações cardiovasculares, renais, respiratórias e hematológicas após a doença. E vários de nossos órgãos, como coração, pulmões, rins, só p/ ficar nesses, passam por uma carga extra durante o exercício. Essa carga aumenta mais ainda num treino mais duro ou numa competição.

Um diálogo franco e objetivo com o atleta poderá ajudá-lo a controlar sua ansiedade e manter-se motivado na fase de recuperação

A psicologia do esporte é uma área com muito terreno a ser explorado em nosso país. Temos muito que desbravar, muito espaço para conquistar e mostrar os benefícios que ela oferece. Em minha experiência, majoritariamente com esportes de endurance e combate, tive grande aceitação do trabalho, tanto por parte de treinadores como pelos atletas. E nesse momento de pandemia, onde todos foram colocados numa situação limite, fazendo com que as emoções ficassem de alguma forma desordenadas, o papel da Psicologia ficou claro. Cabe a nós profissionais nos apropriarmos deste saber, mostrando à sociedade como podemos contribuir para a melhoria da saúde e da qualidade de vida, não só de atletas, mas de qualquer cidadão.

[1] WEINBERG, Robert S & GOULD, Daniel. Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Artmed . 2017

[2] https://www.rcot.co.uk/recovering-Covid19-post-viral-fatigue-and-conserving-energy

Autor Fabio Fisher de Andrade

Fabio Fisher de Andrade

@fabio_psi@hotmail.com

Psicólogo, especialista em Psicologia da Saúde pelo Conselho Federal de Psicologia. Possui formação em Psicologia do Esporte e do Exercício pela Associação Paulista de Psicologia do Esporte. Atua nas áreas esportiva e clínica. Nas horas vagas se enfia em corridas de longa distância em trilhas e montanhas

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