Depressão - conhecendo mais para cuidar melhor

Quando falamos sobre saúde mental e velhice, um tema é bastante recorrente: a depressão. Embora muitas pessoas acreditem se tratar de uma característica normal dos idosos, nós psicólogos temos o dever de desmistificar tal crença. Nem todo idoso recebe o diagnóstico, ou apresenta seus sintomas.

Ao afirmarmos que a depressão é algo característico da velhice e que nessa idade não há nada que possa ser feito em benefício daquele que sofre, cometemos dois erros: estigmatizamos o processo de envelhecimento como algo negativo, sinônimo de doença e deixamos de oferecer tratamento adequado a quem necessita desse cuidado.

Depressão é doença e precisa de tratamento!

Embora essa frase seja óbvia para nós da Psicologia, ela não é tão clara para os idosos e seus familiares (diríamos até que para alguns profissionais também não seja). Que tal ajudarmos a levar mais conhecimento às pessoas que nos rodeiam? Para isso, precisamos buscar mais informação. E esse é o intuito desse artigo: apresentar dados relevantes a respeito do tema.

Em texto divulgado pela OMS, em 2016, a depressão é considerada a primeira causa de incapacidade entre todas as doenças médicas, atingindo cerca de 350 milhões de pessoas ao redor do mundo. Trata-se de um transtorno de humor com origem multifatorial (biológicas, psicológicas e sociais) e que pode gerar grande sofrimento e dificultar a realização das atividades de vida diária.

Estima-se que sua prevalência varie bastante, dependendo da gravidade investigada e do instrumento diagnóstico utilizado. Em torno de 15% dos idosos apresentam sintomas depressivos. Diversas pesquisas afirmam que esse transtorno é mais comum entre idosos hospitalizados (5 a 13%) e institucionalizados (12 a 16%). (COUTINHO et AL., 2003).

Outro dado importante relacionado à sua prevalência é que a depressão é mais frequente entre as mulheres. A feminilização dos transtornos mentais na velhice estaria relacionada à maior expectativa de vida para as mulheres, ao fato de que elas, comumente, são as cuidadoras dos maridos e demais familiares e estão mais expostas às situações de estresse.

Na velhice avançada, as mulheres sofrem mais com a solidão, o isolamento, a depreciação da autoimagem decorrente do processo de envelhecimento. Ocorre também um número mais elevado de prescrição de psicotrópicos e de busca por psicoterapia entre as idosas.

A sintomatologia depressiva em idosos pode estar relacionada a diferentes aspectos, como pior saúde auto-relatada, maior utilização de serviços de saúde, pior percepção de suporte social, funcionamento social precário e pior índice de qualidade de vida.

Para diversos pesquisadores, há um risco aumentado para depressão maior ou sintomas depressivos quando estão presentes os seguintes fatores:

  • Gênero feminino;
  • Idade avançada;
  • Baixo nível de escolaridade;
  • Viver em condições precárias de moradia;
  • Ser viúvo ou divorciado;
  • Apresentar incapacidade funcional e doenças crônicas que gerem dores e limitações;
  • Apresentar outras doenças psiquiátricas ou ter casos dessas doenças na família;
  • Isolamento social, contando com uma menor rede de suporte social;
  • Vivenciar mudança de função ou papel social e familiar, como a experiência de aposentar-se, por exemplo;
  • Enfrentar eventos vitais, como luto e separação;
  • Fazer uso abusivo de bebidas alcoólicas ou fumo.

O aumento dos sintomas depressivos em idosos pode associar-se com a diminuição do senso de controle por parte desses sujeitos sobre suas doenças e sobre as situações com que precisam lidar em seu cotidiano.

Os eventos estressantes podem representar um fator de risco para o desenvolvimento ou agravamento de sintomas depressivos, em razão do grande potencial de evocar e intensificar emoções negativas, de gerar sentimentos de mal-estar psicológico, de provocar uma ruptura no curso normal de vida e de exigir reajustamento pessoal diante da mudança (Fortes-Burgos; Neri, 2010, p. 111).

A importância do diagnóstico correto


Sabemos que, ainda hoje, a depressão em idosos é sub-diagnosticada e sub-tratada. Muitos idosos com o transtorno de humor não recebem o diagnóstico correto, não são tratados, ou são acompanhados de modo inadequado.

Os manuais de diagnósticos (CID-10, DSM) focam o indivíduo adulto, dificultando uma melhor compreensão da heterogeneidade do quadro na velhice. Outra dificuldade encontrada diz respeito à sobreposição de sintomas físicos e cognitivos de outras patologias.

O diagnóstico de depressão é essencialmente clínico.

Durante as sessões iniciais, o psicólogo investiga a história do paciente, quais os sintomas presentes, como e quando eles surgiram. Busca compreender a percepção do idoso sobre seu estado emocional e sobre sua vida.

É importante investigar o estado de saúde do paciente, pois sabemos que determinadas doenças físicas e o uso de algumas medicações podem provocar alguns sintomas semelhantes aos de depressão. O histórico familiar em relação à doença mental também deve ser considerado durante a avaliação. Muitas vezes, a presença de um familiar ou cuidador é necessária para informar os dados que o idoso não soube fornecer.

Os exames laboratoriais, sugeridos por psiquiatras ou geriatras, ajudam no diagnóstico diferencial em relação a algumas patologias, como certas demências. O trabalho em equipe é fundamental para a realização de um diagnóstico correto e um tratamento eficaz.

Um recurso que auxilia o diagnóstico de depressão é o rastreio de seus sintomas por meio de escalas.

A mais utilizada entre os profissionais de saúde que atuam com idosos é a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage, conhecida como GDS. Ela possui duas versões: uma longa (com 30 itens) e uma mais curta (com 15 itens). A versão mais curta e simples foi elaborada visando favorecer a sua aplicação junto aos idosos com algum comprometimento cognitivo.

As perguntas abordam sobre sentimentos e comportamentos do idoso ao longo da última semana e possuem como opções de respostas apenas “sim” ou “não”.

Embora as questões não correspondam aos critérios diagnósticos presentes nos manuais (DSM ou CID-10), elas relacionam-se com os sintomas mais freqüentes identificados na prática clínica, pelos pesquisadores que elaboraram a GDS. Uma crítica feita à escala é a de que ela negligencia os sintomas somáticos, bastante presentes na depressão em idosos.

Outro instrumento bastante utilizado no rastreio de sintomas depressivos é o Inventário de Depressão de Beck, também denominado por BDI.

A escala apresenta 21 itens que incluem sintomas e atitudes, como tristeza, sensação de culpa, idéias suicidas, pessimismo, falta de satisfação, sensação de estar sendo punido, sensação de fracasso, retração social, inibição para o trabalho, irritabilidade, autodepreciação, crises de choro, diminuição de libido, indecisão, perda de apetite e de peso, distorção da imagem corporal, distúrbio do sono, fadiga.

Estes, são avaliados de acordo com a intensidade com que se apresentam, variando de 0 a 3.

Os manuais diagnósticos e as diversas pesquisas sobre o tema nos apresentam uma lista de sintomas de depressão. Dependendo do número de sintomas presentes, da intensidade com a qual se revelam e a duração dos mesmos, é possível realizar o diagnóstico.

Dentre os sintomas citados, estão:

  • Tristeza;
  • Perda de interesse e prazer em realizar atividades que antes gostava;
  • Variação diurna de humor;
  • Isolamento social e apatia;
  • Dificuldade para realizar atividades do cotidiano;
  • Alterações do apetite e do peso;
  • Mudanças no ciclo do sono;
  • Sentimento de culpa e inutilidade;
  • Pessimismo em relação ao futuro;
  • Ideias e/ou comportamentos autolesivos, incluindo suicídio;
  • Diminuição da concentração e atenção;
  • Queda da autoestima;
  • Diminuição da libido e interesse sexual.

Entretanto, quando falamos em depressão em idosos, falamos de um transtorno heterogêneo e complexo. Nessa fase da vida, os principais sintomas relatados pelos pacientes são físicos:

  • Cansaço;
  • Fadiga;
  • Dor crônica, que não corresponde a nenhuma patologia física;
  • Alterações psicomotoras (agitação ou lentidão);
  • Alterações do sono e do apetite.

Idosos com depressão também podem apresentar queixas cognitivas, principalmente em relação à memória episódica, funções executivas e velocidade de processamento de informações.

O que pode ajudar?


Batistoni, Neri e Cupertino (2010) defendem que o suporte social pode prevenir estresse e tem um impacto positivo na saúde física e mental do idoso, pois comunica a ele seu valor pessoal e o ajuda a atingir suas metas e a manter suas emoções em equilíbrio.

O suporte social provém recursos psicológicos e materiais, como a prática de atitudes saudáveis, autoestima, senso de pertencimento, estratégias de enfrentamento, ajudas materiais, auxílios emergenciais. Ressaltamos que a qualidade percebida pelo idoso de suas relações sociais é mais importante para sua saúde mental do que a quantidade de membros ou o número de contatos.

Desse modo, é importante estimular o idoso a realizar atividades que fortaleçam seus vínculos sociais e sua autoestima.

Claro que precisamos estar atentos a singularidade de cada um, afinal de contas, nem todo idoso gosta, ou tem condições físicas, emocionais e financeiras, de fazer aula de dança ou participar de grupos religiosos, por exemplo.

Nosso papel é acolher o idoso e ajudá-lo a lidar com sua dor, a identificar que atividades lhes despertam interesse e promovem seu bem-estar. Respeitar seus limites e favorecer o fortalecimento de suas potencialidades e a expressão e elaboração de suas questões.

Existem inúmeros campos de atuação para o psicólogo intervir junto ao idoso com depressão. Como dissemos acima, há uma maior prevalência de depressão entre as pessoas mais velhas que se encontram hospitalizadas ou institucionalizadas. Assim, falaremos inicialmente sobre esses dois espaços.

No ambiente hospitalar existem, via de regra, dois perfis de pacientes: aqueles que se encontram internados e os que frequentam os ambulatórios de determinadas especialidades médicas. É comum profissionais da equipe encaminharem pacientes para acompanhamento psicológico: “– O paciente do leito 202 está apresentando sinais de depressão. Está muito choroso, apático, não aceita o tratamento. Gostaria que conversasse com ele”.

Nesses casos, como proceder?

O psicólogo atende o paciente em seu leito (enfermaria, UTI, etc).  Muitas vezes, divide espaço com diferentes pessoas (pacientes de leitos vizinhos, profissionais da equipe que precisam realizar procedimentos junto ao paciente, acompanhantes, por exemplo).

A dinâmica do hospital é bem diferente de um consultório particular.

Porém, mesmo com as diferenças, é possível a criação de um espaço de acolhimento e escuta, no qual o idoso sinta-se respeitado e seguro para compartilhar aquilo que considera importante, elaborar questões referentes ao seu processo de adoecimento, luto, etc. Durante seus atendimentos, o psicólogo hospitalar promove também acolhimento, intervenções psicoeducativas e orientações junto aos familiares e cuidadores.

No ambiente ambulatorial, o psicólogo pode desenvolver intervenções individuais e grupais. Também existem profissionais que, em parceria com colegas de outra área de formação, atuam com grupos terapêuticos, abordando temas relacionados à depressão, saúde emocional, etc.

Outro espaço no qual é possível trabalharmos com idosos com o transtorno de humor são as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs).

Existem pessoas que escolhem ir morar nesses locais e há quem vá residir nas ILPIs por decisão de outras pessoas (familiares, cuidadores, etc). A adaptação à nova moradia e rotina nem sempre é fácil. O afastamento de suas casas, de objetos pessoais, de sua rotina e de pessoas queridas, assim como o maior isolamento social, acabam afetando a saúde emocional desses idosos.

Nesse contexto, nós também podemos desenvolver atendimentos individuais e grupais, grupos terapêuticos, palestras com os residentes e profissionais que trabalham na instituição. Existem profissionais que promovem oficinas de arteterapia, rodas de conversa e outras atividades que visam a socialização, a expressão e o fortalecimento da autoestima dos residentes.

O psicólogo pode ainda oferecer cursos voltados para os profissionais da instituição para que estes se tornem mais capacitados para atuar com esse público.

Atividades semelhantes podem ser desenvolvidas em outros contextos, como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Centros-dia. Em relação à clínica, nós podemos tanto atender em nossos consultórios, como a domicílio. Os atendimentos na casa do paciente acabam sendo bem frequentes, pois, devido algumas doenças físicas ou determinados sintomas emocionais, muitos idosos não têm condições de ir aos consultórios.

Seja no consultório ou na residência do idoso, o contato com os familiares e demais profissionais que acompanham o idoso é enriquecedor. Por meio das informações coletadas junto a essas pessoas, podemos propor intervenções com os idosos, orientar familiares e cuidadores formais, bem como discutir com colegas de outras profissões que atendem o paciente e ampliar nosso olhar sobre o caso clínico.

Como podemos ver, depressão é assunto sério e a falta de capacitação dos profissionais de saúde (mental ou não) torna-se um dos fatores para o alto índice de sub-diagnósticos e tratamentos equivocados. Estudar mais, discutir com colegas de profissão, oferecer serviços de qualidade e mais informação é papel de todos nós.

Mãos à obra!

REFERÊNCIAS:

BATISTONI, S. S. T.; Neri, A. L.; CUPERTINO, A. P. Sintomatologia Depressiva e Suporte Social na Velhice. In: FALCÃO, D. V. S.; ARAÚJO, L. F. Idosos e Saúde Mental. Campinas: Papirus, 2010 (Coleção Vivaidade).

COUTINHO, M.P.L; GONTIÉS, B; ARAÚJO, L.F; SÁ, R.C.N. Depressão um sofrimento sem fronteira: representações sociais entre crianças e idosos. Psicol USF. 2003;8(2):182-91.

FORTES-BURGOS, A.C.G.; NERI, A. L. Enfrentamento de Eventos Estressantes e Depressão em Idosos. In: FALCÃO, D. V. S; ARAÚJO, L. F. Idosos e Saúde Mental. Campinas: Papirus, 2010 (Coleção Vivaidade).

Autor Juliana Rêgo  e Clicia Peixoto

Juliana Rêgo e Clicia Peixoto

@SingularIdade

Esse é um espaço em construção, um ponto de partida e de encontro para falar sobre o envelhecimento em suas mais diversas formas. Somos duas amigas, psicólogas e apaixonadas pela Psicogerontologia, uma morando no Brasil e a outra na Espanha. Nós formamos o Singular Idade. Juliana Rêgo é especialista em Gerontologia pela Universidade de Fortaleza e Clicia Peixoto é doutoranda em Psicogerontologia na Universidade de Valência.

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