Comportamento Desafiador – O que o alimenta?

O comportamento desafiador dos adolescentes é uma das grandes queixas dos pais no processo de terapia de seus filhos adolescentes ou na busca por orientação. Vou apresentar nesse texto como esses comportamentos aparecem e como oriento os pais a respeito desse comportamento no início do processo terapêutico.

Primeiramente devemos saber que o comportamento desafiador do adolescente não se desenvolve da noite para o dia.

Por isso, acho mais adequado dizer que a família – e não o adolescente individualmente – possui um problema de desafio. Digamos que esse comportamento desafiador “floresce” com o tempo. Muitas vezes, durante anos. Isso acontece partir de um padrão de interações que, a princípio, não pareciam um problema comum aos pais.

São aquelas lembranças que os pais têm da birra do filho de 8 anos, que diz que vai passar... A lembrança da filha de 10 que começou a responder depois que fez, “certas amizades”...  Mas com o passar do tempo, os pais percebem que esse comportamento de desafiá-los tem aumentado e que realmente os incomoda. E agora é hora de procurar um psicólogo!

Temos que analisar junto aos pais o que fez com que esses comportamentos aparecessem. Investigar a fundo. E os primeiros encontros serão destinados a essa investigação.

Trabalhe junto aos pais o resgate das primeiras lembranças de comportamentos desafiantes: “– Como o adolescente era quando criança?”.

O comportamento desafiador só é constante se for reforçado de alguma maneira pelos pais.

Um exemplo:

O pai que pede ao filho para colocar o lixo para fora aos sábados de manhã e o filho sempre pede: “- Um minuto!!!” e assim se vão 30 minutos. O pai pede e o menino responde: “- Um minutooooo!!!”. Até que o pai grita e diz: “- Pode deixar!!!” e ele mesmo leva o lixo para fora. Afinal, a hora do lixeiro vai passar e o pai não pode deixar o lixo dentro de casa o fim de semana todo.

Pronto: comportamento reforçado e objetivo alcançado. Pelo filho!!!

E aí, o tempo passa e começam a aparecer as respostas mais grosseiras, as brigas intermináveis entre os pais e o, agora, “aborrescente”!

Um detalhe que devemos ficar atentos é identificar se esse comportamento realmente não iniciou de forma brusca. Claro, que alguns pais vão dizer que sim. E nós, terapeutas, devemos ficar com a escuta aguçada e analisar se o crescimento desse comportamento foi reforçado desde a infância ou se ele ocorreu realmente de forma brusca, de acordo com o relato dos pais.

Ao longo das sessões com o adolescente, das sessões de orientação aos pais e as visitas à escola ou outro ambiente muito frequentado pelo adolescente, vamos colhendo maiores informações e avaliando como esse comportamento surgiu.

Alguns fatores como bullying, abuso sexual, ou início de abuso de drogas, são alguns exemplos de fatores externos que podem influenciar o surgimento abrupto de um comportamento desafiador. E sendo assim, outras formas de condução de caso precisam ser tomadas.

Nesse texto, vamos trabalhar o comportamento desafiador que surgiu com o reforçamento dos pais e não o que surgiu de forma abrupta.

Mostrando que existe uma saída


Sabemos que os pais reforçam esse comportamento com a melhor das intenções e sem perceber. Nossa função é mostrar como reforçam esse comportamento, pois no dia a dia e já exaustos com as constantes brigas e discussões, não percebem. E os pais, assim como todo ser humano, procuram por uma vida mais fácil e que demande menos esforço.

Devemos ser empáticos e demonstrar que entendemos sua atitude ao longo da criação de seu filho, mas isso precisa mudar para que a harmonia volte e as brigas e discussões, não mais ocorram por esses motivos.

Chamamos esse tipo de comportamento desafiador de coerção.

São usos de comportamento negativo, agressivo, hostil ou de outra forma ameaçadora para conseguir com que as pessoas façam o que você quer.

Quando esse comportamento do adolescente começa a preocupar aos pais e desestrutura a família, os pais se deparam com uma impotência aprendida, onde todas as suas ações diante desse comportamento do adolescente levam a discussões intermináveis e a não solução da sua ordem. Os pais se apresentam esgotados emocionalmente, o que faz com que desistam de resolver o problema.

É nesse momento, em que os pais sentem-se numa armadilha sem saída no convívio com o adolescente, que ele solicita a nossa ajuda.

E temos que mostrar a ele que existe uma saída! Não será fácil, mas existe!

Temos que deixar claro para os pais que não será fácil e eles precisam se mostrar dispostos a entrar de cabeça nesse processo. É aqui que damos toda a orientação. Explicamos que psicólogo não faz mágica e precisamos da ajuda deles para que essa mudança ocorra. Perguntamos se ele está disposto a parar de ceder, mas também parar de recorrer a raiva, ameaças vazias e ao uso de força.

Apresentamos ao pais os 4 fatores que contribuem para o comportamento desafiador. A ideia aqui é ser bem prática e falar como falo com os pais mesmo. De forma direta, com uma linguagem simples.

Já ouvimos muito falar disso, mas nunca é demais reforçar: quanto mais pessoas você atinge com suas palavras mais “inteligente” você é. Se você fala algo que poucas pessoas possam ser capazes de entender... convenhamos que não ajuda a ninguém, a não ser o seu ego! Mas se você é um leitor assíduo do que trabalhamos aqui, na Academia do Psicólogo... você já sabe disso, não é mesmo?

Voltamos aos 4 fatores que contribuem para que um comportamento desafiador se instale no repertório do adolescente:

  • as características do adolescente
  • as características dos pais
  • estresse
  • estilo parental

Vou explicar um por um:

1- As características do adolescente


Durante as nossas sessões com os adolescentes vamos percebendo e analisando como ele é.

Algumas características inatas de temperamento e personalidade podem compor o cenário para o comportamento desafiador;

  • alguns são frustrados mais facilmente
  • alguns são mais impulsivos
  • alguns mais desatentos

Aqui devemos perceber algumas variações normais nos traços da personalidade humana.

Além dessas, temos as características de desenvolvimento que acompanham a fase da adolescência:

  • a necessidade de se tornar mais independente
  • desenvolver uma identidade diferente da dos pais
  • e o preparar para deixar o ninho.

Alguns desafios são inerentes, como:

  • O TDAH,
  • Depressão,
  • Ansiedade,
  • Transtorno bipolar,

E por aí vai.

Todas essas características têm que ser levadas em conta em nossa análise do porquê desse comportamento desafiador do adolescente e se necessário, principalmente nos casos inerentes, devemos ter além do acompanhamento psicológico, o acompanhamento psiquiátrico, com ação medicamentosa.

Mas aqui também, não entra em nosso texto.

Lembrando...

A ideia, aqui, é trabalhar com adolescentes que desenvolveram o comportamento desafiador devido ao reforçamento dos pais e/ou responsáveis. Falei dos desafios inerentes para ficarmos atentos!

E quando forem características que não são inerentes, cabe a nós, psicólogos, trabalhar junto ao adolescente e seus pais como a sua relação tem ajudado na alimentação do comportamento desafiador e também analisar junto a família quais comportamentos devem ser mantidos e quais podemos ressignificar para se ter uma família mais harmônica e gerar menos sofrimento para todos.

Verifico junto ao adolescente e aos pais quais são esses comportamentos e traçamos juntos as estratégias de adequação.

Lembra do exemplo do pai que pede ao filho para colocar o lixo para dentro?

Nesse exemplo podemos descobrir junto ao adolescente uma forma de ele lembrar desse compromisso, sendo colocando o celular para despertar, seja com bilhetes no guarda-roupa, cada adolescente vai traçar sua estratégia. Ele pode chegar à conclusão, junto aos pais, de que é melhor que o irmão mais velho faça essa tarefa e ele se responsabilize por outra.

O importante é que nós o ajudemos na criação de estratégias para o melhor convívio familiar e gerando o mínimo sofrimento possível para ambas as partes.

2- As características dos pais


Além das características que apresentamos e que se referem aos adolescentes, também há as características dos pais e que influenciam neste processo. Uma delas, que ocorre com muita frequência, são as crenças que limitam esses pais quanto a educação de seus filhos.

Alguns acreditam que ao aderir o caminho traçado estritamente por ele, seu filho não vai usar drogas, terá um emprego seguro, não se meterá em encrencas. Alguns acreditam que a única função de seu filho adolescente é deixa-lo (aos pais) infeliz.

E como podemos ajudá-los nessas crenças?

Primeiro fazendo com que eles as identifiquem e analisem como essas crenças afetam o seu modo de educar.

Uma pergunta interessante é: “- Como você se vê como pai?” e depois que você escutar e ele esmiuçar como ele se vê você faz outra pergunta: “- Como você gostaria de ser visto como pai pelo seu filho?”. E assim, vocês analisam juntos como essa percepção almejada por ele pode ser atingida.

Conhecer como foi a criação do pai também é muito importante, fará com que ele veja a diferença ou similaridades com a criação de seu filho.

3- Estresse


Pais e filhos se estressam por “N” fatores. Os pais sejam por falta de dinheiro, pela perda de um ente querido. Os filhos, seja pela pressão na escola, pela necessidade de ser aceito em um grupo.

Quando estamos estressados nos irritamos com mais facilidade mesmo!

Aqui é quando acolhemos os pais em seu momento. Tentar conter um filho desafiador é estressante.

Muitas vezes é através do relato do adolescente que identificamos o que o estressa. Os pais esquecem que o que não os estressa, pode estressar, e muito, o adolescente.

Quando os pais estiverem apresentando um nível muito alto de estresse é importante abrir um espaço para que eles se abram e possamos ajudar naquilo que é referente ao filho adolescente ou encaminhá-lo a um colega para que esses pais tenham o seu espaço, onde possam ser ouvidos e acolhidos.

Quando o estresse é voltado para a relação com o filho pode haver a necessidade de atendimentos alternados com o do adolescente. Mas se outros fatores, como briga conjugal ou trabalho forem o motivo do estresse costumo indicar para que um colega atenda esses pais (ou um deles).

Acho importante cada membro da família ter o seu espaço, o seu terapeuta. Principalmente os adolescentes, não gostam muito de dividir o “seu espaço” com os pais. Eles ficam confusos quanto ao entender a quem o terapeuta “pertence” realmente.

Se o estresse do adolescente também for alto, devemos identificar junto ao adolescente de onde vem a causa desse estresse e assim iniciarmos um trabalho voltado para o que está realmente atrapalhando o seu bem-estar e afetando a sua relação com autoridades.

4- O estilo parental


É aqui que podemos fazer o nosso trabalho de forma mais aparente!

Os três fatores iniciais servem, para mostrarmos aos pais as 3 principais características que alimentam o comportamento desafiador de seu filho, mas é através do estilo parental que vamos ter sucesso na medida que conseguimos mudanças. Os outros três não são fáceis de alterar de modo permanente, mas o estilo parental pode mudar!

Estilo parental é a forma como os pais reagem ao comportamento de seus filhos.

Nós vamos identificar junto aos pais e com as informações obtidas nas sessões individuais com os adolescentes como é o estilo parental que esses pais exercem. Estamos falando de comportamento desafiador, então, como fazer com que os adolescentes obedeçam às regras e pedidos vindo de seus pais?

Um primeiro passo é: verificar com os pais se tem um excesso de tarefas dadas a esse adolescente. E verificarmos a diminuição das mesmas, nesse primeiro momento. Essa não é mais uma forma de ceder? Muitos pais perguntam.

Não! Essa não é mais uma forma de ceder, pois as tarefas não estão sendo cumpridas mesmo... a primeira ideia é fazer com que pais e filhos parem as discussões. Devemos entender que esses pais e esses adolescentes estão cansados das brigas e precisam de uma trégua.

Após um tempo depois dos pais aprenderem as melhores formas de interagir com esse filho, vamos voltando com as regras, aqui já como um acordo e não mais com autoritarismo. Nesse momento os pais devem estar dispostos a não ceder!

Pois aqui já vai caber a regra de: Combinado é combinado.

A identificação desse estilo parental e as mudanças que irão surgir são os próximos passos da orientação de pais de adolescentes desafiadores, não porque tudo o que concerne o desafio seja culpa dos pais – e devemos deixar isso claro para eles – mas sim, por que é onde os pais tem mais controle.

Os pais podem mudar a forma de agir e a forma como lidam com suas emoções.

Mudar o estilo parental não eliminará completamente o efeito dos outros 3 fatores, mas atuará como um amortecedor para migrar o impacto.

Então é isso!!! Algumas dicas para o início do processo com queixas sobre comportamento desafiador.

Aguardo os comentários!

Autor Renata Lott

Renata Lott

@renatalott

Psicóloga, psicopedagoga, coach e empreendedora com experiência em ajudar adolescentes e jovens a vivenciarem suas novas descobertas através do processo de autoconhecimento e desenvolvimento emocional. Ajudando-os a desenvolver novas habilidades de lidar com o ambiente ao seu redor e, se preciso, orientando pais, professores e orientadores nessa jornada.

MBA em Consultoria Interna, pelo BI International. Curso de Inovação - Berkeley, Califórnia USA. Especialista em Gestão de Negócios, pela Fundação Dom Cabral. Formada em ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) pelo BHDP. Formação em Coaching Psychology, e Intensive Coaching Psychology Experience pela Academia do Psicólogo. Certificada Internacionalmente em Gestão de Mudanças pela Prosci.

Ex Diretora de Ensino no maior cursinho pré vestibular do país - o Kuadro, uma das fundadoras do Acompanhar, Núcleo de Acompanhamento à Criança e ao Adolescente, responsável pelos canais Adolescer no Psico.Club da Academia do Psicólogo e colunista da Revista Mommys (Portal Mommys), com a coluna, Adolescência na Real.

São mais de 20 anos auxiliando estudantes de todas as faixas etárias e despertarem o desejo pelo aprender. E com isso, uma vontade imensa de formar profissionais da área da educação mais conscientes e preparados para poderem ajudar os jovens nesse caminho fantástico da educação!

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